Estava há pedaço em conversa com o meu bom amigo Sr. V. quando me ele perguntou se vira os prós e os prós ontem, sobre a T.A.P.. Respondi-lhe que nunca via esse programa, por ser, justamente, só de prós e prós. Ora sendo eu do contra...
Ele não se desconcertou e cá me veio até dizendo que estava muito preocupado com a T.A.P. e que lá viu, no programa, e apreciou ouvir, um economista, duns que fazem previsões macroeconómicas; do que dizia e afirmava, pareceu-lhe (ao meu bom Sr. V.) dava a entender ser um entendido com uma boa cabeça...
Pois eu -- atalhei-lhe -- desses das previsões macroeconómicas tenho ideia de algo assim entre os magos da Idade Média (o Merlin do Rei Artur) e uns que ainda agora lêem o futuro nas folhas de chá. Com a diferença de que a macroeconomia é ciência porque se estuda na Universidade; é uma vantagem...
E com isto sempre lhe disse que a birra (em democracia diz-se greve) dos aviadores, segundo leio eu próprio nas folhas de chá, apenas há-de ter dois desfechos, que acabarão por ser o mesmo: ou a greve é desconvocada com anúncio na imprensa de um arranjo qualquer para todos salvarem a face; ou a greve se mantém mas poucos ou ninguém na há-de fazer.
A/B Margarida Rouillé com 6.º uniforme da T.A.P. na entrada de ar do reactor dum Boeing 707.
Aeroporto da Portela, 1968.
Estilista: Sérgio Sampaio.
Fotografia: Dante Vacchi, in Museu da T.A.P., 122FOTG.
O Exame Prévio no Estado Novo achava-se enquadrado na lei, era forçado por oficiais da verdade para resguardar os comuns das verdades subversivas.
Como acabou entretanto o Estado Novo, para gáudio da classe operária e alegria geral do povos oprimidos na tal verdade oficial, por sobre o seu vazio medraram oficiosamente as verdades subversivas: cada uma delas esquisso de pluralidade; todas à uma dando aos comuns a boa-nova da nova verdade oficial. Coagindo à mascarada, não já oficiais enquadrados na lei, mas bandoleiros da verdade bramindo ameaços da fundeza das cafuas.
Parece que fazem parte da democracia, como a liberdade de expressão e a imprensa livre...
As avós diziam criadas; a minha mãe mais não dizia que empregada; a Sr.ª D.ª Maria Luísa, ratificando a modernidade, chamou-lhe colaboradora. Mas o pós-moderno é muito mais democrático.
P.S. — A história da despedida no quartel do Carmo, ao descer s escadas entre duas filas de soldados armados (que ninguém mandou combater...) é rigorosamente exacta. Todos eles me iam dizendo uma palavra de conforto e ânimo: «Adeus, senhor Presidente!», «Boa sorte, senhor Presidente!» e é verdade que alguns o diziam com lágrimas. Aliás, o comportamento das praças, dos sargentos e oficiais práticos (vindos de sargentos) foi excelente e correctíssimo. Quem falhou pela inércia (ou cobardia) foi o general e os oficiais superiores que o cercavam e que, se não estavam comprometidos com a revolução, pelo menos não a queriam hostilizar.
Caso curioso: no quartel da Pontinha, onde depois estive preso até embarcar para a Madeira, também os soldados que me puseram de sentinela foram correctíssimos. Algumas vezes tive de atravessar um corredor onde eles estavam e nem uma só vez deixaram de se perfilar à minha passagem. Não sabiam do que se passava? Ignoravam a minha situação? Ou era o hábito adquirido e ainda não perdido?
Depois, no Funchal, é que assisti à rápida degradação da disciplina e aos mais indecorosos espectáculos de soldados anarquizados...Marcello Caetano... in Maria Helena Prieto, A Porta de Marfim, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1992, p. 284.
(Chapa do marinheiro no gab. de Silva Pais encenada por Alfredo da Cunha.)
Nas horas de tristeza íntima pergunto muitas vezes por que razão o Poder não teve força no dia 25 de Abril para impor a legalidade. Porque não foram tomadas as medidas urgentes, mesmo com o recurso à força, para impedir a Revolução? Quero eu dizer que se me tornava difícil aceitar a tese do fatalismo com que muitos explicam a queda do regime. Mas lendo agora o seu Depoimento, tenho de concluir que o recurso aos meios legais não era uma solução bastante para evitar tamanha desgraça.
Portugal não estava doente, como para aí se propala. Mas a subversão de tal forma se havia infiltrado nas escolas, nas repartições e nas esferas burguesas que o espírito da mudança acabou produzir os seus frutos. Já não falo na estratégia das potências estrangeiras que manobravam contra os reais interesses do país, desacreditando o poder vigente e deturpando a realidade da situação. O brilhante panorama do Portugal de hoje [1975] mostra à evidência o alcance da traição, com a loucura a que conduziu a acção dos falsos profetas, muitos aliados do imperialismo internacional. O anseio da democracia não passou de um mito para embebedar as multidões, pois o único objectivo dos Abrilinos foi o de entregar a Guiné, Angola e Moçambique com as suas indefesas populações, aos chamados movimentos de libertação.
Tínhamos, portanto, de sofrer esta grande provação, a mais trágica da vida multissecular da Nação portuguesa. Quebrou ela os valores do patriotismo, destruiu um património moral e instilou o ódio entre as classes sociais — até mesmo no seio das das famílias. O castigo foi demasiado cruel para quem não o merecia e não há vislumbre de esperança para redenção por que os portugueses tanto anseiam. Será já isto o começo da longa noite que a morte reserva aos que perderam as amarras da História? Não sou profeta, nem o pretendo ser, mas considero que Portugal virou a última página do destino e que o fez com baixeza, porque não curou do mais sagrado duma comunidade que é a vida e o futuro dos seus filhos. Quem hoje se gaba de ter encerrado o «ciclo do Império», seria melhor que se visse ao espelho da consciência que não perdoa aos néscios e aos traidores o crime que praticaram.
Eu avalio quanto o Senhor Professor não há-de sofrer quando pensa na situação actual. Mas só tem motivo para se considerar tranquilo de consciência, porque se deu de alma e coração ao nosso País, porque foi digno na sua maneira de governar e nenhuma culpa lhe podem assacar os inimigos. Nem sempre se tomaram as decisões enérgicas que o decurso da situação exigia? Permitiu-se a muitos que ocupavam altos cargos políticos a traição que eram incapazes de dissimular? Foi-se longe de mais no jogo da tolerância com os adversários do regime? Nada disso pode atingir o Senhor Professor que salvaguardou o respeito pelos valores fundamentais e nunca recorreu a métodos lesivos dos direitos humanos. Ao contrário do que fazem agora os libertários do 25 de Abril e do 28 de Setembro. Dá-me pois vontade de sorrir quando ouço a mentira constantemente repetida de ser «fascista» o antigo regime. Se o fosse realmente não teria soçobrado de maneira tão ingénua pois usando as medidas ao seu dispor ter-se-ia batido e, sem dúvida, ganho a batalha da revolução.Joaquim Veríssimo Serrão, «IX. Carta do autor ao Professor Marcello Caetano, Lisboa 12.Fev.75», in Correspondência com Marcello Caetano, 2.ª ed., Lisboa, Bertrand, 1995, pp. 29-30.
Fotografias:
Creche, Angola, ant. 1974. S.E.I.T., s/ n.º, cx. 453, env. 1, por gentileza do Sr. Ant.º Fernandes.
Portugueses retornados de África, Lisboa, 1975. Alfredo Cunha, in Público, como ilustração duma qualquer história de sucesso que alguém quis contar.
A emissora 2 -- a da música erudita -- veio-me esta manhã com uma arenga que foi notícia há um ano: a P.I.D.E. (i.é, a D.G.S.) prendeu e interrogou pessoas em 25 de Abril de 1974 (Jacinto Godinho et al., R.T.P., 25/IV/2014). A costumeira lavagem ao cérebro a funcionar por altura da feira de Abril, já estamos habituados. E assim lá se ouviu o escândalo de os ignóbeis agentes da D.G.S. terem ido trabalhar naquele dia e cumprirem a missão que lhes competia e por que, afinal, eram pagos, quando os lateiros dos oficiais subalternos do Quadro Permanente do Exército faziam um levantamento de rancho, por mais dinheiro e, por andarem sumamente contrariados em (poder) ter de dar o coiro pela Pátria.
Do Jacinto Godinho, entrevistado com o protocolar fervor Abrileiro pelo locutor de serviço, ressoou, requentada, esta manhã a contrariedade de a D.G.S. não ter sido extinta, se não quando os recos da Escola Prática de Santarém deram a mijinha matinal na alvorada da liberdade, pelo menos tão logo que Tareco se pôs a bafejar no megafone, empoleirado na cabina telefónica do Largo do Carmo. Pior de tudo ainda é -- revelou esse Godinho -- um mês e meio de obscuridade entre o dia do grande acidente nacional e a extinção da D.G.S., em que não sabe bem o que foi feito dela. Pois era ele perguntar aos socialistas e comunistas de serviço à libertação que voragem que deram à tenebrosa naquele entremez ou, à falta de resposta, procurar pela coisa em Moscovo...
Caça às bruxas, Rossio, 1974.
Paris Match, 11/5/75, apud Porta da Loja.
Cem Anos, Cem Árvores. Lisboa planta 100 árvores
Leio isto e penso. Salvos os eucaliptos, não será o plantio de árvores coisa sempre de louvar? Acha o benévolo leitor ser necessário arregimentar pretextos (arregimentar é bem o termo) para o fazer?!... E que me diz de o pretexto ser, como vai escrito, o centenário do começo duma guerra?
Fala-se de mais por encher o vazio. Das vidas e das cacholas. Pois continuem essas cacholas a vegetar desta maneira por aí, continuem, que a câmara municipal depressa, depressinha se entreterá em dar-lhe o arroz...
(Imagem de entretenimento para cacholas vegetais da página oficial da vegetação militar.)
Revisto.
« Quando te dava para brincar, eu ficava feliz, porque acreditava que a amargura do exílio te concedera algumas tréguas. Seria verdade? Pode ser no entanto que quisesses apenas ser amável comigo, desanuviando-me. No dia 23 de Abril de 1978 tu dataste desta forma a tua carta:
Rio, dia de S. Jorge — Ogum na Umbanda, Oxóssi no Candomblé — Senhor do ferro e do fogo, e de tudo quanto é lume e metal! E, no vocativo, o meu nome era amigavelmente parodiado... Mas, depois deste exórdio divertido, não obstante algumas amabilidades pelo meio, o texto da tua carta era feito sobretudo de ironia amarga:
Já estava estranhando a demora da carta devida, embora fosse recebendo com regularidade os periódicos em que se retratam as vicissitudes da tragicomédia do encravadíssimo regime que começou com cravos e agora não sabe como se desencravar. E a solicitude amiga da diligência e selecção informativa tem sido tão exemplar que até omitiu as folhas de que constou o andamento do famoso processo [*] em que eu, por ter cometido o grande e órrível crime de ser chefe de um governo constitucional, vou ser condenado (são favas contadas!) a 12 anos de prisão maior celular, com algemas nas mãos e grilhetas nos pés, sustentado a pão negro sem laranja, que esta era luxo dos presidiários no tempo em que o quarteirão era barato. Agora, pelo preço a que estão aí as laranjas, era o que faltava dá-las aos fascistas! Eu por mim até acho bem. Vou confessar tudo. Porque estou convicto do crime. Numa dada sociedade o delito é a infracção daquelas normas que são reputadas pelos legisladores como padrões do comportamento individual na vida de relação. Ora, na actual sociedade portuguesa, que modelo apontam os senhores da classe dominante? Eles assaltaram bancos, eu não. Eles andaram conspirando com os inimigos da sua Pátria, eu não. Eles entregaram de moto próprio, sem consulta nem licença de ninguém, a estrangeiros, grandes parcelas que a Constituição do País e a História e o consenso nacionais consideravam território português: eu não. Eles ordenaram às forças armadas que assistissem passivas à invasão das terras que tinham o dever de defender ao massacre das populações, à violação das mulheres, à pilhagem dos haveres dos colonos, à destruição de tudo o que recordava a civilização portuguesa de África, ao enxovalho da bandeira nacional — eu não. Até mandaram ou permitiram que forças do exército português dessem aos adversários da véspera as armas que traziam, as fardas que vestiam, as botas que calçavam, para depois desfilarem gloriosamente em cuecas a caminho da terra natal: eu não. Eles tumultuaram a sociedade portuguesa, desfizeram hierarquias, anarquizaram empresas, arrasaram a economia, pararam obras públicas e deixaram arruinar infra-estruturas: eu não, Eles dilapidaram ouro e divisas: eu não. Eles percorrem o mundo de chapéu roto na mão a pedir uma esmolinha para matar a fome à moribunda democracia portuguesa: eu não. Eles comprometeram e de facto alienaram a independência de Portugal: eu não. Etc.., etc., etc.
Ora, se o meu comportamento é tão gritantemente divergente dos padrões normativos do regime que vos rege, sou ou não sou um grandessíssimo criminoso? Que ainda por cima aceitei governar um Estado cm que havia Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária, Pide... Arre, que é demais! Como se numa época de ampla e franca permissividade fosse admissível tamanho aparelho repressivo para evitar e perseguir assassinos, ladrões, subversivos, traidores à Pátria, perturbadores da ordem pública... Mas, meu Deus, onde estava eu em Setembro de 1968 que não via que tudo isso atentava contra a sã moral que os terroristas tão galhardamente defendiam? Que falta de visão, a minha, ou melhor de previsão, porque qualquer pessoa com dois dedos de caco via logo que tudo aquilo era contra os direitos humanos (dos agressores, porque das vítimas, ou dos ameaçados de o serem, não reza a História) e que fatalmente em 1975 um Conselho cheio de autoridade moral, integrado por militares que nunca fizeram mal a uma mosca e de quem os inimigos em campo raso só tinham conhecido os traseiros, havia de, num rasgo de brilhante afirmação de Direito, declarar que quanto se passara nos 50 anos anteriores era crime!
Não vou apresentar-me de corda ao pescoço numa atitude que ofuscaria o Egas Moniz, por respeito por esta nobre fìgura histórica, a quem Deus me livre de tirar o lugar. Aliás o D. Egas levou com ele a mulher e os filhinhos e eu sou viúvo e os meus filhos já são tão crescidos que desconfio que não estariam pelos ajustes de tomar parte na barracada. De modo que fico aguardando a acusação. Com o coração contrito e humilhado, como recomenda o salmo. Mas pouco fiado em que Deus se queira meter neste assunto que enche de ridículo quantos nele se disponham a participar...»Maria Helena Prieto, A Porta de Marfim; Evocação de Marcello Caetano, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1992, p. 92-93.
[*] — Julgamento. Não sabes que uma lei do Conselho da Revolução, de 1975, condenou todos quantos tivessem sido presidentes do conselho entre 1926 e 1974 à pena de 8 a 12 anos de prisão? E que há um mês pareceu-lhes que era melhor instaurar-me um processo, para ficar mais bonita a condenação que, assim, por lei, não tinha jeito? Não percebo bem a utilidade do processo, onde não posso provar que não fui Presidente do Conselho e não me chamo F. de tal... E, não podendo provar esses factos, a condenação é fatal. São uns brincalhões... (carta do Prof. Marcello Caetano à autora em 9/5/1978, in op. cit., p. 106).
« [...] Entretanto a Amália chegou e com espantoso prestígio mobilizou portugueses e brasileiros para a ouvir [...].
Não fui a nenhum dos espectáculos, temendo comprometê-la politicamente. Mas para Portugal, para matar a nostalgia do lusíada, coitado, há um ersatz do fado, diria mesmo um fado culinário — é o bacalhau. O português mata as saudades da santa terrinha engolindo a sua bacalhauzada. E é tal a crença da aliança íntima entre a nossa nacionalidade e o dito peixe seco que, quando os brasileiros querem homenagear um português, zás, dão-lhe bacalhau! Os brasileiros jantam cedo, aí pelas 6½ , 7 horas da tarde. Mas, quando vou fazer conferências fora do Rio, há, em geral, uma ceia, oferecida pela Universidade ou entidade convocante, depois da função. E o meu estômago delicado, que em Lisboa só tolerava um bacalhauzinho bem disfarçado ao almoço, já tem sido bombardeado depois da meia-noite com uma realíssima posta de bacalhau alto ou com um Gomes de Sá bem condimentado e acebolado. E não acontece nada... Há dois dias, justamente, um português que aqui vive há muitos anos, amigo da Amália, que andou a acompanhá-la e foi conduzi-la ao aeroporto, no regresso, telefonou-me com voz cava, a dizer que 'estava na fossa', só de todo, até os amigos tinham desaparecido naquela tarde... Faria eu a esmola de ir comer um bacalhau com ele? Devo-lhe atenções inúmeras. Claro que fui. Num restaurante português modesto banqueteámo-nos lautamente, eu com uma e ele com três suculentas postas de bacalhau, regado a vinho, que ele quis verde, porque é minhoto, mas eu, com alguma noção da decência em matéria vinícola, não dispensei de que fosse tinto e maduro. Estás a pensar, ó adorável adoradora do pensamento clássico, que no final discutimos algum profundo tema ligado ao enigma do destino humano ou pelo menos à falta de enigma da próxima bancarrota da pátria portuguesa. Ledo engano! A discussão travou-se, como convinha após um ágape tão carregado de inspiração, mas sobre as virtudes da água-pé e os processos de a fabricar com melhor aroma, sabor e conservação. E garanto que se Platão estivesse presente teria registado o diálogo com o mesmo apuro, a mesma exactidão, a mesma devoção com que deixou para a posteridade as palavras de Sócrates. Mas não estava. O que de certo modo foi pena. Porque a filosofia já está esgotada por milhares de sábios e dezenas de escolas. A água-pé, não. »
Marcello Caetano, «Rio. Julho. Inverno com calor», 16/7/1978, in Maria Helena Prieto, A Porta de Marfim. Evocação de Marcello Caetano, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1992, p. 156-157.
(Bacalhauzada da Teleculinária.)
Vinha esta manhã pela rua fora sobraçando uns livros e um velhote ao pé da montra da farmácia fixou muito para o que trazia. Este vinha voltado para fora. O que pensou lá ele não sei.
« As ideias que defendi e procurei pôr em prática estão bem claras nos pronunciamentos feitos durante cinco anos e meio, na sua maioria reunidos em volumes impressos. Claro que em matéria Ultramarina, tendo de lutar contra a subversão armada, de defender na retaguarda os militares que combatiam por Portugal e de fazer frente à grande ofensiva dos governos africanos, asiáticos, comunistas e socialistas executada nas Nações Unidas; e pelos meios de comunicação em todo o Mundo, todo o cuidado no procedimento do governo português era pouco: sabia muito bem o que queria, mas também sabia que declarações prematuras e demagógicas comprometeriam, porventura irremediavelmente, os meus propósitos. Disse mais de uma vez que o futuro português no Ultramar se jogava ao sul do Equador, e não podia arriscar Angola e Moçambique para resolver o caso da Guiné. Todos quantos tenham lido os vários passos em que expus as razões contrárias às negociações spinolistas antes de 74, verificam que eu tinha perfeitamente definido o que pensava e o caminho a seguir.
O mal foi a inversão de papéis, quando as Forças Armadas quiseram passar do seu papel constitucional e normal de instrumento da política nacional, a definidoras desta.»Marcello Caetano, «Notas à margem do livro de António de Spínola, 'País sem Rumo', Lisboa, 1978», in J.V. Serrão, Correspondência com Marcello Caetano, 2.ª ed., Lisboa, Bertrand, 1995, pp. 230-244.
Estou ansioso por ler o Depoimento. O semanário «Expresso» publicou extractos de maneira tendenciosa, enquanto a restante imprensa anunciou o próximo lançamento da obra. Mas circulam rumores de que certas forças políticas intentam adquirir todos os exemplares para impedir a venda ao público.. Não seria abusar da amizade do Senhor Professor, pedindo o envio de um exemplar? Pode ser para a morada de D. Angel Marcos de Dios, Calle Vasco da Gama, 5, Salamanca, España. Este bom amigo far-me-á chegar o livro sem qualquer risco.
Joaquim Veríssimo Serrão, «VIII. Carta do autor ao Professor Marcello Caetano, Lisboa 15.XI.74», in Correspondência com Marcello Caetano, 2.ª ed., Lisboa, Bertrand, 1995, pp 28-29.
* *
Disse-me o Fernando de Passos [Director Editorial da Verbo] que as Minhas Memórias de Salazar tiveram um grande êxito livreiro. Esgotou-se a 1.ª edição de 10 mil exemplares e o mesmo sucedeu com a 2.ª de 5 mil. Vão aumentar esta edição com o mesmo número para satisfazer os constantes pedidos dos livreiros. A TV recusou-se a anunciar a obra e os jornais pouco falaram nela, o que comprova os limites da chamada democracia. As pessoas com com quem falei não têm duas opiniões: trata-se de um livro admirável pela forma e pelo estilo, um grande marco para a biografia do Doutor Salazar.
Id., «LXII. Carta do autor ao Professor Marcello Caetano, Lisboa 6.9.77», ib., p. 113.
(Imagem: Minhas Memórias de Salazar, 4.ª ed., Verbo, 2000.)
A Portucel andou nas notícias ontem por dizer que havia de recrutar 100 trabalhadores (criação de 100 postos de trabalho, é como estraleja esta publicidade de intenções, não de factos, nos noticiários). Mas um facto, porém, havia na notícia:
Diogo da Silveira [da Portucel] revela ainda que se a floresta estivesse mais organizada, a Portucel evitaria a importação de mais de cem milhões de euros de matéria-prima (Frederico Pinheiro, «Investimento de € 30 milhões gera mais de 100 novos postos de trabalho na Portucel», R.T.P., 15/IV/15).
Ocorreu-me de súbito que o eucaliptal por esses ermos e serranias do reino ainda não é suficiente. Por outro lado, talvez ajude a perceber o corte de árvores ainda há dias em Arroios, de que se quase não acha notícia ou explicação, como outro há tempos no Largo do Leão.
O culto da árvore; alunos plantam árvores no antigo Largo do Matadouro, Lisboa, 1910.
Josshua Benoliel, in archivo photographico da C.M.L.
Depois de sabermos do motorista do Sócrates se chamar Pernas, ficámos a saber há dias que o chauffer dos Espiritos Santos se chama Maneiras. Uma burguesia que se aceite, já não digo que houvesse de haver motoristas Joaquim ou Agostinho, vulgares nomes, mas então arranjasse alguém chamado Rodas ou Manobras...
Motorista, Lisboa, 1944.
António Passaporte, in archivo photographico da C.M.L.
A faina da minhoca, um passo na agenda, teve honras publicação metafórica. Na verdade houve lá honras a ministro... Uma surpresa.
Salvas as estátuas de ministros passados que por aí bronzeiam ao sabor do defecar dos pombos, nunca me tal acontecera: um passarão ministro poisar-me adjunto a menos de 100 (que digo?! 20! 10!...) metros. Eis no que me dá flanar por congressos da minhoca a que a faina de meus mesteres me encaminha. Tivera eu adjuntado a importância àquilo que realmente ministerialmente importa e olhado sequer o programa da minhoquice, não haveria hoje aí ministro de inconsciente resplendor por fortuitos encontros com este vosso atento venerador e obrigado. Valeu-lhe a honra de me haver por lá do meu descaso. Por mim, fintas do destino.
Pois bem, mas da faina da minhoca acabei por guardar nuns linguados de papel umas larvas-chavão (palavras-chave duma concepção minhoca da realidade) do melhor que a cultura catedral-académico-empreendedoral -- e por fim, também, governamental -- destes espumosos dias produz. Isto por veneranda atenção ao benévolo leitor e pessoal desfastio, o que é quase uma redundância porque poucos além de mim lêem estes desabafos. -- Ah, e para memória futura, já que, de ligeiras, ligeirinhas, velozmente estas modas mudam e eu ràpidamente as esqueço, se as aprendo...
Logo na 1.ª oração: maximização, inovação, competitividade, retorno de investimento, boas práticas, empregabilidade. -- Falharam na 1.ª, mas afloraram imediatamente na 2.ª oração, a inevitável pró-actividade e derivados (pró-activo, pró-activamente) e o infalível empreendedorismo. Mais vespertino foi um alavancar, não sem que antes as boas houvessem de passar a melhores e estas a óptimas práticas. -- Se não parece isto o Fukuyama e o fim da História... De entremeada, gorjeios espumantes de pseudo-anglicismos-chavão, que passo, a bem da sanidade do leitor benévolo e da santa paciência; e ainda porque esses pseudo-etc. promulgados no palreio exótico de araras e bípedes de garrida penugem nem inglês chegam a ser; o que aquilo é é amaricano pavoneado e emaitiano. Ou ISCTEiano, para figurar brios tidos por mais cá da casa...
A oratória do ministro inspira-se nos mesmos ingredientes ISCTEianos, mas compõe-se dum quasi-protocolar porte institucional, vede se não... -- Competivividade e internacionalização da economia; economia inovadora e competitiva; perfil da economia e mobilização da dita cuja; investimento, conhecimento, qualificação, pessoas, em-pre-ga-bi-li-da-de... mobilidade e inclusão social, diz que são os factores decisivos para nos aproximarmos dos níveis europeus. -- Ou para, no fundo, doutrinar o indígena no saltitar alegre de (des)emprego para (des)emprego por devoção à tal competitividade. Além de que aquilo dos níveis europeus serve desde logo para a diluição do que quer que seja verdadeiramente português.
E bom, no fim, um trabalhador que por desnorte perca o tino ou por desventura o trabalho, graças às dimensões estratégicas da qualificação e da formação rezadas como quem reza o terço ao fim da tarde, achará a salvação, acabando criativa e inovadoramente colaborador. Tenho a fèzada que da mobilidade e inclusão social apregoadas lhe possa valer ainda um grande arquitecto universal com qualquer empregabilidadezinha. Nalgum partido governável, governabilizável, de governança ou de governo. Do rol de ingredientes discursivos aqui enumerados elencados, nem será difícil achar-se o trabalhador colaborador alocado como co-ladrador recheando de palavras os perdigotos -- necessàriamente bitolados nos níveis europeus -- dalgum candidato a ministro ou, eventualmente, de ministro acabado da eloquência de palavras feitas, candidato no fim da História a uma estátua maximizada, optimizada ou coiso, onde os pombos empreenderão certificada obra. Claro que o co-ladrador figurará ao lado, pela trela, à maneira do leão do marquês.
Rotunda, Lisboa, c. 1934
Pinheiro Correia. in archivo photographico da C.M.L.
Revisto às nove e meia de onze.
Visita do Gen. França Borges, aos semáforos de sinalização eléctrica, Campo de Ourique, 1970.
Armando Serôdio, in archivo photographico da C.M.L.
Conduzo há para cima de um quarteirão de anos. Nunca nesse intervalo de tempo nem nos anos restantes para trás em que me locomovi com motorista ou a pé vi, nesta cidade de Lisboa, o ror de semáforos fundidos como tenho visto de há um par de anos para cá. O desmazelo é mais longo, notai; os últimos anos deram só os efeitos visíveis.
Há gente perigosa a reger a cidade, pois. Foi com tal gente que também a calçada à portuguesa deveio alarmadamente perigosa para os peões nos últimos anos. Depois de décadas de criminosa velada incúria...
Avenida de Roma, Lisboa, c. 1960.
Artur Goulart, in archivo photographico da C.M.L.
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