Eram uns poucos de catraios entre os 7 e os 12. Desceram a rua para a quinta dos Embrechados; o puto de 5 anos foi atrás.
— Ó Filipe, olha! O teu irmão vem atrás de nós — disse o Ramona.
— Corram! Vamos fugir dele — respondeu o irmão do puto.
O puto viu-os a correr pela quinta na direcção do campinho. Quando lá chegou não os viu ali. Ah, mas lá iam eles no carreiro para a linha do comboio, ao fundo do vale.
Já na linha viram-no vir. — Ó pá, o puto vem ali!
Uns cem metros mais atrás o puto corricava nas travessas da linha.
— Gaita! Tenho que levá-lo para casa. Temos que voltar — disse o irmão.
— Volta tu com ele. Nós continuamos — respondeu o Gordo.
— Deixa lá o teu irmão vir connosco — interrompeu o Rui — eu tomo conta dele.
— Está bem! O meu irmão pode vir — aceitou o Filipe não querendo desistir da aventura.
Prosseguiram pela linha férrea. Via-se dali a estrada de Chelas, algumas quintas e o cemitério do Alto de S. João; o puto seguia todo contente na aventura. Quando passaram mais uma ponte, depois duma curva o Armando avisou:
— Olha o túnel da bruxa!
Greve dos ferroviários. Descarrilamento de comboio à saída do túnel de Xabregas, Lisboa, 1914.
Foto atribuída a Joshua Benoliel, in colecção de Ferreira da Cunha oferecida pela Sojornal, Sociedade Jornalística e Editorial, S.A., ao Arquivo Fotográfico da C.M.L.
À entrada do túnel o escuro travou-os. Não se via a luz ao fundo: o túnel parecia não ter fim. Todos olharam e só viam a negra escuridão.
— Lá dentro, quando passa o comboio, a gente tem que se deitar no chão mesmo encostadinhos à parede, senão o comboio apanha-nos — dizia gravemente o Rui ao puto.
O Gordo lançou um desafio:
— Vamos lá dentro ver o buraco da bruxa?
Referia-se a um nicho de abrigo no interior do túnel.
— E se vem o comboio? O puto é pequeno, tem medo — contestou o Rui.
— É perigoso, com os putos — insistiu o Filipe referindo-se também ao Armando, o irmão do Rui.
— Eu já lá fui dentro e estive no buraco da bruxa. É muito grande e não tem fundo — explicava o Rui ao puto.
— Eu também já lá fui — informou o Luís Valentão.
— Não foste nada! — retorquiu o Gordo. — Tens a mania que és valentão!...
O puto não tinha vontade de entrar no túnel, nem percebia bem o que era o buraco da bruxa.
Então o Gordo atirou uma pedra lá para dentro e gritou, que era para ouvir o eco. Os outros imitaram-no numa berraria infernal.
Ficaram um bocado a ver se passava algum comboio, sem se decidirem a entrar mais que uns metros no túnel da bruxa.
Depois o Luís Valentão disse:
— Vamos embora! Se chego tarde para lanchar a minha mãe dá-me uma tareia.
Daqueles todos, só o puto veio a passar o túnel da bruxa, mas foram passados uns 10 anos.
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