O Livro das Fuças é o que em bárbaro todos conhecem por «Facebook».
Dois dias em que o 'manuseei' e lhe fiz duas ou três anotações com matéria da minha lavra lá posta à margem no capítulo do Grupo Amigos de Lisboa e o saldo foi bonito, pá: dois pares de comentários; meia dúzia de desconhecidos a pedirem para ser meus amigos; uma dúzia de estranhos a seguirem-me (salvo seja; a seguirem os meus verbetes); um gajo a convidar-me para um café convencido de que sou uma gaja (!); umas boas dezenas de «gostos» e...; uma vassourada.
Cheira-me que a vassourada foi denúncia dalguém dum grupelho de amigos de Lisboa agoniados de serem apanhados...
Onde já vi eu esta legenda da estimável Telma?
E a inspiração de legendagem saloia deste Fraga-qualquer coisa, com precioso endireitar de fotografia sem correspondência no original do arquivo municipal, que é torto?
E onde já vi eu antes a legenda com todas as vígulas destoutra que aparece lá por mão (ou cinco dedos) dum infeliz caído no domínio público?
Mas posso estar enganado. Pode afinal ter sido este pseudo-acordita Matos, por despeito do comentário que lhe deixei de não saber ele ortografia e conseguir apenas mutilar palavras. Este teria até mérito de não copiar as palavras alheias, mas que dizer da sua redacção de analfabeto? Porém, ai de quem lho diga! Se se não incomoda ele em mexer-se do cadeirão de investigador em que ali o vemos refastelado, algum dos zelotas seus fiéis apreciadores, como o publicado Pascoal e a velha Aguiar do Arco de Santo André, completarão o trabalho da vassoura...
Grandes Amigos de Lisboa, estes todos. Vai-lhes bem a humildade do uso da vassoura, como aos almeidas. Eles que varram, eles que varram! Esqueçamos a escrita fina. Precisamos de Lisboa limpa. -- Xô, Bic Laranja!
(Imagens colhidas do livro das fuças em 31/V/2013.)
Não morro de amores pelo livro das fuças (por acaso até o detesto). Mas como quando me interessa ali algo tenho de fazer o imperativo registo, transijo. Intriga-me só que nas ocasiões em que ali reabro o registo acabo posto fora [com um argumento de que eu pareço que não sou uma pessoa real]. A menos que lhes diga o meu telefone. Fico na dúvida se é denúncia dalguém muito empenhado em me ali censurar, se é mera foçanga dos donos do livro para me caçar o n.º de telefone.
Há dias publiquei uma deste sítio em que víeis a capela do lugar. Admiràvelmente acabei de descobir esta agora no livro das fuças, num capítulo castiço de título bárbaro: «Old Portugal». O fotógrafo situava-se no adro da capela de Sant' Anna e a païsagem diante de si era assim como vêdes.
Se no emaranhado de estradas que soterraram o lugar encontrardes um panorama com este enquadramento talvez vos tenha valido Sant' Anna.
Sant'Anna - Vista do Aqueduto e do viaduto de Santana de Cima, Vale da ribeira de Alcântara, 1910.
Fotografia referida a Underwood & Underwwod, in Velho Portugal.
Ninguém se convence da bondade do «Acordo Ortográfico». Só por brutalidade institucional ele tem ido, contra os indivíduos, contra a gente. A comprová-lo, com elementar evidência, o número de colunistas em jornais que se não rebaixam ao ditame institucional. O recente livro de Pedro Correia enumera-os:
« Segue a lista – por ordem alfabética e necessariamente incompleta – dos colunistas e colaboradores regulares da imprensa portuguesa, de todas as tendências políticas […]
Abel Barros Baptista (Ler), Alberto Gonçalves (D.N.), Ana Bacalhau (Notícias Magazine), Anselmo Borges (D.N.), António Lobo Antunes (Visão), António Sousa Homem (Domingo, revista dominical do Correio da Manhã), Bagão Félix (A Bola), Baptista-Bastos (D.N.), Celeste Cardona (D.N.) Cruz dos Santos (A Bola), Eduardo Cintra Torres (Correio da Manhã), Fernando Sobral (Correio da Manhã), Francisco Belard (Ler), João César das Neves (D.N.), João Pereira Coutinho (Correio da Manhã), José Cutileiro (Expresso), Luciano Amaral (Correio da Manhã), Manuel Falcão (Correio da Manhã), Manuel Martins de Sá (A Bola), Manuel S. Fonseca (Expresso), Maria Filomena Mónica (Expresso), Marques Mendes (Correio da Manhã), Miguel Sousa Tavares (Expresso), Paulo Baldaia (D.N.), Paulo Pereira de Almeida (D.N.), Pedro Marques Lopes (D.N.), Pedro Mexia (Expresso e Ler), Ricardo Araújo Pereira (Visão), Rui Moreira (A Bola), Rui Santos (Record), Sidónio Serpa (A Bola), Sílvio Servan (A Bola), Tiago Rebelo (Domingo), Vasco Graça Moura (D.N.) e Victor Bandarra (Domingo) »
(Vogais e Consoantes Politicamente Incorrectas, pp. 120-121.)
Gente de carne e osso, e espinha direita, contra o despotismo institucional. Honra lhes seja feita sem desprimor doutros mais.
Só pela brutalidade institucional, pois, o dito Acordo tem ido e – bom! – nem assim sempre.
Quando há poucos meses tive notícia da rejeição do caco gráfico pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha soube que apesar dessa decisão esta se achava subjugada ainda assim ao ditame do governo por via da Imprensa Nacional, que lhe recusava os textos para publicação no diário do governo que não fossem em acordês. Já antes se dera o caso de os ovinos funcionários da Imprensa Nacional mutilarem a ortografia portuguesa por correctagem do Lince aos textos do Tribunal de Viana do Castelo antes de os publicarem no Diário da República; não se livraram então da reprimenda do meritíssimo juiz Rui Estrela de Oliveira por adulterarem textos emanados dum órgão de soberania, com sentença lida de que o designado «Acordo Ortográfico» não vigora como lei nem vincula os tribunais. (Muito menos vinculará privados particulares, individuais ou colectivos, que por irreflexão ou por moda se apressaram no trilho da asneira, mas isso é bem a face da estupidez dos humanos...)
Ontem [anteontem] houvemos notícia de que o juiz Rui Teixeira do Tribunal de Torres Vedras advertiu a Direcção Geral de Reinserção Social de «que deverá apresentar as peças em Língua Portuguesa e sem erros ortográficos decorrentes da aplicação da Resolução do Conselho de Ministros 8/2011 (...) a qual apenas vincula o Governo e não os tribunais (1)». Fê-lo até com certo espírito (embora o Diário de Notícias hoje [ontem] o enfatizasse meio a despropósito no próprio título da notícia e com gralhas):
Magistrado alega que as «actsa (sic) (2) não são uma foram (sic) do verbo atar» e «os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso».
A conclusão parece-me óbvia. Tapemos o nariz.
Onde o Português imperava plácida e serenamente em Portugal mais seis estados independentes e uma região administrativa especial, sucedeu-nos a fatalidade de virem uns tais a tirar os chispes do chiqueiro em que os tinham e meterem-nos (aos chispes) a endireitar o que estava direito. Obraram o bom em óptimo (velhos inimigos) sem curar de optimizar o novo óptimo a condizer. No fundo obraram um cágado sem acento. Ou uma fémea disso (3), para não haver aqui machismo (que modernamente é designado discriminação de género para que os mais modernaços entendam).
Como nestas coisas escatológicas nos não devemos admirar de achar o fim último, que será a Democracia Universal pluripartidária, para onde necessariamente deriva a humanidade (ou pelo menos o Ocidente dela mai-la sua Primavera Árabe), não nos espantemos, pois, da recente irrupção dum monte de partidos ortográficos gerados do tal cágado sem acento. Caso semelhante, pela quantidade, só me lembra o romper de partidos de índole marxista de baixo das pedras tombadas do fascismo nos dias a seguir ao 25 de Abril de 1974, ainda as verdadeiras ervas daninhas não germinavam por ali. Dos escombros do idioma pátrio, agora, adianto alguns novíssimos de que sei – o benévolo leitor há-os já de ter achado por aí:
Já lá não vamos com desodorizante. O cheiro do cágado sem acento é Portugal em decomposição.
Em frente pelo Socialismo! (cartazes de propaganda eleitoral), Cais do Sodré, 1976.
F. Gonçalves, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
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(1) Maiúscula no «governo» e minúscula em «tribunais» decorrerá do Acordo Ortográfico ou é só do chispe do escriba?
(2) Provavelmente o escriba do D.N. não deve ter achado outro meio de pôr o «c» em «actas» senão baralhando as letras; doutra maneira o Lince comia-lhe a consoante.
(3) cf. base XI, 3.º do tal bicho sem acento, o único sítio onde oficialmente se conhecem fémeas na língua portuguesa.
O Sr. Orlando Braga, do blogo Perspectivas, publicou há umas horas uma fotografia do blogo francês Salão Bege com o título «Manifestação de protesto junto ao Grande Oriente de França em Paris». Tratou-se duma manifestação em 24 de Maio do movimento Printemps Français diante da sede da franco-maçonaria. O Printemps Français congrega inúmeros franceses (milhões) contra a destruição do instituto do casamento pelas confrarias dos novos ventos da História...
Bom, se bem informado estou, isto de marchar contra a ventosidade recta da História (ou contra a maçonaria, que hoje por hoje dá no mesmo) costuma ter reflexo na imprensa nacional, mesmo (principalmente) se lhe não ouvirmos eco.
Como não tenho dado ouvidos aos noticiários portugueses (a bem da salubridade doméstica e resguardo das emanações palustres) resolvi todavia há pedaço procurar notícias com a chave «Grande Oriente de França» no notícário nacional de 24 de Maio para cá. Queria ver o que se noticiara no burgo sobre esta afronta à maçonaria pelos franceses. Nem de propósito (ou talvez sim) saiu notícia em 24 de Maio a falar no Grande Oriente de França em dois jornais -- o Jornal de Notícias e A Bola --, mas era em tom mais anticlerical do que popular antimaçónico:
Vaticano proíbe padre francês de exercer
Qual o critério de noticiar da França algo que põe o odioso no Vaticano e como que vitimiza o Grande Oriente de França, e calar no mesmo dia o que o Le Monde e o Figaro diziam de centena e meia de franceses revoltados contra o Grande Oriente de França por este promover o emparelhar homossexual à categoria de famíla?...
Qual a razão de não haver nenhuma notícia do movimento Printemps Français em páginas electrónicas da imprensa portuguesa?
Recordam-me aquelas palavras do prof. Marcello Caetano, em Março de 1974, comentando a ruidosa propaganda da oposição sobre notícias que corriam e deixavam de correr após a intentona das Caldas:
Há por aí frequentes queixumes de que não temos por cá uma informação completa. Nada, porém, que de verdadeiro se passa que ao público interesse, deixa de ser trazido ao conhecimento dele.
A censura parece que não acabou. O que acabou foi a seriedade de nem procurar, sequer escondê-la.
Tive esta semana muito gosto em poder conhecer e cumprimentar o jornalista Pedro Correia na sessão de lançamento do livro «Vogais e Consoantes Politicamente Incorrectas do Acordo Ortográfico» (Guerra & Paz, Lisboa, 2013).
Estou-lhe grato pela estima e pelo livro. Li-o dum trago e lhe garanto, o livro, sim, é inestimável; pelo resumo oportuno e bem circunstanciado desta anormalidade, que pode ajudar a esclarecer muitos concidadãos que andam alheios a este esbulho furioso que nos fazem. A maior parte da gente (começando pelos srs. deputados à câmara que ratificou o caco gráfico e que lá andam agora a ver do baile que armaram) não sabe senão o que se papagueia na televisão e com isso vão, inocentemente, convencidos de que a realidade é o facto consumado da propaganda do «Bom Português».
O livro resume o que se passou e anda a passar: a ideia parida do capricho de meia dúzia; a reforma ortográfica atabalhoada e humilhante com inculcas de culpa nos portugueses (por usarem e reformarem a seu jeito o seu próprio idioma, imaginai!); o descaso de 99% dos pareceres contra o disparate que se adivinhava; a pressa, com intenção de facto consumado, em levar a asneira por diante ao arrepio do bom senso e da Lei; a ditadura institucional (na imprensa, administração, empresas, &c.) contra o melhor alvedrio das pessoas ali; a propaganda falaz como justificação do nefando acto; a censura das TV ao desagrado e oposição geral; o ridículo, o ridículo...
Um livro actual, necessário, que resume com clareza a história até ao momento do nefando «Acordo Ortográfico», tão democraticamente omissa na imprensa (em geral), na rádio e (sobretudo) nas TV.
Os 'oo' lêem-se 'uu'.
Hortas, uma ribeira entre muros, uma ponte e o recorte da serra de Sintra no horizonte. Onde?...
Hortas, [s.l.], 1955-70.
Artur Pastor, in archvo phootographico da C.M.L.
Capela da Sr.ª de Sant' Anna no Vale de Alcântara, Lisboa, c. 1940.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
O lugar de Sant' Anna no vale de Alcântara foi obliterado pela Av. de Ceuta e pelo encanamento da ribeira. Teve (com o seu mui vizinho lugar da Vila Pouca) ocupação no Paleolítico Médio, imaginai -- andou por ali o Homo Neanderthalensis muito antes do seu zénite civilizacional na passada sexta-feira, já do outro lado monte, nas abas da calçada da Estrela...
S. Exc.ª o Presidente da República Portuguesa convocou o Conselho de Estado para hoje. O presidente do arquipélago dos Açores tem assento no Conselho de Estado da Repúblia Portuguesa, mas não vem porque hoje é dia dos Açores.
Mercado de Abril, Belém, 1960-69.
Artur Pastor, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
« No dia 19 de Maio de 1963 (domingo) é inaugurada a carreira 42 de autocarros, que substitui o serviço da carreira 18A assegurando ainda a ligação ao Bairro da Madre de Deus.
A partir de Alcântara-Mar, esta carreira circula pela Rua do Cais de Alcântara, Rua Vieira da Silva, Largo de Alcântara, Rua Maria Pia, Rua do Arco do Carvalhão, Rua de Campolide, Rua Marquês de Fronteira, Avenida Duque de Ávila, Arco do Cego, Avenida Rovisco Pais, Rua Visconde de Santarém, Largo do Leão, Rua Pereira Carrilho, Praça do Chile, Rua Morais Soares, Alto de São João, Avenida Dom Afonso III, Rua da Madre de Deus, Rua de Xabregas, Calçada de Dom Gastão, Calçada do Grilo e Rua Dom José de Bragança até ao Largo da Madre de Deus, onde efectua terminal. No sentido inverso, entre Alcântara e Alcântara-Mar circula pela Rua das Fontainhas e Rua da Cozinha Económica.»C. Filipe, A minha página Carris.
Autocarro [42 ?], Rua da Madre de Deus antes da Cruz da Pedra, 1968.
Fotografia do Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Vista aérea do B.ª da Madre de Deus a Alvalade (adaptação), Lisboa, c. 1955.
Mário de Oliveira. Arquivo Fotográfico da C.M.L., A24574.
Legenda:
A – Quinta dos Machados ou do Dr. Villaça (em sombreado); B – Quinta dos Machados (casal da mesma quinta, além do caminho de ferro, onde se vendiam ovos).
1 – Casa do Dr. Villaça (o «convento»); 2 – Caminho da casa (actual R. Faria de Vasconcelos) desde a Calçada da Picheleira; 3 – Convento de Chelas; 4 – Horta da Maruja (onde o Metropolitano passa em viaduto sobre o vale e sai de/enfia debaixo do chão da Quinta do Armador); 5 – Quinta do Armador; 6 – Quinta das Olaias; 7 – Casal do Monte do Coxo; 8 – Areeiro; 9 – Bairro da Picheleira (antiga quinta do/da Porciúncula ou Casal dos Ladrões); 10 – Bairro da Madre de Deus.
Pois é! Quando o estudo é apressado, a lição vem mal sabida.
Quando me apressei a publicar «O convento» há dias, entusiasmado com uma fotografia de meia casa do Dr. Villaça, estudei mal os mapas do Levantamento da Planta de Lisboa (1904-1911) e saiu-me a afirmação descuidada de que para trás (Norte) confrontava esta quinta do Villaça com a dos Machados e esta por sua vez com a das Olaias...
Errado!
A Quinta do Villaça era a dos Machados. Já o lá emendei -- os mapas 12L, 13L e 13M são claros; em todos eles vem escrito Quinta dos Machados ou Quinta do [Dr.] Villaça.
Bom! Pegando na vista aérea dos anos 50 que mostra esta quinta e muito mais, a quinta dos Machados era mais ou menos como se tira da imagem adaptada. Mas, e quem foi o Dr. Villaça?...
No arquivo da C.M.L. acha-se um processo com sugestiva descrição -- Planta de alargamento e rectificação da calçada da Picheleira até à calçada do Teixeira, aprovado em sessão de Câmara de 11 de Fevereiro de 1904. A planta indica o terreno pertencente a Teodolinda Amélia Cristina Leça da Veiga Vilaça que cedeu gratuitamente para a via pública e a que se refere o seu requerimento designado pelo n.º 8510, que se encontra em anexo (PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/09/02841). Mesmo sem consulta aos documentos, a pista é óbvia.
Theodolinda Amelia Christina Leça da Veiga Villaça (ant. 1840 - ?) filha do comendador José Manoel da Veiga (*) (1794 - 1859) e de D.ª Maria Dorotheia da Veiga. Casou em 1860 na igreja de S. Bartolomeu do Beato com António Augusto de Sousa Azevedo Villaça (1830 - ? ) e era viva em 1904, a depreender do que consta no arquivo municipal. Teve uma filha, Joana Augusta Christina da Veiga Villaça (1862 - ?) que casou em 1886 com Augusto Cesar de Sousa. Viveu D. Theodolinda com seu marido na R. da Boa Vista 91, 2.º, freguesia de São Paulo, onde baptizaram a filha. Mudaram-se para a quinta dos Machados em data incerta («Genealogia de Reis de Lima Chaves», in My Heritage). Especulando eu, talvez entre a data do falecimento do pai (1859) e o nascimento de sua filha (1862).
É verosímil que Quinta dos Machados fosse propriedade do pai de D.ª Theodolinda, o comendador José Manoel da Veiga, deduzindo de que se casou ele, tal como a filha veio a casar-se, na igreja do Beato, por ventura a paroquial mais chegada ao lugar da quinta. Não excluais porém a hipótese de a quinta vir à mão do Dr. Villaça sem ser pelo casamento com D.ª Theodolinda. Certo, certo, de toda a maneira, é que o nome de Villaça veio à quinta dos Machados por via do marido de D.ª Theodolinda, o bacharel de Direito António Augusto de Sousa Azevedo Villaça, dos Villaças da Rua do Terreiro em Barcelos (que é hoje a residência do D. Prior de Barcelos). Comendador, fidalgo da Casa Real, juiz de 1.ª Instância e advogado em Lisboa, o Dr. Villaça foi administrador do 2.º Bairro (**) da cidade de Lisboa (cf. António Júlio Limpo Trigueiros, «Família Leal Gonsalves e Barroso da Veiga», Geneall.net, 10/3/2003).
D.ª Theodolinda publicou em Lisboa, em 1857, os Elementos de instrucção moral para uzo da Mocidade Portugueza. Dedicados a sua Alteza, a Senhora Infanta D. Maria Anna (Lisboa, F.X. Sousa, 1857). Innocencio faz-lhe menção no Diccionario Bibliographico Portuguez, bem assim como às obras de seu pai, Dr. José Manoel da Veiga. Deduzo que sr.ª D.ª Theodolinda tenha servido na Casa Real...
Nada achei sobre a origem do nome dos Machados. Imagino se haverá alguma ligação ao visconde de Benagazil, da família dos Machados, e abastado proprietário e negociante grossista com quinta na Portela...
Apesar da menção ao Dr. Villaça nos mapas do Levantamento da Planta de Lisboa (1904-1911), o nome da quinta dos Machados foi mais perene. Mas até ele se perdeu. Há tempos o sr. do café dizia-me com raro acerto que o nome da Encosta das Olaias era um engano; que as Olaias assentavam em chão doutra quinta: a dos Machados. É só meia verdade, mas é extraordinário que ele o soubesse. O centro comercial das Olaias e o clube estão, de feito, nas terras da Quinta das Olaias. Todavia o bloco do lado par da Rua Arantes de Oliveira, a Escola das Olaias e os prédios novos dos anos 70 nas franjas ao norte da Calçada da Picheleira estão no perímetro da esquecida quinta dos Machados. E mais verdade é ser o próprio arquivo municipal a encarregar-se de baralhar a memória. Uma entrada nos seus índices reza assim:
Urbanização das Olaias: quinta dos Machados (1966)
— Seabra, António Francisco Cruz Carmona Saragga
— Gonçalves, Eurico Ferreira. 1916-2005, engenheiro civil.
Âmbito e conteúdo: Projecto de urbanização das Olaias, na quinta dos Machados, situado na chamada zona marginal à calçada da Picheleira. Inclui a memória descritiva, anuncio [sic] do concurso, programa, caderno de encargos, prescricções especiais, características, cálculo de colectores, de volumes, medições, mapa de trabalhos e orçamento, planta de pavimentos, de esgotos e bacias hidrográficas, perfis longitudinais, caixas de inspecção e queda para cano de manilhas, planta de sargeta [sic] de boca com sifão, caixa com cifão [sic] interceptor, perfis transversais, perfis tipo e planta da sargeta de grade com sifão.
(PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/10/293, sublinhado meu.)
Dizer projecto de urbanização das Olaias na quinta dos Machados é o mesmo que dizer projecto de urbanização do Rossio na Praça da Figueira. A memória é curta, confunde-se na bruma do tempo e cristaliza nas peneiras. O resultado não ficou famoso, como atesta o célebre caso da jovem que, morando na Picheleira, deu em crer que morava nas Olaias sul depois de edificada a chique Encosta das ditas à margem do velho bairro. O corolário é a osmose da Picheleira nas Olaias e/ou vice-versa num conceito geral, hoje... Salvou-se da fama a quinta dos Machados, valha-lhe o esquecimento.
Pois tornando a ela e para acabar.
A única filha de D.ª Theodolinda e do Dr. Villaça, a D.ª Joana Augusta Villaça de Sousa casou em 1886 com Augusto Cesar de Sousa (n. 1858). Sei que estava viúva em Agosto de 1900. Dos netos do Dr. Villaça e de D.ª Theodolinda -- D.ª Maria Victoria Villaça de Sousa, D.ª Luzia Villaça de Sousa Freire de Meneses, José Villaça de Sousa e Augusto Villaça de Sousa -- não sei se herdaram, venderam ou lhes foi expropriada a quinta dos Machados. Dela (da quinta), como contei, só conheci a ruína a que a rapaziada chamava «convento» e o casal além do caminho de ferro (que cuidei fosse doutra quinta), onde ia com a minha mãe aos ovos.
(*) Jurisconsulto. Recebeu ordenação sacerdotal mas alcançou dispensa da Santa Sé para poder casar. Dedicou-se à advocacia em Lisboa e redigiu o Código Penal publicado em 1837 por Passos Manuel (M.ª de Fátima Bonifácio (ed.), Memórias do Duque de Palmela, 1.ª ed. Alfragide, Dom Quixote, 2011, p. 333).
(**) Em 1890 incluía a Conceição Nova, Encarnação, Madalena, Mártires, Pena, Sacramento, Santa Justa, S. Jorge de Arroios, S. José, S. Julião e S. Nicolau (Augusto Vieira da Silva, Dispersos, vol. II., 2.ª ed., Lisboa, C.M.L., 1985, p. 75.
(Revisto ao meio dia e vinte de 16.)
« — Quem ha de ser? é o arcediago de Barroso, um homem sem religião, de pessimos costumes, que tem vivido amancebado toda a sua vida, e que, de mais a mais, tem o desaforo de casar uma das suas concubinas ahi não sei com quem, e disseram-me que continua a viver adulterinamente com ella... Fóra o adultero! Não lhe faltava senão esta!...
— E vm.ce conhece-o?
— Conheço muito bem, oxalá que não. Fomos companheiros no seminario, e já lá prophetisei a rôlha, que viria a ser o senhor Leonardo Taveira... Depois, via-o pelo Porto, e fui jantar a casa d'elle, e sahi escandalisado porque teve o desavergonhamento de sentar comnosco á mesa uma rapariga que tinha em casa...
—Sabe como ella se chamava?
—Sei, sim, senhor. Chamava-se Anna do Carmo...»Camillo Castello Branco, A Filha do Arcediago, 2.ª ed., Porto, Cruz Coutinho, 1858, p. 61.
Chelas, Lisboa, 1983.
(Biblioteca de Wood , n.º 1573, AEC Regal III, HG-13-94 no serviço da carreira 13 em 17 de Outubro de 1983.)
-- A36.
-- Boa tarde! A36, aqui tem a senha...
-- Boa tarde!
-- ... e a A37. E também a A38.
Toca o besouro e doutro canto da loja alguém chama.
-- Senha A37!
Adiante.
Este ano noto que a Empresa Municipal de [Mobilidade e] Estacionamento de Lisboa (é-mel) estendeu o uso de farda ao pessoal que atende na loja. Viva o luxo. Mais uma fardeta a somar ao sortido delas que se vêem aos fiscais nas ruas.
-- Venho comprar o autocolante para poder estacionar o meu automóvel na minha rua.
-- ?... Ah, bem! Pretende renovar o dístico de autorização de estacionamento a residente.
-- Se põe nesse modo... Aqui tem o autocolante caducado.
A Empresa Municipal de [Mobilidade e] Estacionamento de Lisboa (é-mel) cobra taxa aos automobilistas que estacionam nas ruas de Lisboa. A câmara municipal -- que não é dona das ruas da cidade -- ungiu-a com esse senhorio. A Empresa Municipal de [Mobilidade e] Estacionamento de Lisboa (é-mel) arrogou daí um alto espírito de missão em prol do bem comum e concede-me assim a divinal graça de estacionar eu o meu automóvel na rua onde moro sem pagar a taxa ordinária. Mas exige-me que o peça formalmente. Tenho portanto de reconhecer à Empresa Municipal de [Mobilidade e] Estacionamento de Lisboa (é-mel) suserania na minha rua, sob pena de multas certas e contingentes sevícias sobre o meu automóvel. -- Idêntico aos modos do comum torcionário arrumador da cidade, afinal, menos só o colorido -- Chefe. Nao há uma moedinha?! -- A graça do estacionamento é-me assim dada por um ano na forma de autocolante em troca duma soma de dinheiro a título de emolumentos: o equivalente a uns 2400$00 (dois contos e quatrocentos).
-- Ora faça favor de assinar em baixo.
-- Eu não posso assinar este documento.
-- ...?!
A gente que gere esta excrescência municipal de [mobilidade e] estacionamento de Lisboa (é-mel) não se deve ter em boa conta e toma à semelhança de si, por vil, o cidadão que lhe necessàriamente haja de prestar vassalagem. Atira-lhe por isso às ventas com o articulado do Código Penal acerca de falsificação de documentos e aldrabices do género.
-- Não vê vossemecê? Os senhores redigem-me no vosso computador este termo de responsabilidade para assinar em que chapam o artigo 256.º do Código Penal, supondo-me a priori um vulgar aldrabão, se o bem entendo...
-- !
-- ... ao mesmo tempo falseiam no documento a minha data de nascimento. Eu não nasci em 1/1/1910 e a minha carta de condução não caducou nesse dia, bem vê...
Lá fez aquela alma o termo de novo. No fim de pagar perguntei se havia algo mais.
-- Só falta a factura.
-- Factura ou fâ-tura?
Adivinhai.
Este é um verbete que tinha a palpitar havia muito. Faltava-me o móbil. Há anos que andava a ver se me aparecia o «convento». A rapaziada chamava-lhe «convento», talvez das janelas góticas...
A minha primeira aventura por velhas quintas e lugares em vias de extinção foi a explorá-lo, atrás do meu irmão, do Príncipe (o filho do careca da leitaria), do Gabriel (que eu chamava Gabrião por não conhecer o nome) e dum Armindo que hoje bem pode ser comandante na TAP.
O casarão estava em ruínas, sem soalhos nem telhado (ou talvez afinal o tivesse). Tínhamos de andar lá dentro em equilibrismo sobre as traves onde outrora assentaram as tábuas do chão. O que achei graça -- porque nunca então tinha visto igual -- foi a escada para o andar superior que tinha degraus em caracol numa volta de 180º a meio dos andares; ficou-me na ideia e não mai-lo esqueci. Das janelas neogóticas e do anexo à face da rua, tal como do aspecto geral da casa, confesso, já nada me não lembrava. Havia só aquela saudade -- nem sei que idade teria; cinco, quatro, talvez...
Em tempo achei uma fotografia em que lá estava, ao longe, o «convento», ao fundo dum caminho que partia da Calçada e que veio a ser a Rua Faria de Vasconcelos. Era a quinta do Villaça, que se estendia dali, acima da linha férrea e, para poente até alturas da Ruade Olivença [Aquiles Machado]. Por essas terras fui tanta vez com minha mãe aos ovos, por um carreiro que levava a uma quinta [um casal na própria Quinta do Villaça] além da linha do comboio. Essoutra, hoje, a existir, jaz por debaixo do viaduto do metropolitano.
Para trás (Norte) confrontava esta quinta do Villaça com a dos Machados e esta por sua vez com a das Olaias... [A quinta do Villaça também era conhecida como dos Machados.] O nome da dos Machados não vingou, sobrepondo-se-lhe o da quinta vizinha das Olaias que ficava mais ou menos onde hoje há um hotel e onde -- entretanto que a demoliram -- nos anos 70 houve uma serração; a chamada Encosta das Olaias -- empreendimento de Fernando Martins dos anos 80 com risco do badalado Taveira -- assenta muito mais nas terras da quinta dos Machados do que nos da das Olaias. Toda aquela encosta foi por séculos e séculos um declive suave para o vale da Maruja a montante do milenar Convento de Chelas (este um convento a sério, ao depois também fábrica da pólvora) onde o aterro da linha de cintura ainda no séc. XIX há-de ter sido o primeiro perturbador da orografia natural.
O casarão da quinta do Villaça parece bem do séc. XIX, ele também. Tinha porte fidalgo, com as sete janelas da ordem, e frontão. A casa tem no Levantamento da Planta de Lisboa de 1904-11 um anexo grande no lado poente, que já se não via na fotografia aérea dos anos 50. -- Barracões de alfaias [?] entretanto desaparecidos com a desactivação da quinta? -- Com os aterros das obras de Lisboa do século XX despejados nestas quintas ao abandono, mai-lo parcelamento para urbanização dos anos 70 para cá, naquelas terras já se nada hoje percebe de que foram campos bucólicos. Na fotografia já temos o anexo do casarão visivelmente abaixo da cota da Rua Mira Fernandes ainda em embrião. Mas, das cortinas nos vidros, o anexo parecia habitado. Que histórias guardaram aquelas paredes?...
A fotografia devo-a a um velho amigo que sabe o quanto me isto desperta interesse. Diz-me que a achou no livro das fuças no capítulo da escola das Olaias que, já vimos, devia com mais propriedade chamar-se escola do Villaça por assentar em cheio nos chãos desta quinta e não da outra.
Não me identificou ele a senhora nem o fotógrafo que nos dava novas duma próxima chegada da cegonha por aquele tempo. Teria interesse. O que à partida pode ser tido por um fraco cliché para o álbum de família tornou-se um documento raro e valioso para a olisipografia.
O mapa é o 13L do Levantamento da Planta de Lisboa; 1904-1911 (Lisboa, C.M.L., 2005), desenhado por Alberto de Sá Correia em 1908. Nele temos a calçada (ou azinhaga) da Picheleira, as linhas de cintura e de convergência de Xabregas, a estrada, a estação, o convento de Chellas e as azinhagas da' redondezas.
(Verbete revisto em 15/5 às dez para o meio dia.)
Afinal fui lá espreitar, de marcador encarnado para dar os quinaus. Não avancei da parte A, que me fazia mal. O texto mutilado do Público tem redacção dum indigente:
« Berlengas, arquipélago de ilhas e rochedos com encostas muito inclinadas.»
Ora vai uma. Arquipélago aprendi na minha primária que havia de ser ilhas, mas rochedos?!... Desde quando calhaus meios submersos deram em se designar como arquipélago?
Duas. Ilhas escarpadas, alcantiladas, penhascos, havia de lá poder ser! De «encostas muito inclinadas» é só para o que o vocabulário dá.
Mais indigente que o jornalista que redigiu o texto só o imbecil que concebeu a primeira pergunta mandando os meninos ordenar cinco frases pela ordem em que vinham no texto. Que se pretende avaliar? Se os meninos leram o texto da esquerda para a direita e do cimo para o fim da página...?
Credo!
Exame oficial de Português do 4.º ano (4.ª classe), M.E.C., 2013.
(*) Por cortesia de Zephyrus.
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