Antigamente o telejornal durava meia hora e o noticiário da bola vinha no fim. Era uma maneira de ver o Mundo...
Esta noute, como sempre que há bola (são muitas vezes) o primado foi o do esférico (que não o Mundo): no telejornal daquela TV com oráculo domingueiro levaram 20 minutos a estralejar os foguetes da bola antes de meter a publicidade ordinária; só então meteram uma (única) notícia da falência dos fundos de pensões em 2025, antes do paineleiro adivinho que entretanto já profetizara sobre a bola, à laia de preâmbulo, naqueles primeiros vinte minutos de foguetório futebolístico.
O que tirei disto hoje é que a taça diz que é de Portugal, o povo no estádio nacional parece que era português, quem estava na tribuna para solenemente entregar o caneco consta que é presidente da República, mas aquela equipa que ergueu alvarmente o troféu era de -- como lhe chamam eles agora?... -- migrantes.
Portugal é só já uma memória com atávicas formalidades.
Estádio Nacional, Vale do Jamor, 1944.
Estúdio de Horácio de Novaes, in Bibliotheca de Arte da F.C.G.
Anunciou há pedaço a pitonisa que o confrade Zé Barroso continua em ascensão no novus ordo seclorum. O novo império romano-germânico ficou-lhe curto. Lá segue, pois, o Cursus Honorum do balsemónico patrono.
« E no domingo de bola, sobretudo no Estádio Nacional, é digno de ver-se o espectáculo da bicha de eléctricos, e das bichas dos passageiros [...]» (**)
António Lopes Ribeiro e Francisco Ribeiro, As rodas de Lisboa; um filme comemorativo do Cinquentenário da electrificação dos transportes urbanos, S.P.A.C., [1951].
(*) Porque o Estádio não tinha um único dia por ano, apenas, em que servia. Nem, fora dele, servia de sequer a desculpas para se andarem a alugar estádios a clubes em jogos da selecção portuguesa de maneira a encher-lhes o cofre com receitas extraordinárias à conta da Federação...
(**) No tempo em que dizer bicha/bichas era Português de quem não deve subserviência a dialectos.
Tomando a linha eléctrica do Lumiar [...] e seguindo-se sempre pela Avenida de Fontes Pereira de Melo, orlada de lódãos, notam-se várias casas dignas de registo &c. &c.
Raúl Proença, Guia de Portugal, 1º v., Generalidades; Lisboa e arredores, 1ª ed., B.N., Lisboa, 1924, p. 445 [Reed. da Fundação Calouste Gulbenkian, imp. 1991].
Av. de Fontes Pereira de Mello, Lisboa, 1944.
Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
Com as obras do Metropolitano, em fins dos anos 50, perdêramos já a placa central arborizada na Av. de Fontes. Nestes dias, passados todos estes anos, caem finalmente os últimos três edifícios da primitiva Fontes que nos restam entre a Thomaz Ribeiro e o Saldanha -- n.ºs 39-43: dois palacetes e um prédio de rendimento. Na imagem, além deles, ainda se viam do edificado primitivo desta avenida o prédio do anjo, ao Saldanha, e a entretanto alterada moradia de estilo colonial que tornejava para a Rua das Picoas. O Monumental (também o podeis ver) é edifício de 2.ª geração, mas nem por isso durou...
Depois do camartelo haverá no lugar retratado uma formidável torre -- a Torre da Cidade -- de nome pertinente e pomposo, principalmente porque em Lisboa, desde que Lisboa é cidade, jamais houve alguma torre, muito menos uma que pudesse dizer-se torre da cidade!...
E com este notável melhoramento da nossa cidade, da primitiva Av. de Fontes Pereira de Mello sobram a abater dois palacetes -- o de José Moreira Marques (sede do Metro) e o Sotto-Mayor --, um gaioleiro entre a Thomaz Ribeiro e a Andrade Corvo e, entre esta última e a Martens Ferrão, três outrora ricos prédios de rendimento -- que os já ninguém salva --, devolutos com pertinácia, semi-arruinados com diligência e, finalmente, pinchados por grafiteiros de nomeada com patrocínio municipal para lhes pôr o arzinho de urbano-depressiva ruína mais a condizer... -- Os excursionistas que comem esta pindérica Lisboa como gato por lebre fartam-se de os fotografar. Está bem uma para os outros. E levam estes uma estupenda recordação daqui de volta para a sua terra, havemos de conceder!...
Fotografias:
Av. de Fontes Pereira de Mello, Lisboa. 195...
Judah Benoliel, in archivo photographico da C.M.L.
Há quem mande e não veja a lógica de não existir tal coisa como meios buracos... Vem daqui surgirem decretos, depois, procurando juntar duas desgraças e obter algo de jeito, não uma desgraça maior.
Do atávico horror à árvore da saloiada alfacinha já falava Raul Proença. Ainda assim se lhe reconhece na esperteza saloia alguma forma de inteligência. Mas de se podarem ferozmente árvores frondosas quando temos aí o Verão à porta não vislumbro nem esperteza de espécie alguma. Só talvez inveja... da sombra das frondosas árvores competindo com a dos bestuntos destes saloios em má hora alcatruzados a presidentes da junta.
Calcule o benévolo leitor que deram, agora, na alta Primavera, essas almas de vistas curtas e óculos ray ban em podar as árvores do jardim ante o Lyceu Camões. Um afã tão grande aproveitava-se se arranjassem antes a calçada dos passeios de Arroios que bem mais precisada está.
(Fotografia do coreto do jardim da Cruz do Tabuado de J.A.L. Bárcia, in archivo photographico da C.M.L., post 1909.)
Adenda pertinente:
Portugal praticamente não tem floresta. O que temos são plantações de pinheiros e eucaliptos. É caso único no Ocidente pois até nos EUA cerca de 50% da floresta é pública e nativa. E em Portugal, o que há? A Margaraça, que ocupa apenas uma encosta na serra do Açor, ou a mata da Albergaria, a ocupar uma reduzida percentagem do único Parque Nacional que temos.
Nas nossas serras a floresta nativa traria a necessária protecção aos solos contra a erosão, prevenindo assim a ocorrência de cheias. E uma boa gestão florestal geraria emprego e riqueza.
Não é apenas problema dos arredores de Lisboa. No Alentejo e Algarve quase extinguiram os carvalhos. Na região Centro desnudaram as serras. No Norte houve mais respeito pela floresta mas depois veio o eucalipto, essa praga. As serras algarvias são hoje um mar de estevas.
Faltam também árvores nas bermas das estradas, mas com as «limpezas» as autarquias não as deixam crescer. E nas sebes que dividem os terrenos ou nas galerias rípicolas, a acompanhar os cursos de água.
E por que motivo em Portugal as autarquias não utilizam árvores portuguesas nos jardins, nas cidades? A nossa azinheira é usada em jardins na Irlanda e o nosso Quercus canariensis, árvore nativa da serra de Monchique, está em jardins ingleses. Temos o azevinho, o amieiro, o castanheiro ou o ulmeiro. Há ainda a rainha das árvores do Norte, o carvalho-roble, que dominou a paisagem portuguesa a Norte do sistema montanhoso Sintra-Montejunto-Estrela, estando ainda presente a Sul onde as condições climáticas permitem a sua ocorrência
Os portugueses não conhecem a sua flora nativa e dedicam-se a espalhar espécies vegetais introduzidas que depois se tornam invasoras e causam prejuízos económicos e ambientais incalculáveis. Renegamos o que é nosso, ansiamos pelo que vem de fora. Isto diz muito sobre o estado em que nos encontramos.
(Do leitor Luís às 12h33.)
No archivo photographico da C.M.L. acha-se mais esta. Adiantará pouco sôbre a de ontem, salvo poder aclarar um ou outro pormenor menos percebido na anterior -- alguma rua que se assim assim [veja] melhor... -- por ser tirada de maior altitude. Mereceria porventura uma legenda, mas, como me falecem agora o tempo e os meios, fica para depois. Entretanto o que lá foi dito serve agora com a mesma justeza. Vista aérea sobre Benfica, Lisboa, 195...
C.M.L./D.E.P., in archivo photographico da C.M.L.
Faz amanhã anos que morreu. No canal da memória oficial anunciavam um programa sôbre o 'Quilino referindo-se-lhe como «um activista fervoroso da República». Ora! Quem aprendeu um nadinha da história da implantação da República em Portugal percebe logo que «activista fervoroso da República» é eufemismo de bombista. Ao 'Quilino bem pode servir a graça da Providência por ter vindo ainda a ser lobo uivante na literatura. Os das efemérides louvaminheiras enfardadas com sofismas eufemísticos é que não passam de burros que zurram. Só enganam os seus pares.
O 'Quilino visto por Bual é do vento que passa.
Sobrevoando o lugar de Benfica pouco mais ou menos sôbre a quinta da Granja nos anos 50. O panorama que se avistava até à serra de Sintra era o que pode o leitor apreciar. Para quem, como eu, nunca conheceu esta païsagem e suspira por fazer idéia de como foram os lugares adjacentes à estrada e ao lugar de Benfica -- lugares que sempre conheci com païsagem tão densamente edificada -- respirar uma imagem destas é um refrigério.
Algumas referências que vejo situam-me o espaço, outras suspendem-me no tempo: dou adiante algumas que identifico de cor; conto com o leitor interessado mais entendido nos pormenores antigos do lugar para que, com paciência ou generosidade, ajude no que faltar.Vista aérea sobre Benfica, Lisboa, 195...
C.M.L./D.E.P., in archivo photographico da C.M.L.
Partindo do quadrante inferior esquerdo, vae a estrada de Benfica em boa parte bem definida pelo casario de r/c, 1.º e 2.º que ainda hoje a conforma no trôço que leva da Fonte Nova às Portas e, para lá delas, à Porcalhota e à Amadora, já no quadrante superior direito da imagem. Do seu serpentear solta-se, primeiro, à esquerda a Gomes Pereira e a fábrica Simões e depois, à direita, a Calçada do Tojal, com a igreja da Benfica marcando bem o lugar de encontro dessa serventia com a estrada de Benfica. No lado oposto à igreja o antigo campo do Fòfó, cujo limite do lado de cá é bem marcado pelos muros da Azinhaga das Garridas, velha serventia de que sobra um trôço e que, por inteiro, nestes tempos de outrora, levava a gente bucòlicamente do coração de Benfica à Buraca cruzando a linha de Sintra numa passagem de nível de que nunca vi imagem, mas que sei que existiu, a par do Retiro do Bom Pastor.
Adiante da igreja de Benfica o casario mais denso até às Portas -- que as não descortino --, apenas identifico por ali a longa fiada de casinhas baixas da quinta das Fontaínhas, de que sobra hoje uma fracção.
Na banda esquerda da imagem as moradias do bairro das Garridas e o do bairro de Santa Cruz de Benfica em construção; entre êles a mancha arborizada da mata de Benfica. Além de Santa Cruz, campos, e o incipente casario da Damaia (ou de A-da-Maia) e da Damaia de cima, esta já para lá do aqueducto que corta, solitário, a païsagem para a direita; na Reboleira nada...
Na banda superior direita da imagem, além das Portas e do bairro da Venda Nova, a Estrada de Sintra (E.N. 249) em direcção à Amadora -- que se nota bem urbanizada até ao que me parece o Casal de S. Brás -- e, após, apenas o casario a define (à estrada nacional) da direita para a esquerda da imagem, até se ela perder para lá duma fita que se ainda avista além de Queluz.
A serra de Sintra com uma luz diáfana fecha o scenário bucólico dêste tempo suspenso.
O jornalista p'ò demo de última hora -- pró-Buiça da antevéspera em descarado directo do museu que é legado da rainha D.ª Amélia -- abriu ontem sensacionalmente o telejornal com eufórica notícia da sirização da Espanha:
-- Boa noite. Começamos pela revolução eleitoral e política que está acontecer em Espanha. O partido Pó Demos acaba de conquistar os dois municípios mais importantes do país [...] Quanto ao P.P., partido do governo, foi o mais votado na maioria das regiões, venceu em 11 das 13 [...]
Uma revolução com o partido do governo a ganhar 11 em 13?!... -- A apresentar resultados eleitorais, sempre me saiu este pior que a cassete do P.C.P. Quem o não conheça que o compre!...
(Imagem do jornalismo de redacção sestra obtida em TVIsquerdóide.)
Esta manhã tontelas da rádio e TV perdiam-se em Tondela. A subida dum clube das berças à 1.ª divisão da bola motivou compridas reportagens in loco: um pé de microfone da emissora nacional contava matutinamente que os jornais na terrinha haviam de estar com muita procura, embora o quiosque ainda estivesse fechado; vai daí confessa em directo aos ouvintes que se mudara para um café ali perto onde pôde estender a preceito o microfone ao empregado de mesa de serviço e encher o vazio da reportagem:
-- O senhor, bom dia, ontem à noite a festa aqui foi grande, não foi?
-- Ontem não estive cá, mas vi que sim.
O tempo aqueceu e o Verão antecipou-se. Façamos que a inanidade jornaleira seja já a da «silly season».
(Imagem do jornalismo aos papéis em Papéis do Jornalista.)
Dantes o telejornal durava meia hora e o noticiário da bola vinha no fim; o noticiário era ordenado por um critério que vinha do sério ao lúdico, parece-me. Era uma maneira de ver o Mundo...
Noto que hoje em dia os telejornais lambuzam as actualidades mais ribombantes da converseta de café como chamariz ao descuidado indígena e levam não mais de cinco ou seis minutinhos nessa vulgar quadrilhice para lhe em seguida jorrarem por cima do jantar 20-25 minutos de publicidade comercial; segue-se mais meia hora publicitária mais ou menos encapotada de notícia.
Esta noute o primado foi outro: o telejornal daquela sociedade industrial de concentrados dita S.I.C. levou mais de meia hora a estralejar os foguetes da bola antes de meter a publicidade ordinária; só então meteram as actualidades de café e o paineleiro de turno com mais conversa sobre a bola.
O que tiro disto é que o Mundo (o modo de olhá-lo) mudou: tem missa mercantil diária ao serão já depois da hora do terço. Salvo se houver bola.
Ámen!
Campo do Benfica, Luz, post 1954.
Estúdio de Horácio de Novaes, in Bibliotheca de Arte da F.C.G.
Praia do Barril, Tavira (c) 2014
Onde se avista sucessivamente a orla da mata de Benfica e a quinta da Feiteira onde veio a fazer-se o mercado; a estrada da Damaia e a Rua Emília das Neves; a estrada de Benfica, até às Portas fiscais; a orla N do bairro da Venda Nova, a estrada militar, a quinta das Pedralvas, a fábrica das tintas Atlantic, o cimo da calçada do Tojal, uma banda do cemitério e a estrada dos Salgados que lhe passa deante e segue por além do Bairro da Venda Nova, caminho da Porcalhota; ao longe o bairro da Pontinha; além só campos...
A fotografia e provável que seja dos anos 50.
Vista aérea sobre Benfica, Lisboa, post 1940.
C.M.L./D.E.P., in archivo photographico da C.M.L.
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