Quando ela e só ela recortava o horizonte.
Praia da Falésia, Olhos de Água, 198...
Artur Pastor, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Ah! E o campismo selvagem.
« A A.B.L. não fez isso com o intuito generoso de unificar as grafias da Lingua Portuguesa. Não: foi um golpe de publicidade [...]. Foi vender gato por lebre. Foi uma balela desde o começo [...], uma fraude.»
«O negócio do Acordo Ortográfico», O Diabo, 24/VI/2014.
Quando um dicionarista brasileiro ajeita um filólogo português para lhe vender a livralhada, e quando um inútil vaidosão duma agremiação de pseudo-letrados do Rio de Janeiro mete umas cunhas em Brasília para obter autopromoção, chegamos ao absoluto português pateta (português, gente que ratifica e decreta, e português, idioma escrito).
Parece absurdo? É a realidade.
(O Diabo, 24/VI/2014.)
(Retalhos..., 1.ª ed., no alfarrabista Roma.)
É meio irónico pô-lo assim, mas o tempo dos médicos neo-realistas já lá vai. Ninguém já paga ao médico com uma galinha ou meia dúzia de ovos de pata. Esse era o tempo atrasado, das trocas directas e do marasmo da longa noite. Era tempo de Hospitais Civis regidos parcimoniosamente pelo Estado. Tempo de hospitais particulares oprimidos ciosamente pelo mesmo Estado; quando muito permitia-se o hospitalzinho da Misericórdia, pois que isto de ajuntar fortuna à custa das maleitas alheias havia não havia de ser senão coisa do demo.
Era. Salvavam-se nesses tempos tristes umas quantas vidas e até um módico de almas. De caminho continham-se ordenados de médicos porque, ou trabalhavam eles nos Hospitais Civis a preços comportáveis pelo erário, ou se sustentavam num consultòriozinho particular com algumas dúzias de doentes. Tudo muito pouco liberal, mas essa coisa de hospitais de banqueiros a inchar ordenados de médicos e a vender «saúde» ao Estado como se fosse ele uma vaca a que se não acaba o leite é que nem pensar.
Pois, foi tempo... Tempo em que um charlatão aspirante a médico, mesmo perdido de bêbado, assumia -- «Eu sou médico. Tenho obrigação de curar as chagas de carácter social.» -- A ver se não tinha razão: achais aí hoje médico para curar a ganância?
Público do dia de S. João de 2014.
(Revisto à meia-noute.)
Vasco Santana, Fado do Estudante.
A Canção de Lisboa (Cottinelli Telmo) 1933.
Este naco d' A Canção de Lisboa é um primor de graça. Já ouvi intelectuais modernos rebaixar o antigo cinema português ao patamar revisteiro, mas vede a ironia: o humor é do mais refinado, obra de espíritos elevados capazes de elaborar boa comédia. A comédia hoje é ele haver histriões arvorados em intelectuais...
Carlos ser plural é brilhante; quando o às vezes digo a brincar com algum Carlos as pessoas estranham, ficam inexpressivas, sem entender. — Calhando é de eu não ser nenhum Vasco Santana, mas que Car-los é plural não haja dúvida. Já o meu velho amigo Jaime, porém, engraçava mais era com aqueloutra tirada dos «bigodinhos para pendurar balões». Visse ele uma bigodaça daquelas (ou nem tanto) nalguém lá lhe saía a tirada — «Ena! Bigo... bigodinhos para pendurar balões.» — E aquilo é que ríamos, enquanto os de bigodes se quedavam como aqueles outros meus ao ouvirem do Car-los. E ríamos sempre do filme inteiro, sem nos nunca cansarmos de lhe achar graça nem de lhe admirar o espírito.
A cena tem três tempos — Vasquinho da Anatomia, com os copos, arma uma cegada dos diabos; os morras ao fado compõem-se com tiradas espirituosas e hilariantes contra os fadistas, as guitarras, contra o dono do retiro, contra o público e, por cúmulo de absurdo, contra sabe-se lá o que mais: «o fado é o veneno da raça», «matam-se os guitarristas, arrebentam-se com as violas», «eu sou médico, tenho obrigação de curar as chagas de carácter social», «há para aí tantas semanas, porque é que se não organiza a semana antifadista?», «um por todos e todos contra o fado».
«Vantagem de cá», pois.
De permeio as interjeições são duma graça e dum lugar comum popular que infelizmente se hoje já não ouve: — «Chiu, cale a boca, pela sua rica saúde. Você não vê que estão aqui os meus fregueses?»
E o freguês: — «Ó homem isto é de mais, homem!» — E outro: — «Não há direito!» — E a freguesia toda: «Fora! Fora!»
«Vantagem de lá». Foi corrido. — «Põem-me fora mas é porque eu quero» — e — «Vais para a rua que é uma beleza».
Triste, só e abandonado, porém, deixa-se logo ali embalar nas «variações de fado, em ré menor, pelo pelo distintíssimo guitarrista, o... nosso amigo polidor» (se Ti Alfredo era fadista e era marceneiro, este «distintíssimo», sendo só guitarrista, não havia naturalmente de passar de polidor, não é verdade?...) O fado do estudante faz então ponte a um corolário; são os fados cumprindo-se: a rebeldia estulta da mocidade amadurece. Os cartazes anunciam então já o «médico fadista», ainda a caminho de ser doutor, mas artista de «grande atracção», «o célebre cultivador» [cultivava-se para ser doutor?], «inexcedível» «no já célebre Fado da Febre Tifóide»; enfim, «rei dos fadistas», a «maior glória do fado», o «maior cantador do mundo» servido nas soirées elegantes a par do «melhor arroz de frango».
Humor fino.
E moral da história: só bêbados que nem cachos têm desculpa para maldizer o fado.
Podemos ver de novo?
De Esmeraldo Tavares Cordas. Telef. 024145. Mecânica geral.
Auto Mecânica do Sul, Baixa da Banheira, 1963.
João H. Goulart, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
A Av. de Fontes Pereira de Melo no tempo em que andávamos à esquerda (deviam oficializá-lo outra vez hoje, para afinar todo o país com os jornais e a televisão...)
Um eléctrico desce a dita avenida (pela esquerda, só podia vir a descer...); o palacete Sotto-Mayor em segundo plano está lá hoje, firme e hirto, nem sei como. Mais ou menos ali foi o solar da família Mayer...
O palacete de que se vislumbra só um pedaço, à esquerda, no gaveto com a António Augusto de Aguiar já lerpou (lerparam-no). E aqueles prédios de rendimento que se vêem um pouco mais lá diante, ao depois da Martens Ferrão, bom!... Lá vão estando, mas, há muito que a câmara municipal lhes marcou o camartélico destino com pretensões de valorização cultural. Pobre cultura: pagaram a uns gémeos brasileiros por lhes pintarem uns horrendos grafitos; chamam-lhe pomposamente arte urbana, sem que lhes aflore ao bestunto o design que faz um cão mijando contra a parede e que vem de muito antes de nas urbes haver candeeiros de iluminação a gás... -- Serei só eu que me darei conta?...
Não sei quem é o senhorio de tal património, mas, não é uma riqueza possuir aquilo ali só para o deitar a baixo?
Avenida de Fontes Pereira de Melo, Lisboa, post 1906.
Joshua Benoliel, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
No tempo da Emissora Nacional os noticiários na rádio levavam 1 minutinho se tanto. E cabiam neles as notícias todas. Esta manhã às 8h00, o sucedâneo «plural» e «livre» da antiga Emissora lambuzou-se 10 monolíticos minutos com uma única notícia... acerca dos matraquilhos.
«Considera-se bem informado?», Diário de Lisboa, 17/I/974.
Recorte de José, na Porta da Loja.
Bem sei que o assunto candente do momento é aquilo e já não é isto, mas como me passaram debaixo da vista «Os Excentricos do Meu Tempo», obra curiosa (e também já ela pouco candente) de Luiz Augusto Palmeirim, surgiu-me a destempo uma associação de ideias.
Quando o velho actor Matta-Castelhanos era o último representante exímio da arte velha do teatro português, deu ele em ensiná-la, por reconhecida amizade, ao neófito actor Izidoro. Entre as qualidades mais apreciáveis num actor em cena -- pisar bem, preparar a entrada, gesticular e quadrar-se bem, &c. -- havia de saber cair bem:
Não é a política um palco?
Havia há dias uma batata caída no caminho ao pé do infantário. Ainda lá estava depois do feriado, redondinha, mesmo a pedir para jogar com ela à bola. Alembrou-me de em gaiato...
Em gaiato, lá na rua é que havia uns com o bichinho do pontapé na bola, sempre sem conseguirem estar no que fosse a não ser a jogar a bola. Naqueles tempos, uma lata vazia, uma garrafa de plástico deitada fora, qualquer coisa que se pudesse chutar sem se desfazer nem fazer mossa nos pés (e ainda assim) e lá vinham umas fintas... Ainda agora se isso vê em latagões de sempre alienados ao futebol; topam-se amiúde... — Mesmo assim eram tempos em que não abundavam pela rua objectos perdidos capazes para o pontapé, salvas as pedras da calçada, que não davam jeitinho nenhum para uma futebolada. De modo que achar uma batata...
A grande dificuldade era havermos chincha (*) a sério para dar uns toques, para jogar um desafio como devesse ser. Bolas de borracha lá na rua eram só dalguns afortunados que as tinham, normalmente birrentos como o caneco e que, volta não volta, amuavam por mau perder ou por lhes não passarem a bola em todas as jogadas. Iam dali com a bola só sua e amandavam-na para a varanda da avó. Arrumavam de vez com o divertimento de todos por capricho particular e pronto!...
Das bolas de borracha que havia, as mais vulgares que me recorda, eram umas dos iogurtes Grande Ponto. Quem juntasse 25 frascos dos iogurtes ia à fábrica que era mesmo lá na rua e podia trocá-los por uma bola de borracha. A minha mãe não apreciava desafios de bola como eu nem nunca teve a paciência de me deixar ajuntar 25 frascos de iogurte; bem lhe eu o pedia, mas logo que somávamos 5 deles, trocava-os por 1 copo de vidro, o outro brinde da fábrica dos iogurtes. Calhava-lhe decerto melhor sobretudo por me não agravar o risco de vir a quebrar alguma vidraça aos vizinhos com boladas. Coisas de mãe.
Uma vez comprei uma bola de plástico na drogaria do Sr. Aníbal; eram a vinte e cinco tostões, baratinhas à brava! Percebi logo como ninguém as não comprava: dois pontapés mais valentes e a bola rebentava-se; por isso todos as desprezavam como coisa de bebé. Ainda me soam os outros: — Hi, uma bola de plástico, pff!...
Lembro-me ao depois de, finalmente, ainda franzino, ter desencantado dinheiro nalguns recados a carregar garrafões 5 L de água do Luso (aos pares) para o sr. Praças e no aviar de mercearias, drogarias e uns Alka Seltzer na farmácia para a D.ª Libânia. Consegui comprar uma Futebol 2 de borracha castanha; era maior que a Futebol 1 e mais em conta que Futebol 3, a maior de todas.
Azar desgraçado!
Estávamos nas primeiras vezes a jogar aos centros e num remate desajeitado meti-a eu próprio pela janela do velho do 72. Cavámos dali todos a correr que o velho era carrancudo e embesoirava com as nossas jogatanas de rua. Nunca me afoitei em lá ir pedir-lha, não fosse ter partido alguma jarra à mulher do velho ou algo assim e ter de lha pagar.
Isto era o que havia de bolas lá na rua e nem era mau, comparando... — Às vezes tresmalhava-se por lá pela rua algum copinho-de-leite mais precioso, equipado a preceito, com botas de jogador (não sabíamos dizer chuteiras) trazidas de Badajoz e bola de cá-de-chumbo (ninguém sabia do que fosse caoutchouc e cá-de-chumbo soava mais que certo; aquelas bolas pesavam que fartavam). Estas aparições de cromos de caderneta eram um acontecimento, mas também ele era ver a inveja roer-nos fundo por o bijou não querer passar a bola a ninguém para dar um toquezinho sequer, nem querer fazer um desafio por se lhe não engelhar o equipamento. Meninas do caraças, pareciam o Nené!...
Bola de cá-de-chumbo do Mundial de 74...
(*) Chincha era bola na nossa gíria de rua. Não lhe encontro este significado nos dicionários que consultei. Não sei se se usava noutros bairros.
A «Garage Parisiense» foi, inicialmente, propriedade da firma «Laurencel & Oliveira», importadora dos automóveis «Mors» e «Delâge», tendo o seu stand de vendas de automóveis na antiga Avenida D. Amélia, actual Avenida Almirante Reis. Estas instalações na Rua Andrade Corvo, eram as oficinas.
Anos mais tarde, a «Garagem Parisiense», passou a ser propriedade da firma “Vaquinhas & C.ª, Limitada”, que tinha o stand de venda de automóveis na Avenida da Liberdade, mantendo estas como oficina.Comentário de José Leite em 11 de Junho de 2014.
Garagem Parisiense, Rua Andrade Corvo, 1969.
João H. Goulart, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Sucedeu a este edifício um mai' moderno aí pelos anos 60. O nome manteve-se. Há um ano ou dois ainda havia por lá uma sucursal da soc. Santogal ou algo que o valesse. Então fechou. Anda agora em obras. As letras na fachada, com o histórico nome ainda as lá via ao depois de tirarem os reclamos da soc. Santogal. Não sei se com as obras lá ficarão. Não sei o que vão fazer ali...
Garage Parisiense, Rua Andrade Corvo, 190...
Alberto Carlois Lima, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
O espírito que inspira as gentes a chamarem «olheirada» a uma espreitadela do Sol no meio dum dia chuvoso eu compreendo-o. É o génio da língua falando pela voz espontânea do povo; dá jeito criar nomes claros e úteis para coisas da natureza e com ele avisar talvez os vizinhos de podermos, por ex., secar o milho na eira.
Já do espírito que inspira outras gentes a crismar como «reacção vagal» o desfalecimento dalguém, sinceramente, nem sei que vos diga...
António de Morais Silva (rev. de A. Moreno, C. Júnior e J. P. Machado), Grande Dicionário da Língua Portuguesa , vol. V, Quid Novi, Matosinhos, 2002.
A ver se me amanhã não descai o pé além da Junqueira. É hábito nestes dias pregarem por lá medalhas nos indígenas mais destrambelhados...
Agência Funerária Armando Batista, Mercearia Lusitânia, Fábrica das Alpargatas, &c., Rua de Belém, 1939.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Comprei agora ali um Cornetto de chocolate (não havia Super Maxi). Custou 260$00. Lembro-me de o Cornetto ser o gelado mais caro dos cartazes e custar... já nem sei: 7$50?
Luís Cruz-Filipe facultava até há pouco duas preciosas páginas na rede com o maior e mais detalhado repositório de dados da história das carreiras da Carris que conheço. Inúmeras vezes me socorri do seu saber ali para datar fotografias do arquivo municipal; os dados publicados por Cruz-Filipe circunstanciavam com muito rigor o período de funcionamento e os itinerários das carreiras da Carris. E assim...
A última vez que consegui tirar informação daquelas páginas foi para datar esta da Avenida dos Estados Unidos; o arquivo da câmara municipal atribuiu-lhe a data de 1974 com base em notas do autor; sucede que o autocarro 47 (pode ampliar imagem para ver), segundo me lembro de ter lido nas páginas de Cruz-Filipe, acabou em 1971.
Não cuido que se possa Cruz-Filipe haver enganado. Mais facilmente acredito haver mistura do espólio de Artur Pastor.
Este 47 foi um sucedâneo do 21 que, durante anos, teve como destino o Largo Frei Heitor Pinto. A criação do 47 parece que foi por se fazer uma alternativa pela Av. do Rio de Janeiro ao itinerário do 21 (que era pela Av. da Igreja) e cuido que este 47 se extinguiu em 1971 por fusão com o 44.
Isto é o que retive de haver consultado as páginas de Cruz-Filipe antes de haver ele fechado a locanda.
Como não há bem que sempre dure nem mal que se não acabe, talvez os entendidos em transportes reconheçam o laborioso trabalho de Cruz-Filipe e permitam que torne ele a facultar-nos as suas preciosas páginas da história das carreiras da Carris. Ficaríamos todos a ganhar.
Av. dos Estados Unidos da América, Lisboa, c. 1971.
Artur Pastor, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
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