A Rua da Palma é... era - vendo aqui do lado oposto ao do Tio Zé Lapa - à esquerda da igreja do Socorro, por onde se vêem os eléctricos. À direita da igreja havia o largo do Socorro e daí partiam acompanhando a direcção da Rua da Palma, a Rua das Atafonas e a Rua do Socorro. Ainda me lembro de perceber os contornos vagos destas ruas, com umas casas muito velhinhas e feias a poente, que eu lá via desde a Rua da Palma em passando no 17 para Belém, para a praia da Trafaria. Nessa altura eu confundia a Rua da Palma com o Largo do Martim Moniz, mesmo apesar das explicações da minha mãe. Mas aquele desenho das ruas das Atafonas e do Socorro, eu percebia-lhe uma outra identidade.
As demolições da Mouraria começaram em 48 (*), salvo erro. Lá mais ao fundo da Rua da Palma vemos daqui uma parte já demolida; perto donde era o arco do Marquês do Alegrete. Todo [Salvo a igrejinha da Senhora da Saúde] todo o quarteirão nascente, que ali vemos meio encoberto pela árvore, mais a igreja do Socorro e mais as casas adjacentes, veio tudo abaixo. Da compensação do Estado ao patriarcado pela demolição daquela igreja do Socorro edificou-se a igreja de São João de Deus na freguesia desse nome na cidade de Lisboa.
Estaleiro de demolição da Igreja do Socorro, Lisboa, 1949.
Fotografia de Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Aí mais em baixo está retratado o Largo do Socorro e os quarteirões entre a Rua da Palma e a do Socorro num dia tristonho e sendo a igreja do Socorro já demolida. Sabendo o que foi, dá-me a maior tristeza ver o enxerto pseudo-paisagístico dos anos 90 que é o Martim Moniz actual. Hoje aquele pedaço de Lisboa castiça é terra queimada e deitada de novo aos mouros.
Largo do Socorro, Lisboa, c. 1950.
Judah Benoliel in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Nota: a quem se interessar pelo tema há uma exposição no Arquivo Fotográfico da C.M.L. até 21/11/2006, com entrada livre. Se não puder ver, cf. os três primeiros capítulos do 1º volume da Lisboa Desaparecida de Marina Tavares Dias (Quimera, 1988).
(*) O plano do arq. Faria da Costa foi apresentado em 48, as demolições já estavam em curso pelo menos desde 39.
Av. Almirante Reis junto ao cruzamento com a Rua dos Anjos, vendo-se o antigo Cinema Lys, Lisboa, 1938.
Do nosso tempo é a grande artéria de Almirante Reis, que sucedeu na designação, como tenho dito, à Avenida de D. Amélia: tem 40 anos incompletos. É uma linha urbana de primeira categoria, sem história, que começou a rasgar-se tìmidamente no final do século passado. Obedeceu a um plano, e por esta circunstância oferece o esplendoroso aspecto citadino que se lhe nota.
Assim fôsse sempre em Lisboa.Norberto de Araújo, Peregrinações em Lisboa, vol. IV, 2ª ed., Lisboa, Vega. 1992, p. 73.
Av. Almirante Reis no entroncamento com a Rua Maria Andrade, Lisboa, 1938.
Estas fotografias de Eduardo Portugal dão ideia certa da Almirante Reis na época das Peregrinações de Norberto de Araújo em Lisboa (1.ª ed. 1939). Era plantada de ulmeiros, rasgando uma nova serventia de Lisboa para N desde o cimo da Rua da Palma até ao Hospital de Arroios. À Av. Almirante Reis e aos bairros adjacentes, de sempre faltou a finura das Avenidas Novas. Todavia encheu-se veloz de prédios de rendimento, povoando-se de gente e comércio. Em 39 ainda não havia autocarros em Lisboa mas a Almirante Reis era servida de muita carreira de carros eléctricos (1). Noto a curiosidade de os da carreira do Arco do Cego seguirem naquele tempo pela Rua dos Anjos; só os conheci circulando pela de Febo Moniz, ao Bairro das Colónias; hoje em dia, nem numa nem noutra!
Outra curiosidade que podeis ver abaixo é o carro eléctrico adiante da camioneta que parece não chegar para a encomenda.
A Rua dos Anjos, partindo do Largo do Intendente e entroncando na Rua de Arroios no lugar de Santa Bárbara, corresponde a um velho caminho que levava ao Areeiro: do largo de Arroios até ao Areeiro era a estrada de Sacavém; mais tarde chamaram-lhe Rua Alves Torgo. Os troços inicial e final desta rua ainda existem. Com a Av. Almirante Reis a Rua dos Anjos e todo o velho caminho que se lhe seguia perderam importância.
Entretanto a Av. Almirante Reis perdeu graça e desafogo.
Av. Almirante Reis [cruzamento com a Rua dos Anjos], Lisboa. [c. 1943].
(1) Segundo Raul Proença (Guia de Portugal, vol. 1, Lisboa e Arredores, Lisboa, B.N.,1924, pp. 164, 165), a Av. Almirante Reis era servida nos anos vinte pelas carreiras de carros eléctricos Belém-Av. Almirante Reis, Alcântara-Alto do Pina (troço final pela Rua Morais Soares), Rossio-Areeiro (troço final depois de Arroios pela Rua José Falcão e Estrada de Sacavém ou Rua Alves Torgo) e Santo Amaro-Arco do Cego (depois dos Anjos pelas ruas dos Anjos, de Passos Manuel, de Pascoal de Melo e de D. Estefânia).
Fotografias: Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Trânsito já é mais estar parado num engarrafamento que sinónimo de gentes em marcha. Daí, talvez o recurso ao vocábulo mobilidade como atributo duma semana para brincar à liberdade de movimento da gente urbana.
Um contra-senso é haver na dita semana da brincadeira um dia sem carros. Ora não é o automóvel (logo por definição) um dos meios que dá maior mobilidade? Ele acrescenta aos humanos velocidade sem esforço; estende-lhes o alcance sem os cansar; leva-os de porta-a-porta (nalguns casos quase à sala de jantar) com maior comodidade e sem mistura com estranhos. Torna-se pois acintoso, numa semana crismada da mobilidade, impedir às gentes o trânsito em automóvel, esse insofismável paradigma da mobilidade, na Rua de S. Sebastião, por exemplo, permitindo aí, porém, o trânsito em veículos de inferior potencial de mobilidade (trotinetas, burricos e humanos... a pé). No limite, hoje, dia europeu sem carros, até um carro de bois (que não deixa de ser um carro, pois então) poderia descer a Rua de S. Sebastião. Um automóvel é que não.
Toda esta palermice (a da iniciativa, não a que escrevo) demonstra bem o empenho em fazer das gentes imbecis com pantomimas de parecer bem (leia politicamente correctas, se preferir).
Outra palermice (a que escrevo) não passa de fraca ironia. A mobilidade (ou a falta dela) é tão só um sintoma de avidez, preguiça e estupidez. A doença do dia europeu sem carros é a ganância imoral dos edis; é o desmando do imobiliário; é o enxotar cidadãos para os arrabaldes; é a preguiça de planear a cidade; é enfim, a falta de tino para sequer pensar que as pessoas não deviam morar longe do trabalho. Coibir o uso do carro particular nem chega a ser paliativo; nas actuais circunstâncias é no mínimo fazer pouco da gente.
Parque Florestal do Monsanto, assinatura do projecto [com o presidente Carmona e o engº Duarte Pacheco], 1938.
Fotografia de Mário de Novaes, in Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa.
Mas vendo este desmazelo, o melhor é esquecer. Este assunto é perda de tempo.
Piloto e navegadora tomaram o caminho às oito, em carro próspero. Experiente no ofício a navegadora atirou:
— Ás nove e meia acorda-me.
Sabia o que fazia. Ia Pretendia avisar a produtividade que havia um atraso no progresso; que Lisboa e arredores eram um imenso parque de estacionamento.
Na restante metade do caminho a prosperidade de todos ainda reteve o progresso mais uma hora e meia.
Descubra as diferenças...
[E a fotomontagem, se tiver paciência.]
Três Ursos, Praia da Rocha, c. 1974.
Edições FISA, Barcelona.
Fado do Estudante (Fado do Vasquinho) Que negra sina ver-me assim Que sorte vil, degradante Ai que saudade eu sinto em mim Do meu viver de estudante Nesse fugaz tempo de amor Que do rapaz é o melhor Era um audaz conquistador das raparigas, De capa ao ar, cabeça ao léu Só para amar vivia eu... sem me ralar E tudo mais eram cantigas Nenhuma delas me prendeu Deixá-las eu era canja! Até ao dia em que apareceu Essa traidora da franja Sempre a tinir Sem um tostão Batina a abrir, por um rasgão Botas a rir, um bengalão E ar descarado A vadiar com outros mais Ia dançar pros arraiais... P'ra namorar, beber, folgar, cantar o fado! Recordo agora com saudade Os calhamaços que eu lia, Os professores, a faculdade E a mesa de Anatomia Envolto em mim Recordações que não têm fim Dessas lições, frente ao jardim Do velho Campo de Santana Aulas que eu dava E se eu estudasse Onde ainda estava, nessa classe... A que eu faltava 7 dias por semana! O fado é toda a minha fé Embala e canta e inebria Pois chega a ser bonito até Na radiotelefonia Quando é tocado com calor Bem atirado e a rigor É belo o fado Ninguém há que lhe resista, É a canção mais popular Tem emoção faz-nos vibrar... Eis a razão de ser doutor e ser fadista. Vasco Santana In A Canção de Lisboa de Cottinelli Telmo (1933) |
Os humanos agem muito por mimetismo: fazem tudo da mesma maneira, nos mesmos sítios e na mesma altura. Só deixam de o fazer para o continuarem fazendo: todos juntos, no tempo e no modo da moda seguinte.
Adiante.
Regalámo-nos ontem na praia do Creiro, no Portinho da Arrábida. Haver poucos humanos devolve beleza a certos lugares: do majestoso anfiteatro da serra descia ontem uma silenciosa calma sobre o palco azul forte, sem rebentação. A praia estava em sossego e o incerto ritmo da brisa, vazio de vozes, enchia-se dum apetitoso aroma a peixinho na brasa...
É engraçado ver os efeitos desta sorte de coisas na psique (psicose) da gente: o mar convidou a longas braçadas e nunca se lhe sentiu o frio; o jantar foi o que se adivinha.
Vista do Creiro
Serigrafia de Rogério Chora
Tinha eu em pequeno o hábito de dizer 'atão' em vez de 'então'. A vizinha Vicência que era do Alentejo e não sabia as letras dizia 'antão'. Julgo que achava a minha mãe que a vizinha Vicência teria mais razão, pois corrigia-me assim quando eu dizia mal:
Antão era pastor
E guardava gado
Tinha uma nódoa no corpo
De se encostar ao cajado.
Portugal: homens do campo, [Campo Grande - Lisboa], c. 1890-1910.
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
A mercearia da esquina era dum galego meio antipático. A minha mãe não me mandava lá comprar nada mas as dos meus amigos às vezes mandavam. Entrasse eu com eles na mercearia só a acompanhar, lá vinha a pergunta do galego:
— E o minino qué quer?
— Nada. Vim só com ele.
— Entom vai lá para fora!
Certo dia mijaram-lhe nas hortaliças. Diz que foi um cão...
Postal: edição de António Passaporte.
O autocarro 7 ou provavelmente o 7A no tempo em que os motoristas da Carris usavam chapéu.
Paragem de Autocarros, Lisboa - Calçada de Carriche, 1961.
Foto de Arnaldo Madureira in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Quando a Carris me tratava como utente em vez de cliente... Como entrava e saía dos autocarros e passava da origem ao destino, nunca lá ficando, acho que era mero passageiro. Talvez por isso eu tinha um Passo e não um cartão de utente.
Mas o futuro já não se organiza por módulos: ele trará um cartão-cliente com créditos (leia-se consumo mínimo) para múltiplo transbordo e a senha poderá até vir a ser uma palavra-passe.
[Esta implementação tão virada para o cliente cheira-me a copianço oriundo de escolas de negócios.]
Eu tirava negócios:
«O problema está no facto de as escolas de negócios serem vistas como parte de um negócio.»
Não! Eu tirava escolas. É aviltante abuso chamar escolas a instituições onde se ensina uma espécie de ciência cujo método é o copianço - literalmente e em múltiplos sentidos - de casos em que, as melhores práticas de ganância e de rapacidade selvagem se justificam por mais-valias escandalosas.
Correio da A.E.S.E., nº 439, 15-6-2006.
Rui Veloso - Sayago Blues
Carlos Tê / Rui Veloso
|
— Mas ainda há pescadores no Douro?
— Há pois!...
Mais Sayago Blues?
De vez em quando o supermercado global das notícias menciona o rectângulo.
Andam hoje os pregoeiros ufanando-se com a facilidade (segundo o Banco Mundial) de se criar empresas em Portugal. Isto é dito como sendo bom (e não digo que seja mau). Mas esta é uma certa noção das coisas que nos vai doutrinando: nas empresas, seja por uso amorfo do anglicismo, seja por assimilação das pessoas a meios de produção (lembra-vos o esclavagismo?), o pessoal já tão só é recursos humanos (pessoas objecto... de estudo duma certa espécie de ciência).
Sucede assim que já ninguém pronuncia valor(es); ele há tão só mais-valias. E como parece - tudo o indica - que traz maior mais-valia parir uma empresa que parir uma criança, as pessoas manifestam desagrado...
Manifestação de desagrado ao Ministro do Interior, António José de Almeida, Lisboa - Calçada do Duque, 1911.
Foto: Arquivo Fotográfico da C.M.L..
De ir nascer na... longe.
Revisto às 4h22, às 6h52 da tarde e às 9h00 da noute. E chega.
... locomotivas a vapor ao abandono e uma grua de água, seca. O Verão em Portugal.
Locomotivas a Vapor, Régua, 1983.
Foto (adaptada): cortesia de Phill Trotter.
Tenho cá na ideia que o freguês aí em cima é um clone dos glutões do Presto.
Hoje, livro-me de maiores comentários. O presidente Loubet ficaria — sim senhor — de boca aberta.
Visita do presidente da República Francesa, Émile Loubet. D. Carlos, D. Luís Filipe e o infante D. Afonso à saída do palácio da Vila, Sintra, 1905.
Fotografia de António de Novaes.
(LISBOA. Câmara Municipal. Arquivo Fotográfico, António Novaes: 1903-1911, Assírio & Alvim, [Lisboa], 1996, nº 12.)
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