Esta manhã ouvi uma notícia meia disparatada na telefonia: a Av. Frei Miguel Contreiras em Lisboa tinha que mudar de nome porque (segundo alguns investigadores) aquele frade nunca existiu. Investigadores falam em fraude histórica...
Não me quero adensar muito na matéria historiográfica, mas o caso merece alguns comentários: 1) a tese que nega a existência de frei Miguel baseia-se na ausência de documentos coevos sobre ele; não sei se os há se não, mas mesmo não os havendo convém frisar que por si só a ausência de prova não é prova de ausência; 2) exagerar uma dúvida quanto ao maior ou menor relevo histórico do confessor da rainha D. Leonor como instituidor da Misericórdia de Lisboa, ao ponto de negar em absoluto que ele haja existido, é perfeitamente descabido; 3) rescrever a História tem pouca novidade, mas fazê-lo fundado em dúvidas a tal ponto de ditar tão disparatadamente o imperativo de apagar um topónimo é tão extraordinário que nem o sei qualificar; 4) por último a notícia do D.N. dá voz a uma historiadora que diz que o caso «é o testemunho da ignorância dos políticos sobre os conhecimentos que a investigação histórica produz»; como o topónimo foi dado em 1954 e os conhecimentos que a historiadora refere parecem recentes, deduzo que chamar ignorantes aos políticos agora tenha só em vista levá-los (aos de agora) a mudar rapidamente o topónimo, antes que a carapuça se lhes enfie; assim, a fazer figura de ignorante fica afinal só um jornalista papagaio que dá a autoria da obra O Carmo e a Trindade, não a Gustavo Matos Sequeira como é devido, mas a um tal Gustavo Matos Ferreira que — este sim — provavelmente nunca existiu.
Av. Frei Miguel Contreiras, Lisboa, 195...
António Passaporte, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Em todo o Algarve a mulher é a prenda da casa. Trá-la muito bem tratada, muito bem fechada, restos da vida moura. A de Olhão, trigueira, de olhos negros e um lindo sorriso reservado passa pela mais bela da província, pela vivacidade e pela fartura do cabelo. Já em S. Brás de Alportel, ali perto, as cabeças têm reflexos doirados e os peitos são desenvolvidos. Sentadas mas esteiras sobre os calcanhares, nas casas forradas de junco ou de palma, fabricam as alcofas, a golpelha em que se transporta a alfarroba e o figo e as alcofinhas mais pequenas, chamadas alcoviteiras. Ainda há pouco tempo usavam cloques e bioco. O capote, muito amplo e atirado com elegância sobre a cabeça, tornava-as impenetráveis.
Raul Brandão, Algarve, Alma Azul, Coimbra/Alcains, 2008, pp. 12, 13.
(Capa: Alma Azul com Amendoeira em flor de Vicente van Gogh)
Praça do Areeiro, Lisboa, 1958.
Fotografias: Armando Serôdio, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Há por aí agora um reclamo para ir à bola de transportes públicos. Dantes não lembraria a ninguém campanhas destas...
Lembro-me de em cachopo ir à bola com o meu pai e irmos no Metro. Como os jogos a que o meu pai me levava eram por regra no estádio de Alvalade, fazia sentido apanharmos o Metro para, precisamente, Alvalade. Mas depois o estádio não estava no sítio certo. - Pois se o estádio era de Alvalade porque o haviam posto... no fundo do Campo Grande?!...
Hoje é pior: chamam-lhe estádio quando na verdade não passa dum campo de futebol...
Campo do Sporting Club de Portugal, Campo Grande, 1939.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
— Está lá?
— Está. Bom dia! Eu chamo-me Cláudia [não sei quê] da Euroexpansão e estou a ligar-lhe para uma sondagem...
— Quem lhe deu este número?
— Ninguém...
— Ninguém?!...
— Ninguém.
— Nesse caso a senhora não me telefonou. Este telefonema não existe.
— ... Sim senhor, desculpe. Com licença.
— Duma vez apareceu aqui um figurão do Cercal que tinha fama de grande caçador. Trazia espingarda, mas dizia ele que era por causa dos maus encontros. A desculpa era ver se comprava uma porção de aveia, porque não a havia lá nos sítios, e a que recolhera não chegava para os gastos da casa. Eu sabia que ele vinha de propósito para me dar um bigode às perdizes, mas disfarcei como quem não quer a coisa, e perguntei-lhe se lá pelo Cercal havia muita caça. Vai ele diz que coelhos havia muitos, mas relativo a perdizes era uma cítula aparecer uma. Os caçadores do Cercal, para verem perdizes, têm que ir até perto de Sines ou Vila Nova de Mil Fontes... Na minha opinião é a caça mais bonita que há.
«Disse-lhe que por aqui há muita perdiz, e que se ele quisesse iríamos dar uma volta, depois de almoço, por onde elas estão mais crençudas, não precisando andar muito para as vermos às dúzias.
«Abalámos de casa, engolido o bocado, e quando chegámos àquele matinho ralo da lagoa da Ordem, muito farto de caça, eu disse ao sujeito: “— O chumbo fez-se para os pardais; às perdizes não se atira senão bala.”
«O homem embezerrou, mas disse que sim, e tratou de meter balas na espingarda, uma rica espingarda de dois canos, que lhe tinha custado cinquenta e tantas libras em Lisboa.
«Larguei-lhe então esta: “— Como o amigo é caçador afamado, fica justo que só atiramos à cabeça das perdizes.”
«Ia-lhe dando uma coisa; mas das tripas fez coração e disse que sim, resmungando entre dentes: “— Veremos quantas derrubas.”
«Por volta do sol-posto, quando demos a caçada por concluída, eu tinha dezoito perdizes na mochila, todas sem cabeça, e ele trazia um rico ánaco à cinta. Não quis jantar, o raio do homem, e abalou, note fechada, a caminho do Cercal, levando seis perdizes que eu lhe meti na mochila, sem ele dar por isso.Brito Camacho, Quadros Alentejanos, 2ª ed., Bonecos Rebeldes, Lisboa, 2009, p. 27, 28.
(Capa: Fernando Martins, in Aspirina B)
Muito aveludado, por sinal.
Whitesnake - Is This love
Londres, 2004
Panorâmica de Lisboa, 1890-1945.
José Artur Leitão Bárcia, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
O título vago que o arquivista deu a esta imagem é exactamente isso: vago. Com um pouco mais de poesia e partindo do âmbito cronológico conhecido (1890-1945) poderia titulá-la Hortas de Lisboa.
— Bem! A Lisboa das hortas quadrava-se bem com a cronologia dada até 1910 ou, vá lá, 1920, não 1945...
De todo o modo que vemos na fotografia?
— Isso mesmo: hortas. Hortas, quintas, casario disperso, caminhos entre muros. E um panorama tirado do alto...
Ponhamos por instantes a hipótese da Penha de França que é um monte alto (o Monte de S. Gens também é, bem sei, mas em 1890-1910 o panorama não era assim ermo). Ora o panorama tirado da Penha poderia dar logo abaixo o esparso casario de Arroios: a igreja e o hospital a um lado e, rodando o observador o seu olhar para nascente, mais algum casario veria trepando para o Alto do Pina (Rua Barão de Sabrosa); mais ao longe, continuando, veria o Alto de São João, e por aí até ao Tejo. Pelo meio disto mais não haveria senão... hortas, pois. E acompanhando o fio deste olhar à volta desde a Penha de França estaria logo abaixo a circunvalação de 1858, entre Arroios e o Alto de São João, ou seja: a Rua do Conselheiro Morais Soares, necessariamente entre muros nesse tempo da Lisboa das hortas. E assim sendo, a nesga do casarão que se vislumbra à esquerda na imagem vamos lá ver se não é o hospital de Arroios? — Ora bem! — Neste caso então, confirma-se que a estrada que rasga o panorama da esquerda à direita é a Rua Morais Soares no troço que parte hoje da Praça do Chile.
O caminho que parte do fundo da imagem haverá pois de ser a antiga Travessa do Caracol da Penha (hoje Rua dos Heróis de Quionga) que liga a Rua Marques da Silva (antigo Caracol da Penha) à Morais Soares - umas casas que se vêem a encobri-la haviam de ser da Quinta do Saraiva. - E o caminho que serpenteia para Norte na margem direita da fotografia? - Só pode ser a Azinhaga do Areeiro (coincide grosso modo com as actuais ruas Carvalho Araújo e Abade Faria); perto do Arieiro entroncava esta azinhaga com a Estrada de Sacavém cujo casario disperso se espalha numa diagonal para o horizonte na imagem acima.
Parece-me, pois, que é isto.
Só mais uma nota: quem c.1900 subisse desde Arroios o troço reconhecido aqui da Morais Soares apanharia à sua mão esquerda a Horta da Cera cujo muro comprido — ao meio com portão — se vê nitidamente na imagem. Logo depois entrepunha-se-lhe o muro e as casas da Quinta da Brasileira estreitando a via; esta propriedade ocupava sensivelmente a área delimitada hoje pelas ruas Actor António Cardoso, José Ricardo e Edith Cavell, a N da Morais Soares. Quando finalmente chegasse por alturas da Calçada do Poço dos Mouros teria então, ainda à sua mão esquerda, o Retiro do Manuel dos Passarinhos que coincidia pouco mais ou menos com o actual Largo Mendonça e Costa. Neste pequeno percurso havia à direita a Quinta do Saraiva e, depois da Travessa do Caracol da Penha (Heróis de Quionga), a Quinta do Manuel Padeiro. Mas não sigamos mais...
Retiro do Manuel dos Passarinhos, Lisboa, c. 1900.
Joshua Benoliel, in Marina Tavares Dias, Lisboa Desaparecida, v. 1, Lisboa, Quimera, 1987.
Nunca o conheci pessoalmente e tarde me dei conta de quem era o Jorge Ferreira. A tertúlia que são os blogos e o amor por Lisboa, porém, tornou-mo próximo. Foi com tristeza que soube hoje que partiu...
Cais das Colunas, Lisboa, 1950-60.
Helena Corrêa de Barros, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Há dias quando publiquei algo sobre a embaixada da R.D.A., ao Alto do Pina, alguns comentários parecia que davam o mote para algo mais aqui sobre o lugar e sobre o benemérito Raul Alves Fernandes, que ali morara e dali fundara a sua obra de caridade.
Da sua residência 'rodeada de vegetação alta', como a descreveu o benévolo leitor Attenti, encontrei uma imagem no Arquivo Fotográfico da C.M.L. (acima), tomada dum dos prédios de esquina da Alameda com a Rua Actor Vale. Quem conheça o lugar reconhecerá certamente a casa no fim do corpo de edifícios mais baixos que se estende para a direita da torre da igreja . Esta igreja, dos Santos Doze Apóstolos - obra sua, juntamente com o asilo "A Caridade" (1928) e o preventório de São José (1957?) -, dá a fachada para a Rua Barão de Sabrosa. É dessa rua a imagem abaixo, em que se vê só parte da casa.
Sobre Raul Alves Fernandes (1888-1961) não se acha grande informação na rede. O Geneall.net, dá elementos sumários da família; aí se pode ver que o benemérito foi avô materno da cravista Cremilde Rosado Fernandes e do prof. Raul Miguel Rosado Fernandes, como de resto, aliás, o amigo Fernando C. nos já informara. A página da freguesia do Alto do Pina, porém, desconhece-o. A sua obra de caridade marcou a história do lugar - mereceria algumas linhas na página da Junta, talvez...
Um seu feito como comandante da marinha mercante durante a Grande Guerra que pude ler num artigo gentilmente enviado pelo prezado Fernando C., merece aqui, creio, mais estas poucas linhas a seguir:
Em 1917 o navio que comandava (o vapor Tungue - diz que dos melhores da nossa marinha) foi atingido por um torpedo alemão. Com coragem e sangue frio, Raul Alves Fernandes conseguiu salvar todos os que tinha a bordo e salvar-se a si mai-los valiosos haveres que lhe haviam sido confiados. O feito mereceu-lhe honras da marinha francesa, inglesa, italiana e japonesa, que escoltavam o Tungue. De temperamento despojado, as altas condecorações que recebeu nunca as usou.
Ficou sepultado no talhão dos Comabatentes [Combatentes] da Grande Guerra no Alto de S. João.
Fotografias: Judah Benoliel (ant. 1957) e João H. Goulart (1967), in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
(Revisto às 10h15 da noite.)
Andam uns quantos europeus por aí em bolandas para achar um presidente para a Europa. Falou-se no Tony Blair, mas não. Parece que é inglês...
Fala-se agora aí dum belga - soa melhor. A Bélgica é um óptimo não-país. Dará um convincente presidente da coisa.
E no meio disto pergunto: que fica lá o Barroso a fazer?
Trabalhos agrícolas, Portugal, [s.d.].
Fotografia: Estúdio de Mário de Novaes (1933-1983), in Biblioteca de Arte da F.C.G..
Posto de Gasolina, Lisboa, [s.d.].
Fotografia: Estúdio de Mário de Novaes (1933-1983), in Biblioteca de Arte da F.C.G..
Há uma história que o professor Veríssimo Serrão gostava de contar.
O Alexandre Herculano, enquanto andou metido na política, tinha naturalmente apoiantes dedicados e detractores acérrimos. Certa vez estavam dois desses num café do Rossio batendo-se de argumentos - um a favor, outro contra - quando o que defendia o Herculano, à míngua já de melhor defesa, se sai com esta: - Dizes mal do Herculano? Pois tomaras tu saber o que o Herculano sabe.
Nisto levanta-se o Herculano, que ouvira doutra mesa a conversa sem ser notado e diz aos dois antes de sair: - Tomáramos todos nós saber o que o Herculano não sabe.
Abertura do Ano Judicial, S.T.J., 2006.
(Portal do Governo)
Enquanto alguns se ufanam do seu umbigo ser a razão da queda do muro de Berlim, eu exalto aqui Lisboa que, para lá de ser nome de Tratado europeu, também exibiu ela em tempos um muro da vergonha.
Quando depois de 74 a Alemanha Democrática abriu uma embaixada em Portugal, foi num prédio novo de nove ou dez andares que fizeram no Alto do Pina. Tinha uma frente para a Rua Barão de Sabrosa e outra para a Alameda de Dom Afonso Henriques (uma rica vista). E tinha um muro a toda a volta, com gradeamento alto por cima, que só deixava metro, metro e vinte de passeio para se circular na rua. O povo das redondezas chamou-lhe logo o muro da vergonha. E com razão.
Também este muro veio a ser demolido nos anos oitenta.
Embaixada da R.D.A., Alto do Pina, [s.d.].
Vasques, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Há gente que não perdia nada por estar calada. Mas vão lá eles entendê-lo, encandeados que estão pela própria luz, que ofusca até os holofotes.
- As revoluções democráticas precursoras do movimento que levou à queda do muro foram as revoluções ibéricas... - é a leitura histórica do primeiro ministro Sócrates.
Haja quem saiba ler...
Robert Palmer - She Makes My Day
(Heavy Nova, 1988)
Dez mil euros é muito, é pouco...?
Depende.
Tenho para mim que se ajuíza melhor perguntando ao mercado. Pois assim sendo, se o que há para vender só se vende por € 10.000,00 parecendo que valeria mais, então é porque há excesso de oferta. Isto é o que diz o mercado.
Grande sarcófago de mármore...
( Água-forte, 420 x 560mm )
Piranesi, Le Antichità Romane, II, 34.
O tempo arrefeceu hoje muito mas naquelas casas no 180 do Campo Grande janelas havia há pedaço bem escancaradas. Ainda há pouco tempo li que ia decidir-se na Câmara Municipal sobre uma proposta qualquer para este prédio. Não sei o que se decidiu mas dá a impressão que não agradou aos trambiqueiros que o querem demolir.
Adamastor (O)
Apartado 53
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