Certa vez, rapazote e patego, vi-me encaminhado para a biblioteca da Gulbenkian para fazer um trabalhinho de grupo — Foi no tempo do Fumaça; o trabalhinho era sobre os Egípcios. — Pois estando por lá, na Gulbenkian, dei em cirandar e num auditório vi que estava um orador magro de olhar vivo, calvo, já velho, mas cuja voz me soava familiar e cuja palestra era sobre cinema; por ela prendia uma plateia atenta e em venerador silêncio. Cheguei-me à porta com pés de veludo e calado, com medo de perturbar ou ser notado, mas apanhado por aquela voz. E quando cheguei a casa tentei explicar à minha mãe quem fora que vira, decerto famoso, talvez da televisão, que me prendera a ouvi-lo, nem sei bem...
— Ah! Se falava de cinema há-de ter sido o António Lopes Ribeiro — foi a minha resposta [i.é, a que recebi].
Pois era. Foi a única vez que o vi ante mim. Olhe que era admirável a atenção daquela plateia e como o seu discurso a cativava.
Não me recordo do Museu do Cinema, porém.
Recordar-me daquelas D.ªs Amélias já não é mau.
(Imagem: António Lopes Ribeiro, Museu do Cinema, in Colorize Media.)
Há certa raça de gente muito competente e capaz a dar o que lhe não pertence. Este primeiro-ministro do Rato é dessa raça, cujos pergaminhos de bom coiro remontam orgulhosamente ao Portugal ultramarino e aos portugueses despejados dele.
(Diario de Notícias, 27/VI/16).
Este ano os jacarandás da Almirante Barroso esperaram pelas tipuanas da Elias Garcia para darem cor ao alcatrão.
Aviões Caravela e Super Constellation da TAP, Aeroporto da Portela, 1965.
Fotografia: Cte. Amado da Cunha, in col. do Sr. Ant.º Fernandes.
A filosofia do que é e não pode deixar de ser decorria, pareceu-me, duma lei da Física que cuidava já extinta pelo mundialismo do Leviatão europeu. Não caí na conta de que operasse a força centrífuga ainda nas nações da Europa. Pois afinal, na vigarice do que é e não pode deixar de ser, os ingleses não autorizaram comerem-lhe as papas na cabeça. É a diferença das nações que regem os seus destinos e as que os dão aos outros para reger. Neste último caso vejo hoje como ontem os escoceses. À nação inglesa resta-lhe orgulhosamente a fibra com que a vimos històricamente reger-se, a si e a outras nações. Não cuidei que a tivesse.
Escoceses e irlandeses têm por sua vez mentalidade de protectorado; preferem suseranos; se mais ricaços melhor. A História demonstra a natureza das nações... Emanciparem-se do Reino Unido para se sujeitarem a Bruxelas como antecipam já na ruína britânica há-de ser uma bela independência!...
Por cá a arenga do Brêxito ressoa ainda agora como em toda a campanha: uma desgraceira sem igual, inculcando no indígena do rectângulo mentalidade de escocês. Claro que o mal do coice inglês à suserania bruxeleiro-kafkiana será só comparável ao bug do ano 2000, que foi terrível. E com isso os nossos me®dia propalam aos sete ventos o papão que aí vem. A prova eram uns pategos da T.S.F. logo de manhã a entrevistarem, apenas e só, os chorosos de cá e de lá, todos escolhidinhos a dedo: uma inglesa com sotaque indiano (há coisas que a rádio não consegue esconder) opinando o mal que se avizinha; uma emigrante em Wrexham arregimentada pelo cônsul (em Manchester?) para catar crimes de ódio que nunca conseguiu provar, mas cujo o referendo é agora a prova irrefutável do racismo inglês.
É mais ou menos isto...
————
Imagem: Thomas Creswick, Uma vista do castelo de Windsor. Óleo s/ tela. Colecção particular. In Viático da Vagamundo.
Há uma máxima da Filosofia que define o carácter necessário das coisas como sendo aquilo que é, e não pode deixar de ser.
Isto do Brêxito, hoje, está a ser um êxito; corre como (cá está!) necessário. O desfecho será (sempre foi) aquele que vai ser e não poderia deixar de ser: na Europa está-se, não se sai. Pode não querer-se ser; pode tentar-se não ser; pode debater-se se é-se ou não é-se e até-se o pode referendar-se. Atesta tudo isso como é boa, livre e democrática a Europa.
Mas pertencer à Europa é e não pode deixar de ser.
Do carácter necessário do Brêxito que se leva hoje a cabo na Inglaterra já se viram os indícios em toda a imprensa como um cântico do Bem contra o Mal: o mundo radioso de ser-se, contra as trevas de sair-se; a virtude da nova raça pegada, contra o racismo; a tolerância, contra o fascismo... E toda aquela 5.ª coluna de brexitianos de nomeada a bandearem-se com os bremainianos depois de (aleluia!) verem a luz? — O que reluz pode sempre, afinal, ser realmente ouro...
Pois bem! O último indício do Brêxito estar a ir bem pelo arranjo do tal fado com carácter necessário foi a notícia ao almoço, juntamente com uma sondagem de 52-48, de se conceder igual à Suécia e até uma coisa do género à Turquia. A afoiteza do anúncio prova-me o que já me cheirava: a confiança dos mundialistas da Europa necessária, que é e não pode deixar de ser, no seu método de desfecho democrático único. No fundo, é como dizia o Henry Ford a quem comprava o seu modelo T: pode escolher a cor que quiser desde que seja preto. Ou como dizia uma outra na eleição das costureiras da Canção de Lisboa:
— Vamos embora Ernestina que isto é tudo uma grande vigarice.
Num anúncio da Chicco na telefonia oiço — Sou o Francisco e quando vou passear a minha filha.... e lembra-me de aqui há tempo umas notícias na TV dum jovem cão para adoptar e de mais outros cães para famílias de acolhimento por lhe haver ardido o canil.
Sendo certo que a linguagem é reflexo irreflexo das mentes simples, aquilo de o Francisco da Chicco dizer vou passear a filha como se dissesse vou passear o cão, ou isto de jovem cão para adoptar mai-lo canil todo como para perfilho em famílias de acolhimento é toda uma mentalidade que se espelha. E que se espalha... Ao comprido.
Quem tem filhos passeia com eles, como gente, não os passeia como aos cães. Isto é o que me parece. Mas calhando já não...
No meu livro da segunda classe o Verão era representado por uma seara. No Guglo, hoje, são calhaus com olhos.
Não sei se é empreendorismo, se inovação.
Só ouvi o pregão matinal da reportagem, para ouvir depois às não sei quantas da tarde... Andava o jornalismo moralão ontem a pegar com a servidão nos campos colado a uma investida da A.S.A.E., dos serviços de imigração e da Guarda Republicana na apanha do morango, em Almeirim. Jornalismo de aviário, este, que ferra lavradores como malandrões (mas curiosamente cego a desfalques descarados de banqueiros de primeira apanha), que subcontratam nepaleses ou o que apareça porque se não acha simplesmente aí gente que se possa contratar; nem já ciganos, porque com a instituição de subsídios do governo à indigência e das casas de «habitaçã' sociáli» à custa da câmara, trabalhar na apanha do morango ou trabalhar sequer, é só prejuízo. Além de ser uma canseira. — Quem diz ali ciganos, diz qualquer indigente fomentado a subsídio pelo governo.
É, pois, jornalismo de aviário, por repórteres de subúrbio Falar-lhes nos ratinhos que iam da Beira às ceifas no Alentejo, em trabalho agrícola sazonal ou à jorna há-de ser escusado. Explicar-lhes o que pode ser um acampamento não sendo para passar dia e meio no festival do Sudoeste será inglório; não admira condenarem, os jornalistas moralões de subúrbio, como sacrilégio atroz «uma casa sem janelas» e denunciarem uma latrina «com o céu como tecto» como condições infra-humanas para os jornaleiros da apanha do morango. Chegam a ser espirituosos, não obstante; não fôra a ironia: um jornaleiro daqueles tem mais mais préstimo que um jornalista. E não só. A prova foi que indo a A.S.A.E [inspecção das condições de trabalho, digo], os serviços de imigração, a Guarda Republicana, mai-los ditos jornalistas, tanta gente formidável numa batida aos jornaleiros da apanha do morango, e deixaram ainda assim fugir quatro deles. Há, por conseguinte, os que apanham e fogem de ser apanhados, os que não apanham nem deixam apanhar e uns espirituososos duma moral qualquer de morangos com açúcar.
Trabalho rural, Portugal, 196...
Artur Pastor, in archivo photographico da C.M.L.
(Revisto.)
Logo quando o vi em ministro lhe medi a pinta. Este «meu» tinha mesmo, mesmo o arzinho daqueles cromos do liceu que comiam calduços a torto e a direito de toda a gente, até das tipas, porque sempre que abriam a bocarra só saía asneira. Prova-se.
Portugal é bom para fazer investimentos porque «os portugueses são os que mais horas trabalham na Europa», além de serem muito baratos quando comparados com os franceses, por exemplo, disse ontem o ministro das Finanças a uma plateia de gestores, em Lisboa (Luís Reis Ribeiro, «Centeno: portugueses trabalham muito e são baratos», in Diário de Notícias, 16/VI/16).
A propósito da Av. dos E.U.A. veio a montanha da leitora Zazie (na verdade a Quinta da Bella Vista). A seu propósito veio a falar-se no areeiro que deu nome ao… Areeiro. E a propósito dele veio que há um episódio do pintor Carlos Reis de quando ele habitou a Quinta dos Lagares d' El-Rei, contado pelo neto Pedro Carlos Reis no livro que dedica ao avô.
Carlos Reis tinha fortes laços de amizade com a família Guilman, proprietária da fábrica de loiça de Sacavém, de onde tinha saído a bela loiça colorida que usava em sua casa, que muito apreciava e sobre a qual escreve do Areeiro (Quinta dos Lagares d' El-Rei), a 2 de Abril de 1928, uma carta a Senhora D.ª Hermengarda, que a seguir transcrevemos, como testemunho do seu espírito:
« Minha Exma. e Boa Senhora
Agora é que é certo! Mas se não fosse a conversa que tivemos o outro dia e a circunstância de andar há mais dum ano a comer a sopa numa azeitoneira e a marmelada num pedacito de prato sopeiro, não seria ainda hoje, que eu lhe enviaria a lista da loiça escaqueirada pelo desalmado pessoal, acompanhada dum fragmento que vai para amostra.
Os vexames que eu tenho feito passar às minhas pequenas (filhas Leonor e Maria Luísa), convidando pessoas de cerimónia a jantarem em nossa casa, sem me lembrar de que não há loiça, já não têm conto! Disfarço então a minha penúria, dando ao jantar o carácter duma patuscada num acampamento de nómadas do deserto d'Arábia, justificando, assim, a razão de comermos todos na mesma panela o caldo verde, ou o arroz de bacalhau e, a fim de não repararem na solitária azeitoneira, aponto-lhes o Areeiro e digo: "Além é o deserto! Areia e mais areia! Por isso se chama areeiro..." Mas ontem, um dos convidados, malicioso poeta, satírico, piadista das arábias, olhou de soslaio para a mesa e largou-me esta termenda piada:"... Mas não fica muito perto
Um pouquinho mais além
Neste famoso deserto
... A loiça de Sacavém?!!!Foi uma bomba!!!
De noite, não conciliei o sono e desde a madrugada que penso em lhe escrever, para acabar de vez com tais piadas, implorando à boa senhora D.ª Hermengarda todo o seu caridoso interesse a favor dos condignos recipientes donde possamos comer civilizadamente o nosso bacalhau e o querido caldo verde da minha alma!!
E.R.M.
Carlos Reis»(Pedro Carlos Reis, Carlos Reis, [Lisboa], A.C.D. Edições, 2006, p. 264.)
O areeiro era (ainda é) a tal montanha.
Panorâmica do Areeiro tirada da Quinta dos Lagares d' El-Rei, Lisboa, 1947.
Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
Panoramica do B.º do Campo Grande é a legenda d' esta photographia, não sei se do photographo se do archivista. O photographo foi Eduardo Portugal, a data attribuida é 1945. Como panoramica mostra pouco. Do dicto bairro mostra nada.
Conjectura:
Do arco descripto pela linha do electrico, em confluencia com a berma da estrada, dou em suppor que a linha é a que vem da Av. da Republica e entra na rua oriental do Campo Grande em encontro com a Rua d' Entre Campos; justamente onde desembócca hoje a Av. dos Estados Unidos da America. O muro que se acha demolido seria da Quinta da Fabrica ou da Quinta do Metello, uma d'ellas. O que foi demolido acha-se por ventura na photographia em baixo.
Photographias: Panoramica do B.º do Campo Grande, Eduardo Portugal, 1945 e Monumento aos heroes da Guerra Peninsular, Judah Benoliel, post 1933, ambas no archivo photographico da C.M.L.
Vista do Campo Grande em direcção ao Areeiro. O Areeiro é lá ao longe onde se o Casal Vistoso avista, inconfundivel, contra o horizonte. — Não disse já cá que o nome Vistoso era porque se aquelle casal via de toda a parte? — Ha-de o benevolo leitor identificá-lo mesmo no centro da photographia, em na ampliando…
Vista do Campo Grande, 170-182 em direcção ao Areeiro, Lisboa, 1946 1930.
Eduardo Portugal, in Archivo Photographico da C.M.L.
Publicado originalmente em 7/IV/14 ás cinco para a uma da tarde. Legendado com rev. da imagem e respectiva data no dia de Portugal de 2016.
Esta palhaçada do futebol é bem o jornalismo — tão democrático que ele é — a educar o povo. Esta manhã estavam a dar o autocarro dos matraquilhos da Central de Cervejas caminho do aeroporto — uma grandessíssima noticia!... Um alto momento de televisão chouriceiro que vi agora há pedaço foi a espera dos adeptos ao fabuloso autocarro na Portela do Humberto Delgado. Uma não notícia linguiça enfardada e enfiada pelo bucho da gente como tanto chouriço me(r)diático. A imagem diz tudo: o fatal emplastro, dois mouros com camisolas do Madrid mandados ali a fazer publicidade descarada a uma companhia aérea da Arábia Feliz, um ou dois empregados da F.P.F. a fazer número e dois agentes do S.I.S. de óculos escuros por disfarce, não fosse algum terrorista estúpido ou inábil tresmalhar-se nesta cena. Complete-se o ramalhete com Abrunhosa requentado e sirva-se-o assim à nação ao povo, que ele é sereno.
Jornal das 7, S.I.C.-N., 9/VI/16.
Os matraquilhos da Central de Cervejas, do banco mau vestido de novo e do gajo fedorento estão aviar 7 a uns solteiros-e-casados das traseiras da Europa. Vão encher-se de basófia, devidamente amplificada pela imprensa pelos bajuladores de serviço e, quando agora jogarem na Europa, a autêntica, sempre quero ver se os não vejo começar a tornar de lá logo à primeira jornada.
Selecções de Portugal e Espanha, Estádio [outrora] Nacional , 1947.
Amadeu Ferrari, in archivo photographico da C.M.L.
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