À parte alguns topónimos cujo significado se perdeu (**), intriga-me a falta de substrato autóctone pré-romano no nosso falar português. Quinhentos anos de romanização foram tão eficazes em delir o que havia antes nesta terra que mais parecem ter assentado sobre uma tábua rasa. Ora mesmo salvaguardando as diferenças nem os canibais do Brasil foram em tal período tão completamente aculturados; a sua linguagem, a marca mais enraizada da cultura dos povos, persiste. Pois a romanização nas Hespanhas, salvos os Vascões, foi temporã e pràticamente total. Cuido que tal fenómeno se não pudesse ter dado sem voluntarismo dos autóctones. Os ibéricos hão-de ter-se empenhado em romanizar-se; não que fossem vazios culturalmente — não há povos assim — mas porque desprezaram os seus modos em favor dos dos novos senhores, até (e principalmente) no falar, esquecendo quase tudo o que eram.
Bom, esta maneira de se a gente despir do que é para se tornar estrangeira configura algo pior que o vazio cultural: é o vaziozinho da fraqueza mental dos indivíduos que colectivamente e por mor de seus melhores se afirmaram como um povo valoroso, mas que mal guiados prestes se deixam tomar por estrangeiros. A romanização fez-se, pois, assim: com autóctones vaziozinhos intelectualmente, sequiosos a absorver o que primeiro se lhes apresentava. Hoje, nesta terra, ainda é pior.
(*) Reedição revista de Halloween há uma ano. Para o ano e seguintes há mais.
(**) Uma reflexão lateral: Iberus (=> Ebro) é o nome latino do rio que se estendeu à terra por onde corria: Ibéria. Acontece amiúde. -- Cuido que vem de Avieno que o rio Tejo se chamara primitivamente Lysos, ou Lusos. E o Guadiana era o Anas. Vamos lá se com dois nomes de rios ibéricos — Lysos/Lusos et Anas — não formaram os romanos o nome duma província mais longínqua na Ibéria: Lusitânia.
Numa terra sem organização, sem planeamento nem orçamento, montar enfeites de Natal em Outubro diz bem do que a rege.
São Jorge de Arroios, Lisboa — © 2015
Ora bem, as legislativas foram em 4; o gnomo de jardim proclamou o fim do governo em 12; a imagem é de 20, mas uma semana antes já eu a lá catara. Bate certo: uma semaninha depois das eleições lá estava a força da esperança; foi só o tempo da tipografia...
Alameda em 20/X/2015, Lisboa — © 2015
Àquele notável comissário de «swaps» ao governo e de bens nacionais aos «swaps» quando secretário de Estado foi ontem cometida a venda do Novo Banco. Tem graça este borboletear porquanto as mariposas «andem» aí, preciosas com coisas que não lembrariam...
Na Av. da República, 55 há umas casas devolutas, entaipadas ao rés do chão, escaveiradas em todos os andares, desprezadas e abandonadas à ruína pelo(s) senhorio(s) há um ror de anos. Vá lá preceber-se...
Há ano e meio, pouco mais ou menos, desocuparam os intrusos e emparedaram 2.ª vez a porta de entrada que aqueles haviam desentaipado para se fazerem clandestinamente a umas assoalhadas na Av. da República. Fizeram-no (o emparedamento) por intimação do município, mas entretanto do buraco que tornou a ser aberto pelos «okupas» não se fez mais caso.
Há meses gente despeitada (e diz que esbulhada) pelo Novo Banco desabafou ali no sempre «inspirado» estilo da arte urbana. Ora quem tenha memória da célebre frase [com Vossa licença] «Bibi é rabo» grafiteiramente chapada no n.º 48 da Alameda de Dom Afonso Henriques em Lisboa, lembrar-se-á que durou ela ali pelos anos 80 e em boa parte dos 90 até que uma alma caridosa a de lá limpou. Foi pena porque se perdeu um raro exemplar rupestre de incalculável valor do que o município e a própria civilização com aplauso geral vieram, e muito bem, a classificar e a promover como «arte urbana».
Como uma desgraça nunca vem só e, ao contrário das inclucas de Abril, a liberdade é contingente, o progressivo neobanquês aí está e, na viradeira que o deu, vemos agora o livre grafitismo a escrutínio; vamos lá que — dirão alguns — arte urbana é uma coisa, rabiscos panfletários lesivos do bom-nome particular ou colectivo da fidalguia do burgo é outra — o Correio da Manhã aí está que o diga... — Vai daí o zelo em abafar o estrebuchar arte-urbanístico menor doutros lesados nada fidalgos e do obliterante e definitivo passar ao esquecimento de qualquer memória futura do caso; o que não deixa vestígio nunca existiu, não é verdade?!…
Av. da República,55, Lisboa, 17/9/2015.
Av. da República,55, Lisboa, 2/10/2015.
Av. da República,55, Lisboa, 27/10/2015.
P.S.: faltou zelo, dir-me-ão os mais atentos, em emparedar o buraco dos «okupas». — Nada é ao acaso. Não temos aí migrantes na calha?...
P.P.S.: e com os migrantes na calha, restaurar o prédio a preceito em lugar de o só emparedar nem seria caridade solidariedadezinha de mais...
Um benévolo leitor pediu enigmas photographicos. De momento não tenho nada senão este. Um meio enigma. Faz parte duma sequência panorâmica rodada de São Sebastião a Campolide no espólio de Eduardo Portugal, no archivo photographico da C.M.L. Não tem data; deve ser anterior ao séc. XX. Este fragmento aponta ao Monsanto. Identifica-se ali a torre do colégio de Campolide. Talvez um confronto com os mapas de Filipe Folque ou do levantamento da planta de Lisboa de 1904-1911 possa ilustrar mais a imagem.
Panorâmica do alto de S. Sebastião ao Monsanto, Lisboa, [s.d.].
Espólio de Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
A raça da O.M.S. estragou-me já o chouriço que tinha da [na] ucharia. Comi onte' à tarde um pedacito dele com um naco de pão e fiquei mal disposto.
Esta manhã melhorzinho, graças a Deus.
Rocio com Hospital [Real de] Todos os Santos, Lisboa, séc. XVI.
Reprodução photographica de José Arthur Leitão Barcia, in archivo photographico ca C.M.L.
A evangelista oficiosa sobre desmandos da P.I.D.E., Irene Pimentel, tem croniqueta à semana na emissora nacional («O fio da meada», Antena 1). Hoje, para não variar, foi sobre o tema que lhe mais ofusca mente: a P.I.D.E.
Lembrou ela o lamentável esquecimento geral dos 70 anos redondos da sua criação; referiu a antecessora P.V.D.E. sem deixar de dizer que Defesa do Estado era eufemismo para se poderem prender opositores ao regime (e opositores ao regime, digo eu, é eufemismo para comunistas). Mas não se atrasou aos tempos da I.ª República na sua história de polícias políticas, como não se esqueceu de recordar a jusante a D.G.S.; tudo muito contidinho ao Estado Novo...
Contou, pois, uma história da P.I.D.E. em prosa estudada e bela entoação, povoando-a emocionada de nazis, fascistas, tortura, prisão preventiva (?!...), informadores (morigerou bufos, quiçá, por módico de compostura), intercepção postal, escutas (?!!...), espancamentos, mais torturas com exemplos explicativos e, no caso do Ultramar, serviço de informações (vá lá!...) nas colónias em guerra contra os movimentos de libertação africana. — Dou de barato a insinuação pouco velada de parecer terem sido as colónias à guerra aos movimentos de libertação e não o contrário; registo sòmente movimentos de libertação...
Do Ultramar estende à Espanha o odioso de últimos (últimos?!) regimes ditatoriais. Portugal metropolitano, ilhas adjacentes e Ultramar ficava-lhe curtinho nas mangas; já o império soviético, Cuba, China &c. &c. faça-lhes bainha à altura do cós porque o rabo, necessàriamente, vem à mostra. — E chega ao clímax da extinção da polícia política no próprio 25 de Abril. — Tem graça esta precisão no próprio 25 de Abril porquanto outros evangelizadores de nomeada difundem nas mesmas tubas radiofónicas que a P.I.D.E. (i.é, a D.G.S.) prendeu e interrogou pessoas em 25 de Abril de 1974 (Jacinto Godinho et al., R.T.P., 25/IV/2014). Deve ter sido mesmo em cima da hora do fecho...
O sermão tinha — além do alívio excrementício das coriscantes obsessões que lhe sarnam a mente, evidentemente — o fito da colagem à agitprop radiante (a que estrondeia na rádio e radiotelevisão) do momento: pôs Irene Pimentel, portanto, como corolário espirituoso da catequese pideana, dedicatória assaz dedicada aos â-tivistas (é assim que lhe sai, imaginai porquê...) angolanos presos e ao Luaty em particular. Falha-lhe nesta obsessão revolucionária em que se revolve a coçar-se sem freio, a lógica mais elementar: os activistas a quem dedica a arenga da luta libertadora esperneiam contra a opressão dum dos tais movimentos de libertação a quem o santo dia 25 de Abril deu tão liberalmente Angola...
(Desmentidos pela perseguição em defesa do Estado revolucionário no Cais do Olhar.)
... Está (estava) Lisboa esta manhã com uma luz formidável.
Restauradores, Lisboa, c. 1960.
Horácio de Novaes, in Bibliotheca d' Arte da F.C.G..
Depois de apocalìpticamente salvar o Homem da gripe dos porcos e seus sucedâneos, a O.M.S. alarmou o Mundo hoje com o papão do cancro na vulgar sandes de fiambre, no ardente chouriço assado, no escorrente cachorro quente (ai o P.A.N.!) na despachada salsicha no pão, ou em geral na carne vermelha. -- Devem os humanos à roda do Mundo esperar antes a carne ficar verde para a depois comer?...
Talvez deva a humanidade entretanto alambazar-se de peixe antes que lembre à O.M.S. declará-lo tóxico pelo papão ecológico.
Ou talvez devamos bovinamente desatar desde já a pastar como vacas leiteiras [leia-se, contribuintes] ou, com sorte, a sorver caldo verde (sem chouriço) em malgas ISO 9000 até que a O.M.S. nos salve definitivamente duma fatal mutação por transgénicos.
E talvez no fim, com a videca tão assèpticamente nutrida, nos haja definitivamente a O.M.S. de certificar para morrermos todos cheiinhos de saúde.
(Fumeiro do Rádio Clube do Monsanto.)
Decreto-Lei n.º 47 233
Considerando as numerosas representações que têm sido dirigidas ao Governo no sentido de se estabelecer uma hora única durante todo o ano, pondo termo à distinção entre «hora de Inverno» e «hora de Verão».
Considerando que realmente essa dualidade é causa de graves perturbações. especialmente nos domínios dos transportes e telecomunicações internacionais;
Considerando que os países com que temos mais frequentes contactos nestes domínios já adoptaram a solução de uma hora única, coincidente com a nossa «hora de Verão».
Ouvida a Comissão Permanente da Hora;
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:Artigo 1.º No Continente e ilhas adjacentes a hora legal passa a ser durante todo o ano, a que até aqui era observada só desde o primeiro domingo de Abril até ao primeiro domingo de Outubro, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37 048, de 7 de Setembro de 1948.
Art. 2.º O presente decreto-lei entra imediatamente em vigor.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 1 de Outubro de 1966. — AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ — António de Oliveira Salazar — António Jorge Martins da Mota Veiga — Manuel Gomes de Araújo — Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior — João de Matos Antunes Varela — Joaquim da Luz Cunha — Fernando Quintanilha Mendonça Dias — Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira — Eduardo de Arantes e Oliveira — Joaquim Moreira da Silva Cunha — Inocêncio Galvão Teles — Carlos Gomes da Silva Ribeiro — José João Gonçalves de Proença — Francisco Pereira Neto de Carvalho.
Cumpriu-se até 26 de Setembro de 1976.
O único que me mitiga o semestral desprazer da hora de Inverno é uma horita a mais no fim da semana. — Fraco negócio.
Alameda de Dom Afonso Henriques, Lisboa, c. 1960.
Horácio de Novais, in Bibliotheca d' Arte da F.C.G.
Um canal de notícias que gasta incontáveis horas a emitir gargarejo futeboleiro sem bola que se veja consegue a proeza jornalística de pôr no ar um noticiário no intervalo dum Benfica – Sporting sem dar a notícia do resultado.
Adenda em tempo:
E segue o maravilhoso jornalismo; foram a correr para o portão do campo a pôr o microfone ante qualquer cão e gato que venha a passar. Se a ideia era ouvir o povo, parabéns, já dele soou democracia...
Numa entrevista ao Jornal de Letras em 1990 (*), António José Saraiva e Óscar Lopes divergem sobre a continuação por terceiros da «História da Literatura Portuguesa». Óscar Lopes propunha que, dentro do espírito da obra escolhessem, pessoas que a continuassem e actualizassem. António José Saraiva discordava: um livro é dum autor; mudando o autor o livro é já outro.
O entrevistador, a contento de Óscar Lopes, dá o exemplo do «Manual de Direito Administrativo» do prof. Marcello Caetano, continuado por Freitas do Amaral, no que é secundado por aquele com exemplos em História da Literatura francesa e inglesa de Lamazian e Lanson, cuja transmissão a continuadores funcionou.
E argumenta Óscar Lopes:
— Este livro representa um trabalho de cerca de 37 anos. Acho que o esforço destes anos todos de trabalho traz uma acumulação de dados que podem ser reinterpretados, mas que seria mais adequado entregar-se essa tarefa a pessoas que garantissem a continuidade do trabalho […] Eu até já tenho nomes para os meus (passe o termo) sucessores.
A.J.S. — Isso é completamente contra a minha ética. Eu não concebo que um livro seja continuado por outra pessoa com o nome dela. Parece-me que, contra as tuas ideias, estás a ter uma atitude capitalista... É o capital que prevalece.
O.L. — Não me parece que tenha nada a ver com isso.
A.J.S. — O capitalismo nasceu da possibilidade de acrescentar alguma coisa ao que já existia. Isso é capitalismo…
O.L. — Em primeiro lugar eu não rejeito o capitalismo em geral…
A.J.S. — … Ah, bem! (ri-se)
O.L. — … Há muita coisa que se aproveita, designadamente no aspecto cultural…
A.J.S. — … eu rejeito, porque o capitalismo significa a superioridade das coisas sobre as pessoas, e a actividade está nas pessoas… […]
Óscar Lopes segue por diante mais longamente expondo o seu ponto de vista de que «coisas» no sentido de artefactos são uma realidade, obra intelectual é outra (música, pintura, planos de engenharia, arquitectura, livros…)
A.J.S. — Tu admites que a obra de Mozart seja continuada por outro autor?
O.L. — Não, mas repara […]J.L. — Bom, voltando ao futuro da vossa «História da Literatura».
A.J.S. — Eu acredito é que quando morrer deixará de existir unidade entre a alma e o corpo, aquilo a que se chama personalidade.
O.L. — Eu só acredito noutro mundo que seja feito a partir deste em que vivemos.
A.J.S. — Este livro é este livro, é uno…
O.L. — … Tu pareces que acreditas no casamento de duas almas…
A.J.S. — … O que eu poderia aceitar era o seguinte: 2.º volume, por fulano de tal e fulanos de tal…
O.L. — … Um aditamento…
A.J.S. — … Um aditamento.
O.L. — Palavra de rei não volta a trás.
A.J.S. — Aqui o Óscar Lopes é uma personalidade astuta.
O.L. — Eu acho-me tão ingénuo!
A.J.S. — Ingénuo sou eu…
Que saiba, ninguém enxertou a «História da Literatura Portuguesa» até hoje. Felizmente!
(*) «António José Saraiva e Óscar Lopes: uma história na literatura», entrevista de José Carlos de Vasconcelos, in Jornal de Letras, 17/IV/1990, apud M.ª José Saraiva (pesquisa), Crónicas de António José Saraiva, Quidnovi, Matosinhos, 2004, pp. 943-955.
Não chegava a (com licença!) cagada ortográfica de governos e deputados portugueses. Paga uma pessoa televisão por cabo neste país para isto.
Portugal terminou há muito e já só fede.
(Imagens de «Regras da Casa», filme de 1999, de Lasse Hallström, transmitido hoje, 24 de Outubro de 2015 no canal AXN White.)
Alguns ali faltaram hoje ao centro de dia.
A eleição dum parlamentar imortalizado pelo paralamento de se 'tar cagando para o segredo de justiça teve, naturalmente, direito a reportagem no regimental noticiário nacional. Vi às 9h00 da noute na S.I.C. Notícias uma muito, muito bem montada:
E chega.
...
Não faltou dar a converseta dalguém? (O gajo do cão não conta.)
Ponte Luiz I, Porto, 1983.
Mike Rhodes, in Flickr.
Adamastor (O)
Apartado 53
Bic Cristal
Blog[o] de Cheiros
Carmo e a Trindade (O)
Chove
Cidade Surpreendente (A)
Corta-Fitas(pub)
Dragoscópio
Eléctricos
Espectador Portuguez (O)
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