Sexta-feira, 28 de Novembro de 2014

O caso anda mesmo bera

[...] O Expresso contactou a família de João Perna para saber quem é agora o advogado do motorista, mas não obteve qualquer resposta. Perna está indiciado pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais e, de acordo com o jornal Público, levaria a Sócrates malas com dinheiro que eram transportadas de Portugal para Paris.

Rui Gustavo, «Escritório de Proença de Carvalho deixa defesa do motorista de Sócrates», in Expresso, 28/XI/14.

 Os do saco de plástico -- esse semanário brasileiro que se publica aos sábados em Portugal -- não dizem que o Perna também foi acusado de posse de arma proibida?!
 Não admira. Além do saco de plástico parecem todos -- mesmo os que não lançam água benta no caso -- desentendidos desse pormenor (e doutros...) do chauffeur. Quererão escamotear-me o resvalar da cena da magna e solerte aldrabice para a mais reles bandidagem?
 Pois bem, vede que até os finórios do Proença de Carvalho se resolveram livrar da sarna.

Recorte d' O Jornal, 7/II/86, in Porta da Loja.

Escrito com Bic Laranja às 18:28
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Segunda-feira, 24 de Novembro de 2014

O advogado que foi ver as montras

 «Cuidado, sô 'tor, que está a entrar na relva!»

 «João Araújo é das melhores coisas que aconteceu a Portugal nos últimos dias. «Agora não me humilhem, que devia sair daqui num carro 12 válvulas e vou entrar num Smart, e sou gordo, e é ridículo», disse, ao despedir toda a jornalistada que o cercou entre a porta do tribunal e o passeio das avenidas. Suspira como ninguém, maçado com a imbecilidade metralhada pelos repórteres, que repetem as perguntas assim que entram em directo, mesmo que já tenham sido feitas. «Ó minha senhora, o eng.º Sócrates está melhor do que eu, não vos tem aqui...» e, logo a seguir, dirigindo-se a um cameraman: «O senhor aponte a luz aqui para baixo para eu ver o caminho».
 Eu não sei quem é João Araújo. Não o conhecia mas tenho com ele a relação que se estabelece com os cantores: gosto da letra e da música. O que o artista faz para além disso, normalmente, desaponta o fã.
 O saco plástico com o almoço que foi comprar ao supermercado, o «tenho problemas graves»; o desespero perante a pergunta sobre se Sócrates estava a responder ao juiz: «Então o que é que a senhora pensa que estivemos ali dentro a fazer?» demonstra uma coisa só. Ao contrário dos perus assados que costumam aparecer nestes momentos, Araújo é um espontâneo. Não deve precisar de mediatismo para nada. Aborrece-o, até, a atenção. E tem presença de espírito.
 Repito: não se comenta aqui o caso, mas a figura, que só imagino de duas formas: ou em charutada e conhaque, em grande estilo, a mandar bocarras campino-burguesas; ou tranquilamente em casa, a delirar com Caruso e Callas, em charutada e em conhaque. Ou não. Pouco importa.»

João Vasco Almeida, in Livro das Fuças, 23/XI/14.

(A imagem é de lá.) 

Escrito com Bic Laranja às 18:40
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Da dissolução cultural do gentio

 Depois de os entreguistas de 74 assinarem a capitulação em 85 Portugal acabou. Como da programação da Radiotelevisão Portuguesa internacionalista (internacional + socialista) só sobressaem anúncios de enlatados em linguagem de bárbaros, cuido estarem os nativos do rectângulo em processo de aculturação acelerada.

The Voice Kids

Pô-los de pequeninos a torcer o pepino...

The Voice Kids - Vídeos

Chefs' Academy

-- Sô' tora! Como se diz pastel de nata em inglês?

Chefs` Academy - Aula de pastelaria

Got talent

«Inscreva-se» significa o quê?

Got Talent - Inscrições

Vistos «gold»

(Sem mais comentários.)

RTP1 - Prós e Contras - Os vistos gold

(Bonecos duma Radiotelevisão Portuguesa muito além do acordos ortográficos...)

Escrito com Bic Laranja às 15:16
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Domingo, 23 de Novembro de 2014

Noite de cinema

 «The Adventures of Robin Hood» é o título original dum filme de 1938 de Michael Curtiz, com Errol Flynn e Olivia de Havilland. Estreou-se em Portugal no Politeama em 19 de Dezembro de 1940 com o título «As Aventuras de Robin dos Bosques».

 Ou os da R.T.P. Memória são semibárbaros ou têm-na curta...

As Aventuras de Robin dos Bosques (M. Curtiz, 1939)
(Recortes da Radiotelevisão Portuguesa amaricana em 23/XI/014 e do Diário de Lisboa de 19/XII/940.)

Escrito com Bic Laranja às 22:55
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Sábado, 22 de Novembro de 2014

Abuso da coca rebenta o nariz ao Pinnochio

Pinnochio

(Imagem em... )

Escrito com Bic Laranja às 08:30
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Quinta-feira, 20 de Novembro de 2014

Tourada de vida

 Se dou comigo a pensar no rumo de certas coisas acabo a cismar...
 Do infame acordo ortográfico tenho noção de que se 99% das pessoas o rejeitarem nada conseguem ante o poder de as organizações onde trabalham ou com que lidam, o imporem. E no entanto, não são as organizações somas de pessoas?
 Que força falseia os dados e produz resultado adverso ao querer da gente?Write what told

 Transpondo para a sagrada democracia é o mesmo: cada cidadão exprime um voto; o poder madatado por si desquita-se da soma dos cidadãos e manda como lhe der. E a mesma força adversa às gentes torna quatro anos depois com a mesma tourada...
 Dantes os indivíduos faziam o corpo duma nação. Agora a sagrada democracia proibe o Estado corporativo e pare cidadãos, eleitores, livres, carregadinhos como burros de direitos: de agremiação, de manifestação, de opinião, de petição... Que vão sendo toureados.

 Na segunda-feira pedi que me ligassem a luz numa casa fechada. Remeteram-me um contrato redigido com os pés (duas ocorrências de «contato» por «contacto», quatro de «fato» por «facto», um mês com maiúscula e duas ocorrências de «electricidade» -- justamente, com «c» -- no meio dum festival de mutilações lexicais do Português. Na terça pedi exemplar sério do contrato, redigido sem a cacografia reinante. Ontem acusaram-me a «recepção» do pedido em português: -- nem tudo está perdido -- pensei. Santa ingenuidade... Hoje telefonou-me um cavalheiro, certamente engravatado para me dizer de fato «não senhor!»; na sua companhia da luz a electricidade agora é assim e assim mesmo; quem quer compra e cumpre, quem não quer pode comprar noutro lado. -- Poderoso vendedor que se está para a freguesia como o outro estava para o segredo de justiça...
 Entretanto esta manhã ligaram-me a electricidade mesmo sem o contrato assinado. Pagarei a que gastar e, do destrambelho, Deus dirá...
 Na segunda pedi a outra gente, parelha desta, que me ligasse a água na mesma morada. Em ambos pedidos indiquei um certo n.º de telefone para agendarem o fornecimento. Hoje ligaram já de duas companhias de... telefones, impingindo telefonemas mais TV por cabo e mais pechisbeque que lhes sobeja no armazém. Como lhes terá cheirado a morada duma casa fechada para onde se pediu novamente água e luz? Quem lhes diabo de havia de ter segredado justamente aquele n.º de telefone?...
 Tourada mai' sinistra!...

Escrito com Bic Laranja às 21:59
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Terça-feira, 18 de Novembro de 2014

História do séc. XVI...

 Quando o infante D. Luís foi por terra a Castela para passar com o Imperador Carlos Quinto, seu cunhado, à conquista de Tunes, levou consigo alguns fidalgos seus criados, que haviam de ir com ele na armada. E chegando à corte de Castela rogou a Álvaro Mendes de Vasconcelos, que então lá estava por embaixador, que lhos agasalhasse [i.é, que os hospedasse]; e o embaixador assim o fez.
 Andando já o infante para se embarcar e sabendo dos fidalgos os muitos regalos e bom tratamento que o embaixador lhes fizera, mandou-lhe a casa mil cruzados [= quatrocentos mil reais]; e ele [o embaixador] não os quis tomar e, perguntando-lhe o infante porque os não aceitara, respondeu-lhe:
 — Senhor, porque mos mandou Vossa Alteza ao despedir dos fidalgos que me mandou hospedar, como se eu fora estalajadeiro; que, se noutro tempo [noutra circunstância] me fizera mercê de dez cruzados, tomara-os.

José Hermano Saraiva (anot. e com.), Ditos Portugueses Dignos de Memória; História íntima do século XVI, 3ª ed., Mem Martins, Europa-América, 1997, p. 297 [805].

Cópias das Tapeçarias de Pastrana no Paço dos Duques de Bragança, Guimarães (in Nove séculos de cultura em Portugal).

Vá lá de acharmos hoje a nossa democrática fidalguia recusar paga por desonrosos trabalhos, vá...


(Imagem: sala das tapeçarias Pastrana no Paço dos Duques de Bragança, Guimarães, [outrora] in Nove Séculos de Cultura Portuguesa.)

Escrito com Bic Laranja às 19:20
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Das coisas feitas com os pés

 Da reforma anterior (1943) que o Brasil tomou para si ignorando o Acordo Ortográfico de 1945, no vocabulário ortográfico (orto-?) da Academia Brasileira de Letras (dito da língua portuguesa) há mais de duzentas entradas com o radical «electr-». -- Já aqui dele falei. -- Há «electrônica», «electrocussão, «electrão»; há compostos jaculatórios como «electrojacto» e «electrojato» (este notoriamente menos jactante); há compostos culturais como «electrocultura»; há «electrodiálise», «electrotomia», «electrodissecação», «electropositivo», «electrodinâmica» e «electrostática»...
 Há até -- calculem bem! -- o singelo «eléctrico», bom para molhadas na terra do bonde...

Bonde de São Januário (1941)

Bonde de São Januário
Leva mais um otário
Só eu não sei trabalhar...

 E bom, paradoxalmente chocante é haver tudo isto e mais a «electrogénese» no V.O.L.P. da A.B.L., sem ali haver «electricidade»! -- Só admitem «eletricidade», lá, os entendidos.

 Sucede que o V.O.P. do I.L.T.E.C. admite toda a tralha do Sítio do Pica-pau Amarelo com o radical «electr-» sem admitir também, «electricidade». O Lince comeu só alguns «cc» e engasgou-se. Foi porque de entrada papou os cérebros do I.L.T.E.C.

(Imagem e palavras à conta do subúrbio do Rio...)

Escrito com Bic Laranja às 13:59
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... E hortas adjacentes

Não era formidável, quando de Lisboa se via o horizonte?

Alvores da obra da paroquial de S. João de Deus, Lisboa (J. Benoliel, c. 1950)Perímetro da obra da igreja de S. João de Deus e hortas adjacentes, Lisboa, c. 1950.
Judah Benoliel, in archivo photographico da C.M.L.

Escrito com Bic Laranja às 09:59
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Segunda-feira, 17 de Novembro de 2014

Ah 'granda' saco de plástico!

«Philae conseguiu enviar dados do cometa antes de ficar sem bateria», Saco de Plástico, 16/XI/14.
(Fotomontagem a partir do 'Expesso' diário e oculto.)

Escrito com Bic Laranja às 21:16
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Domingo, 16 de Novembro de 2014

Voltinhas do «p» de «Egipto»

« O Dr. Rebelo Gonçalves (no Vocabulário da Academia [1940]) quis tirar o p a Egipto. Os srs. Xavier FernandesCosta Leão receberam com agrado a novidade. Só eu mostrei a incongruência no livro A Bem da Língua Portuguesa. Pois agora [1945] vejo o Egipto a regressar ao p que tudo (a etimologia, a tradição e o paralelismo linguístico) aconselhava.» (1)


« O caso excepcional do p mudo de Egipto tem mais defesa do que a excepção gráfica que o desacordo com palavras afins (egípcio, etc.) determina. Afora isto, ainda provada a antiguidade da pronúncia Egito, não se pode tomar por mera «igualdade artificial» a manutenção do p. Em ortografia que intente ser científica, não pode perder-se de vista um princípio a que chamarei, analogia gráfica. Note-se que é a analogia gráfica, com base na etimologia, que determina carácter (-rá-), característica (-kte-), etc. [Pois!...] Afirma-se na Introdução [do Vocabulário de 1940] também: «não se objecte que há egiptologia, egiptólogo, etc. com p soante; a dedução de formas tais, que são neologismos cultos, faz-se da forma etimológica». Esta razão não convence aplicada a egiptano, f. que conheço registada no séc XVIII. Não é neologismo culto. E cá temos [em 1940 como agora outra vez em 1990-2014], então, Egipto egiptano, com menosprezo da analogia gráfica.» (2)


(1) Vasco Botelho de Amaral, Estudos Críticos de Língua Portuguesa, 1;As Bases da Ortografia Luso-Brasileira, Lisboa, Liv. Bernardo, [1948], p. 28.
(2) Id., pp. 124-125
.

Escrito com Bic Laranja às 23:44
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Sábado, 15 de Novembro de 2014

Dom Manuel II

 El-Rei D. Manuel II conversando com não sei quem não sei onde; parece ser n'uma gare de estação de caminho de ferro.

D. Manuel II (ANTT, O Século, Joshua Benoliel, cx G, lote 1, neg. 3)

(A.N.T.T., O Século, Joshua Benoliel, cx. G, lote 1, neg. 3.)

  D. Manuel nasceu no paço de Bellem. O seu nascimento foi annunciado pelas seis horas da manhã ha 125 annos.

Escrito com Bic Laranja às 06:00
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Sexta-feira, 14 de Novembro de 2014

O fomento da alta roda

 Que raio de Estado põe a Diplomacia a vender vistos como objectos duma loja de luxo?
 Que diabo de capitalista se dispõe comprar imóveis ao dobro do preço em troca dum ferrete tão indiscreto como um visto dourado?
 Por que espécie de gente hei-de tomar os ministros que me querem convencer ser isto a melhor via do fomento económico?

Cagney & Bogart, in «Heróis Esquecidos», 1939
James Cagney e Humphrey Bogart. (Heróis Esquecidos, de Raoul Walsh, 1939). Adaptado de Fanpop.

Escrito com Bic Laranja às 20:12
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Arte de encadernação

Como se encaderna... (Lisboa, 2014)

Escrito com Bic Laranja às 20:03
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Quarta-feira, 12 de Novembro de 2014

A linguagem selecta do jornalismo

 A emissora nacional papagueia diàriamente os títulos dos jornais numa rubrica que tem, chamada «Revista de Imprensa». Papagueia dos que lhe interessam; os títulos d' «O Diabo» não lhes cheiram, nunca os dizem. -- Censura não há-de ser porque isso já acabou...
 É lá com eles, mas é pena; nestes dias em que se não calam com o último apocalipse da moda e dão tempo de antena a agentes do governo ou da Quer... cus que nos hão-de salvar, bem podiam pegar n' «O Diabo» e instruirem-se alguma migalha, nem que fosse no uso da linguagem com propriedade.
2759_001 (2).jpg
«Legionella», in O Diabo, 11/XI/14.

 

Escrito com Bic Laranja às 18:08
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Terça-feira, 11 de Novembro de 2014

Postal de Lisboa (2.ª ed.)

Edição de António Passaporte (c. 1953).

Av. Almirante Reis, Lisboa (A.Passaporte, c. 1953)

O eléctrico é o 8.
As varandas na esquina do prédio de lá tiveram marca registada em...


(1.ª ed. em 6/XII/2008.)

Escrito com Bic Laranja às 18:59
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Uma coisa nunca antes vista

 Na Praça João do Rio demoliram há coisa de ano e tal o prédio da esquina de cima para construirem... um igual!
 Bom, não lhes cotejei bem a fachada, mas do que vi de relance ao passar ali pareceu-me. Inclusive o rosa oficial da fachada foi copiado do que demoliram.
 Uma coisa nunca antes vista.

Praça João do Rio, Lisboa (A. Passaporte)
Praça João do Rio, Lisboa, c. 1953.
António Passaporte, in archivo photographico da C.M.L.

(Revisto às vinte para as nove.)

Escrito com Bic Laranja às 18:58
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Magusto no Benfica

 Nos anos 80 já se Portugal dissolvia na bola. Numa vez, no recreio do liceu ensino unificado vinha pelo S. Martinho um dos moços com o jornal desportivo que anunciava: Magusto no Benfica.
 -- Quem é esse Magusto?
-- houve um que quis saber.
 -- Deve ser mais algum brasileiro que foram buscar...

 (Imagem da Colecção Educativa nas Coisas doutros tempos...)

Escrito com Bic Laranja às 12:59
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Domingo, 9 de Novembro de 2014

Quem não tem que fazer... «simplifica» a ortografia

Hernâni Pimentel

 Este doutor Pimentel dá . Tornar a si é bater no ceguinho; se cá torno com ele é por mostrar a raça de indigentes a que o idioma Português parece que foi entregue. E pior, o eco destes incapazes na imprensa estrondeia como dogma científico.
 À pergunta por que acredita...? -- que de si remete para a crendice -- mastiga a tese mandriona de se dever descartar o trabalho de memorização na aprendizagem (uma aflição, o alfabeto ter tantas letras!...) e arenga ex cathedra a falta de padrão de viajar => viagem &c.
 Realmente é um padrão estúpido porque é o verbo viajar que deriva de viagem e não como o doutor julga, exactamente porque não dá valor à memória nem ao trabalho de memorizar.
 Estender (séc. XIV) e extensão (séc. XVII) seguem o padrão histórico da sua entrada (díspar) no Português.
 Não tornarei a maçar-me com a douta ciência deste cavalheiro.

Viagem.jpg


Recortes: entrevista de Portal Imprensa; Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (J. P. Machado), 4.ª ed., 1987.

Escrito com Bic Laranja às 13:39
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Sexta-feira, 7 de Novembro de 2014

As «lições» de linguagem do analfabetismo com ar de entendido

 Um acordita comentou-me aqui há dias de ser a reforma ortográfica de 1911 uma aproximação descarada e trapalhona à grafia do castelhano. Presume-se que por razões do iberismo...

 Em tempos tropecei num comentador no «Delito de Opinião» convencido justamente disto (calhando era o mesmo). Essoutro até dava «provas»: os sufixos dos gentílicos portuguez, francez, os topónimos Brazil, Mossambique, o exótico assucar, a respeitável egreja e o revolucionário egual, cuja grafia veio a dar no que temos por reles imitação do castelhano.

 Gonçalves Viana levou a vida, é certo, com a mania de «simplificar» a ortografia e dissolveu dúvidas no latim e no castelhano; já se era iberista não sei. Sucedendo que a reforma ortográfica de 1911 se deu pelas razões de ideologia politica que mudaram a bandeira nacional, devo, porém, sem novidade e com mais razão entendê-la quanto às suas opções lexicográficas como corolário do devir histórico do latim vulgar na Hispânia. Nestes termos cuido forçado crê-la como decalque cego e primário do castelhano, de mais a mais por mero propósito de iberismo político. Colhe antes o argumento algo obsessivo de Gonçalves Viana em esconjurar a ortografia do português do jugo dessa tradição postiça e presunçosa de ortografia helenizada e alatinada (Ortografia Nacional, Lisboa, Viuva Tavares Cardoso, 1904, p. 12). As opções lexicográficas, portanto, nos casos apontados e em geral, fundaram-se na história do idioma, mais nas raízes (orais) do português antigo, e menos no português clássico que do séc. XVI ao séc. XIX buscava o Latim.

 A base para a regularização da ortografia portuguesa tem de ser a história da língua no tempo e no espaço; convém saber, o exame detido e científico dos seus monumentos escritos, desde os primeiros tempos, e o conhecimento metódico dos seus vários dialectos actuais. As línguas estranhas, cujo conhecimento se torna necessário para ficsar, e sobretudo para aplicar essa ortografia, são a latina e a castelhana, estas duas mesmas sómente como aussílio para resolver os casos duvidosos; (Op. cit., p. 7)

A terminação dos gentílicos

 É da tradição portuguesa que os gentílicos português, francês &c. se formam com s final: tradição hispânica e românica decorrente da sufixação oriunda do latim -ensis que nos deu -ense por via erudita e -ês por via popular. O caso não tem dúvida e por conseguinte nem estranho a ausência de gentílicos formados com z final no Corpus do Português Medieval.

 No Corpus do Português, que abrange do séc. XIV ao séc. XX, o primeiro caso que achei é dum certo Jsaque francez, mencionado nos livros da  chancelaria de el-rei D. Duarte. O próprio rei D. Duarte, porém, não deixou de escrever -- quiçá de seu punho -- no Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela: Nem tenho que hũu ingres ou frances se bem corregesse em hũu cavallo de sella gyneta de curtas estrebeiras, se antes em ella nom ouvesse custume d’andar (liv. 3-1, cap. 7, f. 103r); -- Pode o ingrês vir ali com desusado (ou popularucho) rotacismo, mas dúvida me não resta em que o sufixo -ês é o que rege em curtas estribeiras os gentílicos que tiveram o costume de andar em -ensis .

 É mais do que basta para assentar este caso.

Os topónimos Brasil e Moçambique

 O topónimo Brasil é grafado assim, com s, por João de Barros na Primeira Década da Ásia (Liv.º 5.º, cap. II); do Brasil disse com certa razão e, talvez ainda, actualidade: 

 Per o qual nome Sancta cruz foy aquella térra nomeáda os primeiros annos: & a cruz aruorada alguũs durou naquelle lugar. Porem como o demonio per o sinal da cruz perdeo o dominio que tinha sobre nós, mediante a paixã de Christo Jesu consumada nella: tanto que daquella térra começou de vir o páo vermelho chamado brasil, trabalhou que com este nome ficasse na boca do pouo, & que se perdesse o de Sancta cruz.

 Pero de Magalhães de Gândavo escreveu sempre Brasil na sua Historia da Prouincia de Sancta Cruz (1575).

 No Corpus acho Brasil mais de noventa vezes em obras do séc. XVI; a grafia Brazil acho-a por sete vezes e três delas são nas Décadas de Diogo do Couto cuja edição que serve de base ao Corpus é do séc. XVIII, quando sei que foi mais acentuado o hábito de grafar com z o s intervocálico do português. Foi com toda a certeza do falar dos portugueses, que não da sua escrita, que os ingleses tomaram o topónimo e daí escreverem-no Brazil. -- Tivera-o o inglês tomado do falar castelhano e haveriam de o talvez acabar por escrever Brasil com s, pois é «Brassil» que soa em castelhano. O nome Brasil, assim, é bom português (*).

( Abro aqui parêntesis enquanto reflicto sobre o vocábulo português Brasil porque me veio à ideia o zurrar recente daquela cavalgadura de nomeada com alvará de sábio e merecido eco nos areópagos histriónicos de Portugal e Brasil, o ilustre doutor Pimentel:

 Comparar o português com o inglês e o francês e o alemão é como comparar formiga com elefante. São culturas muito diferentes. Essas (i.é, estas) línguas têm muito mais História [...] Eu considero a nossa língua em começo de expansão (in I.L.C. contra o Acordo Ortográfico, 5/XI/2014).

 Este doutor Pimentel é besta tal que, tendo nome de baptismo Hernâni, só conseguiu escrevê-lo Ernani -- se fosse Miguel escreveria Migel... -- Há semanas baralhou-se um tudo nada com os primeiros paços da Aritmética; as boas letras são-lhe ingratas, por isto anda para aí aos tombos com o idioma à procura de que se escreva xuva em vez chuva. Um operário da ignorância voluntarioso e trabalhador, hei-de conceder, mas muito estúpido para perceber que Brasil é uma palavra portuguesa, Braziu não...)

 A razão da grafia Moçambique e não Mossambique soube-a também João de Barros (Liv.º 4.º, cap. III); a transliteração do árabe ao português (que tão ignorada é hoje, importando-se tudo do amaricano) tem regra. E o topónimo Moçambique, dizem vir dum nome próprio Muça Al... qualquer coisa, um mercador muçulmano. Foi a grafia portuguesa, com ç, que deu origem ao equivalente castelhano com z; não foi o castelhano que deu origem ao português.

 Não duvido de que ambos os topónimos nasceram no português como hoje os escrevemos; do português passaram além, adaptados a fonéticas estranhas, menos desvairadas umas, mais bárbaras outras... Dizer, pois, que a recuperação e fixação daquelas formas originais portuguesas em 1911 foi imitação do castelhano é estupidez atrevida e ver o Mundo ao contrário. O tal comentador no Delito, um tal Porto, de tão encarniçado contra a assimilação ao castelhano até podia parecer portuguez de velha cepa. Não. É um acordita: dá palpites filológicos pelo cheiro e redige como pateta. O de há dias por aqui, se não é o mesmo cavalheiro, é igual. São ambos a amostra acabada da ignorância atrevida de todos quantos vejo a defender o caco gráfico.


(*) Já depois do que aqui escrevi consultei de fugida o Dicionário Etimológico de J. P. Machado que entronca o étimo do substantivo comum brasil no it. medieval (séc. XII), referido a uma planta tintureira oriental. O seu uso na Itália dever-se-ia ao ar. wars ou warsīī, algo assim. Conto de ao depois escrever uma apostila a este caso, até porque houve já um brasileiro a querer entroncar este vocábulo no fr. -- Tudo serve à renegação brasileira do português....

(Revisto.)

Escrito com Bic Laranja às 07:46
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