Calçada da Glória, Lisboa, 1900-1919.
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
Há uma frase sobre o Alain Prost em 1981 que me ficou: «Um salto no vazio canadiano e adeus forçado despique do título.» Nunca mais me esqueceu. Vinha no jornal Auto-Sport, na reportagem do G.P. do Canadá, o penúltimo do campeonato de 1981. Aquela frase li-a na legenda inspirada duma fotografia do Prost e se a imagem então não era esta agora, mas em papel de jornal, bem podia.
Esse Verão de 81 começou uma semana antes de começar, com 43º em Lisboa. Quinze dias antes fora o G.P. de Espanha, cheio de interesse -- terminaram cinco carros no mesmo segundo. O Gilles Villeneuve ganhou. Empecilho nas curvas, imbativel nas rectas... Ninguém tinha carro para bater a potência do Ferrari turbo em aceleração. E ninguém tinha engenho de bater o lento Villeneuve nas partes sinuosas do circuito de Jarama. Na bandeira de xadrez, os cinco primeiros acabaram a corrida no mesmo segundo.
Por uma dessas razões que se não explicam, elegi o Prost como meu ídolo ao depois em Julho, num dia em que nem vi a corrida; fui para a praia o dia todo e quando vim à tardinha vi no telejornal a notícia do Prost ter ganho o G.P. de França. Talvez eu apreciasse o amarelo dos Renault no preto e branco da televisão...
Certo foi que ganhei entusiasmo pela Fórmula 1 e com ele contagiei os meus inseparáveis da vida airada nesse Verão: o Zé, o Jaime e o Pedro. Mas eram eles pelo Piquet, coisa trivial e desenxabida por o fulano ser brasileiro. O Helder de Sousa, o Adriano Cerqueira e o Jorge Pêgo, comentadores do éter em VHF e em FM fomentavam-no, era notório. A verdade, sei-o hoje, era que para se ser pelo Piquet não era precisa nenhuma imaginação. Só uma perfeitinha e acabada falta de originalidade.
O Pedro, porém, foi de logo pouco convicto do Piquet. Tanto que se fez adepto depressa do Pironi (um nome giro que fazia lembrar a sirene duma ambulância: pi-ro-ni, pi-ro-ni...) Mas esse ano o Pironi andava pouco ganhador, de modo que foi andando o Pedro mais pendurado no Villeneuve nesse Verão. -- No fundo era ferrarista, era o que era. -- Numa coisa estávamos de acordo todos. O piloto mais detestado era o australiano Alan Jones, o campeão de 1980. Mas também essa opinião os comentadores do éter fomentavam...
Verão adiante, com o entusiasmo firmado na modalidade, descobri o semanário Auto-Sport, que publicava as reportagens dos treinos e das corridas. Saía às quintas e era uma impaciência esperar desde o domingo a quinta para ver a história da corrida contada no jornal. O primeiro que comprei foi depois do G.P. de Inglaterra em Silverstone. O John Watson ganhou inesperadamente e, segundo reza, ficou no circuito a celebrar até de madrugada. Mesmo quando ficou só ele a festa continuou.
A seguir a este, no G.P. da Alemanha, o Jaime apareceu com o jornal da especialidade numa quarta-feira. Trazia o Piquet na primeira página, o vencedor em Hockenheim. Era o jornal Motor, que eu não conhecia. Acabava por dizer o mesmo que o Auto-Sport à quinta, mas sem imagens a cores.
O Verão correu assim, com este entusiasmo e, depois de Monza, em meado de Setembro, o campeonato só aumentou de interesse: havia 5 ou 6 pilotos nas contas para campeão do mundo. O Prost, como vencera em Monza estava lá, claramente nessas contas. E foi então que, acabado já o Verão e com a outoniça chuva de Montreal, o Alain Prost deu o tal «salto no vazio canadiano»... -- Soube-o eu com menos poesia do que a posta na legenda do jornal, pela F.M. da Rádio Comercial, que mandou ao Canadá o locutor Jorge Pêgo. -- Adeus!... Ganhou o Laffite. -- E assim na última corrida sobravam no baralho só três valetes (Laffite, Piquet, e Reutemann) para se tirar um campeão. O G.P. dos estados Unidos, que montou tenda no parque de estacionamento do Palácio do César das Veigas (ou Caesar's Palace de Las Vegas), deu, pois, na sorte das cartas o valete brasileiro. Festejaram em cheio o Jaime e o Zé (ainda hoje festejam) o fim do Verão de Formula 1.
Notas:
O G.P. do Canadá de 1981 foi em 27 de Setembro.
Imagem de Motorpasión.
Leiteiro, Lisboa, c. 1900.
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
Lisboa: leiteiro, [Estr. de Benfica -- Jardim Zoológico], post 1902.
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
O postal foi publicado pelo Sr. Agostinho Sobreira nas Ruas de Lisboa com História. É uma curiosa fotografia tomada dos andares cimeiros do velho Hospital de Arroios. O leitor que queira saber da Praça do Chile e dos marcos interessantes, antigos e modernos, nas suas adjacências pode ler com proveiro o blogo do Sr. Agostinho. Conto que me ele não leve a mal o tomar-lhe este postal porque me serve para explicar um detalhe de menor interesse acerca daquele prédio à direita da fotografia, cuja empena é tão notória. Dá ele a impressão que a harmonia da Praça do Chile fica ali cortada; o edificado não se conjuga com o círculo da praça.
Pois bem, antes de haver ali qualquer praça, ou qualquer deste edifícios, o lugar era atravessado pela Estrada da Circunvalação, apenas. Mas não pense o benévolo leitor que essa estrada cruzava diametralmente o largo da Praça do Chile. Não. A Circunvalação era mais chegada lá e não coincidia com o primeiro troço da Rua Pereira Carrilho. Ela seguia junto ao lote daquele prédio cuja empena é tão notória em direcção à Estrada de Sacavém (hoje Rua Alves Torgo) alinhando-se precisamente com o enfiamento das escadinhas da Travessa das Amoreiras a Arroios. E a cêrca do convento (depois hospital), estendia-se até esse troço de via depois suprimido, que se desviou em alternativa mais para cá, para se alinhar com o caminho do Largo do Leão que hoje chamamos Rua Pereira Carrilho. Este nome estendeu-se naturalmente ao novo troço aberto pelos terrenos sul do Hospital de Arroios. O velho troço suprimido foi loteado e ali se construiu não tão em redondo; daí aquele lado menos harmónico na Praça do Chile.
O meu bom amigo Fernando C. dizia-me hoje que a Leya se prepara para fazer um feira de livros no Rossio, mas sobre o Acordo Ortográfico nem um pio.
Pois é. A Leya é aquela editora que despede em Portugal e aposta no Brasil. E vem agora aí mancomunada com a Câmara Municipal do Intendente -- que lhe alugou o Rossio -- impingir-nos a livralhada que imprime em português mutilado. Mais. Há música, poesia, performance [?], vídeo e tudo. Só nos fica, por conseguinte, bem, a nós portugueses, ir agora ali comprar a tais tratantes.
Literatos e não sabem escrever?, Arroios, 2012.
Música, cinema, dança... todos sabemos o que são. Pelo contexto -- e com a ênfase que noto em «novas criações» -- soa-me a animação cultural esquerdóide (passe a redundância), tão absurda como falha de engenho. Algo como mimos de cara pintada ou o rapaz do realejo oferecendo «arte» às massas no metropolitano; tudo filmado «em vídeo-amador» para exibir como curta metragem a público pós-moderno.
É bonito, pá! E moderno... Mas performance?! Que género de arte é performance?...
Como sobrevivíamos antes de haver esta palavra?
Trabalhávamos por objectivos?
Ontem o primeiro ministro deu uma entrevista na TV e hoje todos comentam. O melhor comentário:
(Toma! - Zé Povinho das Caldas, de Raphael Bordallo Pinherio, surripiado na dita Enciclopédia Livre.)
Em «há» por «havia» houve alguns leitores a dizerem-me dos matizes do discurso directo e do tempo do enunciado (tempo do narrador) como motivo para emprego de «há» e não «havia». É verdade, mas sucede que um caso assim é outro caso (passe a repetição). Vede um exemplo mui antigo.
« — Señor amigo [...] saberdes [1] q̃ me prouue e praz serdes asy prestes como dizẽ que sodes [sois] porq̃ dias ha [2] q̃ esta mesma vontade tijnha [3] eu de vos hyr buscar hõde q̃r que fossees [fôsseis] [...]»
Mendes dos Remédios (rev.), «Chronica do Condestabre de Portugal», França Amado, Coimbra, 1911, p. 175.
O caso é que «há» não se acha aqui por «havia». Acha-se «há» por si mesmo, por «há», como fácil é de entender.
Epiphanio Dias diz-nos na sua «Syntaxe Historica Portuguesa» (§ 253. a) 1): — «Designa-se com o imperfeito o que tendo começado anteriormente, continuava ainda no tempo em que se deu um facto: Estava naquella casa havia 4 meses.» — Quanto se não ouve nem vê hoje: estava naquela casa há 4 meses? — Se a coisa parece confusa, cheia de matizes, ou caucionada pelo uso e entrevista até em autores de noemada, pois bem: os nossos antigos não se equivocavam. Não achei um único desacerto do tempo na «Coronica» do Condestável (cfr. com Correio da Manhã). O levantamento é exaustivo.
— « E como quer que muyto tempo auia [2] que a ella chamauam dona [...] » (p. 11)
— « [...] por que pouco tempo auia que entrara e correra [4] grande parte dAntretejo e Odiana:» (p. 17)
— « [...] e q̃ dias auia que o muyto desejaua.» (p. 46)
— « [...] dias auia que o conhecia por boõ.» (p. 47)
— « [...] ja auia hũ dia q̃ Nunalurez era na cidade.» (p. 55)
— « [...] poucos dias auia que vierõ [4] de Guimarães.» (p. 105)
— « [...] porque dias auia que pera ello [isso] eram chamados e percebidos.» (p. 135)
— « E veendo como auia dias q̃ se nom fezera [4] nenhuũ a obra da parte dos portugueses:» (p. 164)
— « [...] porque auia muyto que nom forom [4] em nenhuũa obra.» (p. 165)
— « [...] dias auia que tijnha em vontade.» (p. 174)
— « E que a sua mercee sabia bem que dias auia que lho auia outorgado [...]» (p. 192)
— « Ca [porque] elle nõ as tinha tẽpo auia.» (p. 205)
[1] Não é novidade (literalmente) o tratamento antigo dum interlocutor na 2.ª pessoa do plural, uma elegância de linguagem completamente perdida que nos só empobrece o idioma. Já quando a aprendi na instrução primária, era sempre a conjugação mais difícil; o sr. Diniz foi o único interlocutor da minha infância a quem na eu ouvia correntemente.
[2] Uso medieval mais comum do verbo no fim da oração — «dias há»/«tempo havia» — mais próximo do Latim.
[3] Em «a mesma vontade tinha eu» (pret. imperf.) surge-nos só aparentemente a acção no passado; vem, com «tinha» a acção elipticamente a ser no presente, no tempo do narrador que nos fala previamente na primeira pessoa do presente: «me prouve e praz serdes assim»; por conseguinte, «vontade tinha [e tenho] eu de vos ir buscar». Demonstrado está que este caso não é de «há» por «havia».
[4] Forma do pretérito mais-que-perfeito que os nossos antigos empregavam pelo imperfeito e pelo condicional («Mas, em tanto que cegos e sedentos // andais de vosso sangue, ó gente insana, // não faltarão cristãos atrevimentos // nesta pequena Casa Lusitana: // de África tem marítimos assentos; // é na Ásia mais que todas soberana; // na quarta parte nova os campos ara; // e, se mais Mundo houvera, lá chegara.» Lusíadas, VII, 14).
(Imagem surripiada dum sebo brasileiro e adaptada. Verbete ligeiramente revisto em 14/IX.)
Há oito dias zurzi a primeira página do Correio da Manhã por causa duma construção desengonçada. A leitora Maria deu uma redacção alternativa «... estava [separada] desde há três anos» em que lhe pareceria aceitável aquela oração restritiva «há três anos» com o verbo haver no presente. Ora a redacção com «desde há» falha também a concordância de tempo. O tempo da narração é posterior ao passamento da senhora (vítima); a acção é inteiramente passada; a subordinada restritiva «há três anos» refere-se à copulativa «e estava separada do marido». Logo, «havia três anos» de separação no tempo em que decorreu a acção principal. Não vejo como a interpolação de «desde» permita mudar o tempo da oração subordinada.
Esta confusão de «há» por «havia» é demasiado corriqueira para que ouvidos hodiernos lhe notem o erro — gente grada diz p. ex. poderem haver municípios; o verbo «haver» faz-lhe confusão. — A Gramática assenta na lógica e as cabeças de hoje balizam-se entre as orelhas vazias dela, mormente as que botam discurso em televisões, de modo que nada nos salva... O erro alastra a tradutores e revisores, já o aqui mostrei a propósito do «Salazar» de Filipe de Meneses (Arte da Grammatica, 20/IX/2010). Pior. Notei-o em autores contemporâneos de nomeada. Em Jorge de Sena nos Sinais de Fogo, de cuja conta dei num comentariozinho no blogo Assim Mesmo, e nos autores clássicos — de que o comentador Montexto, lá no mesmo blogo, pedia exemplos sem crer que se achassem — pois...
O caso desta discordância de «há» por «havia» vem pelo menos da 2.ª metade do séc. XIX, já vemos. Pela literartura do séc. XX não há-de ter melhorado. Vai hoje como há-de ir — pior que nunca. Da maneira que o futuro do português se antevê, com a porcaria (orto)gráfica a meter no ensino klássicos em lugar dos clássicos, não deve sobrar muito que fazer. Ou sobra. Um trabalho (como se diz?) colossal...
Havia hoje no noticiário da hora de almoço uma notícia de descriminação de ciganos. É realmente grande injustiça discriminarem-se os ciganos. Justamente porque não temos notícia de ciganos cometerem maldades. Não há nenhuma! Até pelo contrário...
Criança da família Meneses em trajo de cigana, Jardim do M.N.A.A., 1926.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Adenda: É um facto que existe uma cultura antropológica portuguesa, diferente, por exemplo, da subcultura cigana. Essa cultura portuguesa tem características multi-seculares que se distinguem da subcultura cigana. E é um facto que a cultura cigana adquiriu, mediante pura observação empírica, algumas características que não abonam em favor do seu prestígio social — não estamos aqui a falar de preconceito: estamos a falar de constatação empírica de factos e de acontecimentos.  Quando falamos em «ciganos» temos a tendência — e bem — a fazer um juízo universal, porque não há outra forma de pensar logicamente. As excepções à regra não definem a regra (não são a regra). E, ou neste caso a regra [de que os ciganos não são de fiar] é falsa e trata-se de preconceito, ou sendo verdadeira não a podemos objectivamente ignorar.
Orlando Braga, Perspectivas, 7/IX/12.
Mais dois anos, menos 6 dias, mais cinco minutos.
Ou vice-versa.
14/VII/2010, 10h53.
8/VII/2012, 10h57.
Verbo transitivo: arriscar em... ou arriscar a*... (arriscar na lotaria ; arriscar a vida ). Verbo pronominal: arriscar-se a... (arriscar-se a ficar paralisado). Será muito difícil?...
«Correio da Manhã», 2/IX/12.
(Deus queira que não! O moço de forcado...)
«Correio da Manhã», 2/IX/12.
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