Se há lugar no coração de Lisboa perfeitamente elidido ao alfacinha ele é o Soccorro. Não sei se a freguesia se aguentará com a reforma administrativa em curso. A igreja paroquial foi demolida em 1949. Toda a malha de arruamentos outrora existentes, que abarcavam boa parte da Mouraria, foram tragados nas demolições que deram lugar ao moderninho largo do Martim Moniz. Uma inconcebível navalhada no âmago fadista da velha Lisboa para desimpedir o trânsito, disseram. Na voragem foram o largo que se vê deante, a rua do Soccorro (a que se vê ao fundo à direita), a Rua das Atafonas; rua, travessa e largo dos Canos (ou Silva e Albuquerque); a Rua dos Vinagres; a Rua dos Álamos; rua, arco e palácio do Marquês de Alegrete; todo o lado ocidental da Rua da Mouraria com todo o seu comércio; quase todo o troço primitivo da Rua da Palma desde a Rua Barros Queiroz à Rua de S. Lázaro, o teatro Apollo... -- Para desimpedir o trânsito, disseram... E com isso em mente levantaram asinha o Hotel Mundial, afunilando novamente a embocadura da mutilada Rua da Palma com a Rua Barros Queiroz, nas traseiras da igreja de São Domingos.
Não conheço outro exemplo de apagamento tão completo da memória dum lugar tão castiço como densamente povoado, numa cidade de importância histórica como Lisboa. O nome subsistiu como lembrete ao transeunte mais desapercebido, na estação do metropolitano, até 1998. Espíritos mergulhados na modernidade mais capaz (a mesma que promoveu as demolições a par da edificação o Hotel Mundial) mudaram-lhe então o nome para Martim Moniz, diz que para se não perderem os turistas que haviam de chegar a Lisboa às carradas para ver a Expo dos Olivais. Resta a freguesia, com paroquial na ermidinha da Senhora da Saúde depois da demolição da igreja do Soccorro; a freguesia foi criada em 1596. Não sei quanto mais durará.
Largo do Soccorro, Lisboa, ante 1949.
Estúdio de Mário de Novaes, in Bibliotheca de Arte da F.C.G. (adaptado).
Luís Carlos Prates, O pútrido &c.
(Versão traduzida e legendada do brasileiro.)
« A língua ou idioma de um povo não é propriedade ou está subordinada ao controle de ninguém que não seja o próprio povo que a criou, que a fala, modifica, transforma e enriquece à medida em que cria, modifica, ou ainda assimila de outras línguas novos termos, promovendo com isso e por si só a constante evolução da sua língua... A Língua Portuguesa é um património do povo português, e não do governo português, e muito menos ainda de qualquer clube, agremiação ou academia pretensamente inserida no controle de qualquer faceta deste Património Nacional... É SIM UM PATRIMÓNIO NACIONAL E NÃO UM PATRIMÓNIO ACADÉMICO, E MUITO MENOS GOVERNAMENTAL. E ninguém, absolutamente ninguém tem o direito de negociá-la ou fazer qualquer acordo referente a ela com quem quer que seja. Os brasileiros não tem o direito de impor absolutamente nada na língua dos portugueses. E se não estiverem satisfeitos com a forma com que os portugueses a falam e escrevem, que regulamentem a língua falada no Brasil (esta língua em que estou escrevendo por viver aqui há mais de 50 anos)... se tiverem capacidade para isso... O que está ocorrendo é que os brasileiros não tem (suponho) capacidade para regulamentar a sua língua e optaram por tentar assumir o controle do Português já regulamentado e prontinho. Por outro lado, não sei porque interesses (escusos?) os portugueses acordistas estão tratando de vender a nossa língua, este património do povo português, como se ela fosse mera e vil prostituta... -- Cambada de canalhas!!!!!!!!!»
(Nuno Augusto Pontes, Osasco, no livro das fuças.)
Perante a notícia de o Brasil estar para pôr a aboborar até 2016 ou 2018 (e depois se verá) a infame açorda ortográfica de 1990, bem parece que a História se repete (ou que certa espécie de gente não leva emenda): em 1915 o Brasil decidiu aceitar a reforma portuguesa da orthographia, de 1911, e negou o propósito em 1919; em 1931, um «acôrdo», já (um que determinava que mãe se havia de escrever mãi), negociado entre as academias das Sciencias de Lisboa e Brasileira das Letras, deu em nada em 1935, no Brasil, com uma desculpa política qualquer; em 1945 novo «acordo» (já sem acento diferencial), passado a lei em Portugal e no Brasil, deu com os burrinhos na água no congresso brasileiro em 1955 debaixo de clamores contra o colonialismo português e contra a mineração do ouro no tempo do Senhor D. João V (!). Não parece ter ocorrido aos empolgados congressistas que a melhor linhagem dos colonos exploradores de ouro era a sua própria ali, no congresso...
E a história é esta: Portugal põe-se generosamente (servilmente é ultimamente melhor termo) de acordo com o que o Brasil procura quanto à escrita do seu próprio idioma (seu próprio, de Portugal) e o Brasil sempre a dar-lhe e o burro a fugir, numa esquizofrenia incapaz de algum dia tolerar o pôr-se de acordo com Portugal porquanto isso representa avivar-lhe a identidade portuguesa. No Brasil padecem dum trauma de identidade, por isso vede-los às arrecuas a escoicear a História. Que Portugal se preste recorrentemente a este logro é estulto, além de inglório. – Parece-me que há portugueses, também, que se iludem com vagos fumos de império como essa palermice da «lusofonia» e que julgam sublimar, hoje, com acordos ortográficos, uma espécie de glória imperial que não se atrevem (ou nem se dão conta) de confessar. E com isso vejo que quem se mais inebria nestes fuminhos da lusofonia são justamente uns toleirões que condenam ou renegaram a nação pluricontinental. – Assim sendo, pois, não estranheis o resultado triste e catastrófico destes negócios ortográficos: dementes e inimputáveis poderiam alguma vez ser parte capaz de tratar com proveito de negócios sérios? Melhor foram os portugueses, apenas por si, sem se tornarem tributários de terceiros, tratarem com autoridade e boa regra da sua Grammatica nas quatro partes da Etymologia, Syntaxe, Prosódia e Orthographia ensinando-a aos seus filhos e vindouros e a quem na mais aprender quisesse. Os que soberanamente o assim não aceitassem, paciência! Que se trabalhassem de então livremente fabricar a Gramática que coubesse à sua linguagem. Uma coisa se daria com isto, notai: o idioma português seria naturalmente um, e só um – aquele que os portugueses regessem. Se mais não fôra, evitar-se-ia o tristíssimo espectáculo duma República dita portuguesa, imbecilmente voluntariosa e ingénua, a perder-nos em acordos ortográficos sucessivos consigo própria, de jure e de facto como se vem a ver com Portugal amarrado sozinho a cada acordo rasgado pelos brasileiros, e sem atinar com uma regra ortográfica decente nem coerente no diário oficial.
E que já leva 101 anos nisto!
Imagens: José Vicente Gomes de Moura, Compendio de Grammatica Latina e Portugueza, 6.ª ed., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1850; Diário da República, 2.ª série - N.º 198 - 12 de Outubro de 2012.
(Texto revisto.)
Desembarque de bacalhau, Porto, 1900-1919.
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
Gerrit van Honthorst, Adoração dos Pastores, 1622.
Óleo sobre tela, 164 x 190 cm, Museu Wallharf-Richartz, Colónia.
(Imagem colhida da Galeria de Arte da Rede.)
Achei este ano, inesperadamente e sem grande demanda, cartões de Natal com os motivos da Sagrada Família, a Adoração do Menino. Coisa rara -- raríssima! -- tanto mais que os achei num supermercado. Não eram reproduções de obras de arte, como podiam, mas já nem peço tanto. Tinham graça e sobretudo não desvirtuavam a quadra. Loas ao tipógrafo ou a quem teve o lampejo de imprimir cousa tão notável em lugar de ursos e bonecos de neve.
Feliz Natal!
Aeroporto da Portela [fragmento], Lisboa, c. 1942-43.
Estúdio de Mário de Novaes, in Bibliotheca de Arte da F.C.G..
Uma das pontas soltas deste blogo é a data desta nocturna do aeroporto da Portela. Publiquei-a cá em Junho. Pareceu-me verosímil a chapa haver sido batida quando o aeroporto foi aberto, em fins de 1942, inícios de 1943 -- nos meses que mediaram entre a sua abertura e a inauguração oficial. Na altura supus que alguém soubesse ler o céu e, pela fase da Lua, pelo quadrante das estrelas (estará ela metida nos pés de Gémeos?), aventasse uma data mais certa. O prezado Fernando Venâncio sugeriu entretanto a hipótese de eclipse lunar em lugar dum quarto crescente. Nesta senda, há pouco, a estimada D.ª T. teve a gentileza de me enviar a lista dos eclipses do Almanaque de 1943. O mais plausível parece-me ser o de 20 de Fevereiro, mas não sei se a Lua andaria tão baixa e sobre o aeroporto da Portela (quadrante Leste) à hora do eclipse...
Que diz o benévolo leitor?
Almanaque Bertrand, 1943.
(Digitalização por cortesia da D.ª T. dos Dias que Voam.)
«Portugal un boulanger/porteur de pain», 1900-1919.
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
Uma imagem vale por mil palavras, não é como soem dizer?...
Loja de Reservas da TAP, Marquês de Pombal, 1976.
Álvaro Campeão, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Diário Económico, 19/XII/12
Desde o tempo de Monteiro de Lemos, quando o Estado meteu na TAP 180 000 000 000$00 (cento e oitenta milhões de contos), que não ouvi notícia de injecção de dinheiro na Companhia pelo accionista (leia-se Portugal). A Europa proibiu-o; os sobas de cá do protectorado cumpriram. (Se houver notícia de coisa tal, exactamente nesses termos, injectar na tesouraria, agradeço que ma apontem.)
Não significa, porém, que seja falsa a notícia de hoje -- véspera do dia oficial da venda da TAP... -- Apenas tem graça nunca se ouvir notícia deste teor em, salvo erro, 18 ou 19 anos. Tem tanta graça como haver um tempo de plantar e outro de colher. Raramente ele é dum dia para outro, mas quem pode pode tudo...
O bonito sorriso da Rainha, a Senhora Dona Amélia. Brinde ao fotógrafo.
«Reine Amelie a son Retour du...», ante 1908 [1905].
Foto: Charles Chusseau-Flaviens, in George Eastman House.
(Verbete revisto ao meio-dia e meia.)
O sr. Director Geral de Veterinária, o Piruças, foi à televisão promover a gripe (i.e. as vacinas a findar o prazo que lhe recheiam o armazém). -- Digo Geral de Veterinária porque o tratamento que procura dar à gente é como o dos animais. -- Pois dizia-me o sr. do café enquanto dava o Piruças na pantalha, que agora já não preciso receita nem de ir ao médico para poder tomar a pica.
Claro! Com bicharada humana não se pode simplesmente ir ao curral e dar a pica. Por isso vai de dar um bónus; papas e bolos que é para bicharada se chegar a comer à mão e ver se se com isso empandeira o stock.
Imagem: O Algarve, 20/X/918, in Hemeroteca Digital. Verbete revisto.
Quando há dias publiquei aqui uma outra fotografia deste prédio dos alvores da Av. Casal Ribeiro não referi um detalhe interessante que lá havia: a construção dum outro a seu lado em que podíeis apreciar na estrutura já edificada o modo de se construirem gaioleiros. Ali víeis, já levantado até ao 3.º andar, o esqueleto em madeira, o travejamento entre pisos à espera de lhe assentarem o soalho, as grossas paredes exteriores de alvenaria de pedra irregular e, as interiores de resistente alvenaria de tijolo maciço. Tudo novidades antigas de alvenéis e carpinteiros de toscos que já pouco ou nada importam, como também naquele tempo pouco já importava a gaiola pombalina, pois que, lá, naquela obra que se via, não achais vós as caracterísitcas triangulações em forma de cruz de S.to André. Deste depreciamento nas estruturas (e nos materiais) chegou-nos o pejorativo gaioleiro como fraco sucedâneo da gaiola pombalina. Esta imagem agora aqui, doutro ângulo e do mesmo fotógrafo, é anterior à tal de há dias, pois que cá não vemos senão os tapumes do gaioleiro que se ali havia de fazer. Fazer e desfazer. Era ele o n.º 56 da Av. Casal Ribeiro, ou Saldanha 4-8, que veio a ser demolido este ano. Tenho ideia que esta fotografia seja de 1906, já que as Terras do Alto (notai aquele desnível da terras de detrás do prédio em relação à rua) foram vendidas ao município em 1905 para abertura desta Casal Ribeiro e das adjacentes Fernão Lopes, Actor Taborda e Almirante Barroso. Quanto tempo terá levado de 1905 até rasgarm este troço de rua e levantarem este prédio? — Ano, ano e meio?... E quanto tempo entre esta fotografia, em que se haviam ainda de começar as obras do gaioleiro do n.º 56 ao lado deste, e o erguer dos três sobrados que vistes na de há dias? — Um mês? Dois, três...? — Bem sei que se lá não vêem assim tantos operários atarefados (aliás, não se vê nenhum, só um que deve ser capataz) mas, talvez fosse hora de almoço... — Pois bem; o tempo que levou a alçar aqueles três sobrados é quanto medeia entre esta imagem e aqueloutra. Sobra que aquele gaioleiro que veio a erguer-se ao lado deste durou uns bons 105 anos (1906-2012). Este que vos aqui deixo durou metade. Hei-de cá tornar com o que cá puseram quando demoliram este aqui. É que a câmara teve tanto orgulho, tanto orgulho do que se lá construiu que até mandou a correr o fotógrafo antes que se estragasse. Tal como com este, afinal. Tal é a cupidez do moderno em certas cacholas. |
Av. Casal Ribeiro, 50-54, Lisboa, post 1905. Paulo Guedes, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.. |
(Revisto em 14/XII/12 às cinco para a uma.)
(Notícias do saco de plásitco em 24 de Março e em 7 de Dezembro de 2012.)
E assim, constam:
Alberto Pimentel, A Triste Canção do Sul (Subsídios para a Historia do Fado), Lisboa, Gomes de Carvalho, 1904.
Pinto de Carvalho (Tinop), A História do Fado, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1903.
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