Legenda do fotógrafo: eléctrico da carreira 19 em lisboa, á espera c. da meia-noite no terminus em Alcântara (Tim Boric, 1978).
Marcelo de Sousa, disseram há pedaço no telejornal, tem dois caixotes de documentos e livros no quarto. Este volumezinho já o ele leu mais duma vez no post operatório. Leu e gostou.
(A lista de Marcelo outrora na periférica.)
No tempo do bilhete operário o tio Zé Lapa ia e voltava do trabalho no carro eléctrico. Era também costume naquele tempo, à medida que o eléctrico seguia o seu percurso, o cobrador [condutor, vulgo, pica-bilhetes] ir dizendo alto o nome dos sítios principais onde passavam.
— SOCORRO! — avisava ele por alturas do Martim Moniz. — INTENDENTE! — dizia a seguir, a caminho de Arroios. — ANJOS! — E assim por diante.
Vezes houve no regresso a casa que o tio Zé Lapa lhe dava tal moleza que se deixava dormir no eléctrico. Era um dormitar de orelha meia arrebitada, entremeado aqui e ali pelos pregões do pica-bilhetes. Numa daquelas vezes pegou no sono mal quase se sentou. Ouviu talvez um distante e sonolento «SOCORRO!» logo ali na Rua da Palma e ferrou a dormir. Quase que despertou, ao depois, com um sonoro «ANJOS!». Mas sem abrir os olhos só se ajeitou no banco para prolongar a soneca até Arroios.
— INTENDENTE!
Mau!... Intendente?! Ali o tio Zé Lapa esbugalhou pela janela os olhos estremunhados. Que diabo! O carro eléctrico já ia de volta; descia em boa marcha a Rua da Palma! Saltou do atribulado eléctrico mal ele estacou no sinaleiro da Rua São Lázaro. Apressado, atravessando a rua, deu notícia do pica-bilhetes o fitar anunciando aos passageiros:
— SOCORRO!
Rua da Palma, Lisboa, s.d..
Foto de Eduardo Portugal.
Naquele dia o tio Zé Lapa chegou mais tarde para jantar. Nunca se convenceu que a sopa tardia não tivesse um saibo de malícia de pica-bilhetes.
(Publicado originalmente em 27 de Setembro de 2006 às 10 menos 24 da noite.)
Agora que se fala em partidos, merece a pena ler a legenda [o mural, queria dizer]. O governo parece que era de direita. Mas o cenário é, todo ele, de esquerda; incluída a carreta funerária à direita e a base do arco grande do aqueduto 25 de Abril.
O autocarro foi da Carris. Antes de ser nacionalizado.
Autocarro do B.º da Serafina, Campolide, 1983.
Mike Rhodes, in Flicker.
Subo e desço este rio |
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Sayago Blues. Letra e música: Carlos Tê / Rui Veloso. |
... Mas quando o comparo com o Rui rio abaixo, rio acima ao vivo no Coliseu em 1987… — Pois! Já lá vão 30 anos!… Rui Veloso, Sayago Blues (Ao Vivo, 1988) |
Eléctrico da Gomes Freire, Rua da Betesga (ou Praça da Figueira), 1981.
Fotografia de Tim Boric.
Do baú dos natais esquecidos recordei certa vez que no tempo das tardes de Natal com o circo do Billy Smart e das manhãs de Ano Novo com saltos de esqui na televisão, também havia irmos ao cinema: havia os filmes do Trinitá... Ir ao cinema era uma das prendas de Natal do tempo da minha infância (tempo em que os abrasileirados presentes pouco se ouviam).
Por 2014, alguém a dava por finalmente achada, a voz original do «Trinitá, Cowboy Insolente»; na Austrália, em sua casa, no seu sofá, ante uma rica taça de vinho. Annibale Giannarelli.
Annibale Gianarelli, «O verdadeiro e original de Trinitá, Cowboy Insolente».
(por Daniele Giannarelli, in Youtube, 2014)
Trinitá foi um nome que pegou por aí: nalguns bares, cafés ou pastelarias, nalguns pintas mais toleirões... E o assovio da melodia não havia quem no não soubesse; todos os putos lá da rua o sabíamos. Ainda há pouco o ouvi num telemóvel. Era dum manganão da minha idade.
Trinitá Cowboy Insolente, 1970.
Em atenção à quadra e ao ermamento lexical oratório-televisivo, estão abolidas as «prendas» na linguagem. Há apenas e só «presentes».
Siga!
A Polícia de Segurança Pública (portuguesa) fez fingiu uma cantiga de Feliz Natal (em amaricano) na melhor tradição pop contemporânea (amaricana). — Vi no noticiário ao meio-dia.
No mesmo noticiário a notícia «[A] Venezuela expulsa dois diplomatas do Brasil e do Canadá», dada assim: A Presidente da Assembleia Nacional Constituinte venezuelana considerou o embaixador brasileiro Ruy Carlos Pereira e o diplomata canadiano Craig Kowalik "personas non gratas" no país.
Personae non gratae é latim. Personas non gratas bem vejo o que é (*).
Estamos no advento, sim, mas no advento doutra era.
Jornal do Meio-Dia, S.I.C.-N., 24/12/17.
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(*) A locução latina persona non grata usa-se no nominativo, singular ou plural; personas non gratas é o plural, mas do acusativo; declinar latim a um jornalista, porém, é hoje escusado.
Natal * Carlo Maratti, c. 1650 — Óleo sobre tela, 90 x 75 cm
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Aos benévolos leitores que
FELIZ NATAL
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Pus-me agora a ver a bola. Ia dizer isto e que o Sportem está a jogar ao contrário; era o que meu pai diria. O meu pai não gostava assim. Era uma daquelas fèzadas de dar galo. Não que desse, mas podia dar. Pois, olha! O Sportem acabou de meter golo.
Entrada do campo do Sportem, Campo Grande, 1938.
Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
O jornalismo é bom, a linguagem é que atrapalha:
Uma avó portuguesa vai mesmo poder gerar o neto. O Conselho de Procriação Medicamente Assistida deu luz verde à primeira gravidez de substituição em Portugal (R.T.P., 15/XII/17).
Pela ordem natural, quem gera é mãe (e pai); quem incuba é incubadora. Se a incubadora é a mãe da progenitora (agora é mãe biológica), um ventre alugado ou uma chocadeira eléctrica, é o admirável mundo novo em gestação. Mas não é dele a trapalhice da linguagem. Ou é.
Parece que há um protesto dos tudantes da Faculdade de Direito de Lisboa. A repórter Raquel Leitoa no local diz que já irá falar com presidente da Associação dos Tudantes para que — e cito — nos plique esta forma de luta.
Antes da plicação vai adiantando que esta forma de luta é contra não sei quê mais os testes critos, e que a polícia está dentro da faculdade.
(Ninguém pense, porém, agora aqui, em fascismo: bem que há luta, bem que há policia dentro da faculdade mas em fascismo não teriamos polícia dentro da faculdade; ela estaria ocupada pela polícia — de choque; agora, a democracia é um facto e o Estado de Direito não falha. É tudo claro na linguagem.)
Prossegue a Raquel Leitoa em directo no local:
— Vou agora falar com o presidente [da A.E.] para perceber as reivindicações dele [sic].
Ele:
— Há um incumprimento (*) dos direitos consagrados no regulamento. Os professores não sabem o regulamento. Os professores ensinam leis, não sabem aplicar a Lei.
(O presidente dos tudantes protesta para que os professores de leis apliquem a Lei. Quererá, em extensão da luta, sanear já os juízes de Direito?)
Prossegue ainda a Raquel:
— A polícia está a entrar para dentro [passe o pleonasmo] da faculdade atrás deles [dos tudantes]. Formou um cordão humano [a polícia em democracia é composta de humanos, é também um facto...] Vai pedir a estes tudantes que se dirijam para a escadaria...
Na democracia em forma de luta, na democracia do protesto dos direitos dos tudantes contra professores que ensinam leis e não sabem nem aplicam o regulamento, a polícia não ordena, pede. Depois protestem que não há condições!... Condigões!...
Numa faculdade sem condigões [sic], fecham-se os portões, R.T.P., 12/12/17.
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(*) A palavra incumprimento é um epifenómeno do inconseguimento geral — e dum aluno de Direito em particular — de proferir simplesmente a expressão violar a lei. Ou o regulamento, vá!
(Revisto às oito e meia da noute.)
Chafariz do Largo do Socorro, Lisboa , c. 1945.
Fernando Martinez Pozal, in archivo photographico da C.M.L.
Disse certa vez o João Marchante: uma coisa boa dos blogos, é que podemos mudar de assunto assim...
Posto isto, que temos aqui?
O chafariz do Largo do Calvário em dia de Inverno, onde alguém rabiscou ufanamente: Benfica 2 – Beleneses (sic) 1.
No archivo photographico da Câmara não estão muito certos da data desta chapa; atribuem-na a 194... — Palpita-lhes uma década inteira e não fazem por menos!
Ora bem, sendo o mundo o que é hoje, com doutores em bola a cada pontapé num calhau e o futebol alcatruzado a ciência profusa, profícua e profundamente estudada, o que achamos? Resultados entre o Benfica e os Belenenses por 2-1 em 5 de Janeiro de 41 e em 1 de Março de 42. Há inda dois resultados de Belenenses 1 – Benfica 2 em 1 de Agosto de 43 e 30 de Abril de 44. Benfica 2 — Belenenses 1 só torna a haver em Outubro de 1952.
Aposto em 1941. Que vos parece?
Chafariz do Largo do Calvário, Lisboa, 1941.
Fernando Martinez Pozal, in archivo photographico da C.M.L.
Instituto Agricola, Lisboa, 1862.
Imagem estereoscópica da colecção do Conde de Arnoso, in archivo photographico da C.M.L.
Referências:
Cirandando agora na memória do lugar da Cruz do Taboado (ou do Tabuado, à moderna), quem viesse de lá, da estrada entre muros, para cá, em chegando ao chafariz, teria à sua mão esquerda a Rua do Chafariz de Andaluz sobre que discorri um pouco há pedaço; à sua mão dereita, detrás do chafariz e seguindo perpendicularmente à Escola Agrícola, uma rua travessa chamada justamente Rua da Escola Agrícola — actual Rua da Escola de Medicina Veterinária (nome já sem sentido), que ligava à Azinhaga do Pintor, serventia antiga vertida na conhecida Rua de D.ª Estefânia.
Ao depois, quem deste chafariz seguisse a diante, ou seja, para cá da imagem ou pela esquerda dela, tomaria sempre um de dous caminhos, a saber: o caminho de S. Sebastião, pela travessa ou azinhaga do Sacramento — hoje grosso modo a Rua de Tomás Ribeiro — ou; seguindo a diante na estrada que saía de trás do chafariz (a rua que passa hoje ante o Liceu de Camões), tomaria logo aí a Estr. das Picoas (truncada, correspondendo às actuais ruas do Eng.º Vieira da Silva e das Picoas) que, prosseguindo na Rua das Cangalhas (Conde de Valbom), levava ao Rego.
Instituto Agricola de Lisboa, Lisboa, 1862.
Coelho Pereira a partir da imagem estereoscópica da colecção do Conde de Arnoso, in Archivo Pittoresco, 1862, vol V, pág. 49, apud archivo photographico da C.M.L.
(Revisto.)
Av. do Duque de Loulé e Rua de Andrade Corvo, Lisboa, 194...
Fernando Martinez Pozal, in archivo photographico da C.M.L.
Primeiro quarteirão da Av. do Duque de Loulé em Lisboa. Tudo demolido. Cuido que num passo ou outro dos Sinais de Fogo a personagem Jorge viu esta cena, tal como o autor Jorge de Sena.
Quem entre na Duque de Loulé vindo da Gomes Freire (a Estrada da Cruz do Taboado) pode aperceber-se, não já dos prédios que se vêem na imagem, mas dos que lá fizeram ao depois. — Ainda por lá agora andam a alevantar um modernaço na esquina da Pr. de José Fontana por conta dumas casas muito antigas que lá restavam, arrisco, do séc. XIX.
Quem entre pela Av. do Duque de Loulé, vindo, pois, de cima, se for atento notará o desalinho do primeiro quarteirão à direita com o eixo da avenida nova (do Duque de Loulé) que desce à Rotunda. A direcção desses prédios à direita de quem desce, aponta no sentido da Rua do Andaluz, uma velha rua hoje «escondida», que levava ao largo do chafariz dito ao cima da Rua de Santa Marta, mas que, dali, do cimo da Duque de Loulé se não vê hoje, pois foi truncada pela Andrade Corvo e pela a construção do prédio do Hotel Alicante no seu leito. Da primitiva serventia — a Rua do Chafariz do Andaluz, que partia da Cruz do Taboado e levava ao Largo do Andaluz, como já disse — subsiste o troço intermédio, das traseiras do Hotel Alicante à Rua de Sousa Martins; ali ainda achamos hoje à mão direita de quem desce umas casas antigas com a fachada em azulejo e um portão encimado duns dizeres: Quinta da Cruz do Taboado. É no n.º 52. Não seria a casa principal da quinta, porquanto esta me parece ter sido o solar da família Mayer, que pousava mais além, onde hoje havemos o palacete Sottomayor.
Tornando à imagem aqui em cima, disitingue-se bem no empedrado da calçada o que é alinhamento novo — a Duque de Loulé — do que é o alinhamento antigo da Rua do Andaluz ou do Chafariz do dito. Adiante segue a Andrade Corvo, mais larga hoje e, mais esburacada também ao presente numa proporção bem maior do que a largueza que ganhou.
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