A metáfora do avião cheio de crianças é uma bola de neve. É uma avalancha.
É um plágio dos antigos — coisa requentada lá de fora, vendida neste umbigo rectangular como se fora original. O texto — injusto e descortês para a aeronáutica civil — é afinal a parte mais... criativa: «todos os anos cai um avião cheio de crianças em Portugal»; interessante é a elipse em «todos os anos a velocidade nas estradas vitima um avião cheio de crianças», que se presta a nexos de causalidade absurdos:
— Então a velocidade vitima um avião? Que é lá isso?! O que vitima, ou melhor, o que faz cair um avião é o oposto: a falta de velocidade. Entre outras coisas...
Ou leituras mais ou menos gramaticais:
— Um sujeito veloz na estrada tem como predicado vitimar de tanto acelerar acaba voando e... choca com um objecto directo do voo - um avião - vitimando-o. Para piorar, é um avião com um complemento circunstancial intensamente povoado de crianças.
Ora aí tendes o mais importante: um complemento circunstancial (va bene, leia-se crianças). Mas apesar da intensidade (avião cheio), a tragédia agrava-se com o outro complemento: o de tempo — «todos os anos...»
Esta avalancha criativa dos publicitários ultrapassa em alta velocidade a P.R.P., capaz só de campanhas a 10 à hora, do tipo «se conduzir não beba» ou «comigo a criança vai sempre atrás». O custo de produção desta original campanha foi vertiginoso: atingiu meio milhão à eura — já com I.V.A. e avião incluídos. Coisa assim, só possível a esse Fórmula 1 cheio de energia que é Galp. Eis a anti-sinistralidade rodoviária à grande vitesse — que é o mesmo que à grande e à francesa — e que é coisa bonita de ver a uma empresa pública... Perdão! É uma S.A.
Não quis o sr. ministro Costa do interior ficar atrás e toca de acelerar a 1 milhão à eura com o Fundo de Garantia Automóvel no grande prémio da divulgação. Pública. Na comunicação social: pública e privada. E... (qual pescadinha de rabo na boca) nos 800 postos da Galp!
Se bem que os aceleras hajam de continuar só a ouvir os subwoofers da estereofonia do carro, as crianças que andam de avião hão-de ficar mais felizes.
E as que os pais tenham empresas que facturem a divulgação da campanha ao sr. ministro Costa do interior também.
Ora aí tendes o mais importante: complementos circunstanciais.
O mais triste é que face ao que se adivinha já sobre aviões e segurança, as pobres crianças — seja na pele delas ou na pele de adultos — nem uma garrafa de ¼ de litro de água haverão de poder levar na cabina: pode ser explosiva. Uma ironia para os mais de 60% de água que o corpo humano é.
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