Vista do porto, Lisboa, 1967.
John F. Bromley, Lisboa: diapositivos 1962–2004, in Flickr.
Concedo que será estulto esperar que na Radiotelevisão Portuguesa brasileira o jornalismo dê para aproximações ínfimas à cultura clássica. Mas ilustrar uma notícia sobre o embaixador Franco Nogueira com uma fotomontagem de Francisco Franco, caudilho de Espanha, e o Vale dos Caídos, é já qualquer coisa que nem consigo qualificar.
Ubris [i.é, Húbris ou Hybris = Ὑβρις, em grego], R.T.P. brasileira, 26/IX/2018.
«Franco, sim, mas Nogueira», in O Diabo, 25/IX/18.
Uma rua que não descubro onde seja; onde fosse... — Também não curo agora de saber. Hei-de ver...
Mas cá vejo os típicos gaioleiros com janelas de bandeira, alguns com arrimos decorativos tão comuns como platibanda de balaustre e fachada de cerâmica — o azulejo tão nosso — lampiões de pé, um marco do correio; o camião dos vinhos ante a taberna…
Lembra-me da taberna da esquina, na minha rua. Via o camião dos vinhos da janela da minha casa descarregar os pipos de vinho cheios e levar os vazios — numa vez que brincava na rua quase fui atropelado pelo camião dos vinhos; apanhei um susto valente porque atravessei de repente sem medir que ele lá vinha; o camionista fez uma travagem de chiar os pneus, gritou comigo lá do alto do camião e só achei segurança nos braços do Fernando da D.ª Vicência que tinha mais um ano que o meu irmão, já era rapazola; eu tinha uns 5 anos. Nesse dia minha mãe trancou-me em casa e não me deixou brincar mais na rua, de castigo. — Da descarga do camião que abastecia a taberna do Saraiva recorda-me a estranheza que me fazia descerem os pipos por uma padiola sem nos deixarem rolar; os homens baixavam o taipal do camião, punham a padiola e baixavam por ela os pipos cheios, longitudinalmente, não nos atravessando em posição de poderem rolar por ela até ao chão; isto quando para subir os vazios recolhidos da taberna, os faziam rolar a braço pela padiola acima; sempre achei que que era trabalho estranho não nos deixarem rolar na descarga, porque descerem-nos logitudinalmente à padiola os obrigava a empurrar para baixo para vencer o atrito dos pipos nos varais da padiola. Deixarem-nos rebolar na descida não seria tão mais fácil?
Não sei se se isto entende.
Todo ele, o que me recorda aqui, é duma idade em que observamos o mundo tentando apreender como se compõe. E chego aqui à conclusão de que nada disto compõe, já, o mundo. A distribuição de vinho não é em camiões de taipal carregados de pipos; os pipos foram proibidos nas tabernas e, as tabernas acabaram. O copo de três é uma memória extinta.
Os gaioleiros também. Ruas só de gaioleiros já não há. — Conheceis aí alguma que sobre?...
____
Rua castiça, Lisboa, [s.d.].
Amadeu Ferrari, in archivo photographico a C.M.L.
Máquinas agrícolas, tractores; tinturaria Cambournac – agência; e a Havaneza da Alameda, na Rua Actor Isidoro, N.º 1. No tempo em que as siglas se escreviam com pontos de abreviatura.
Alameda, Lisboa, c. 1960.
Amadeu Ferrari, in archivo photographico da C.M.L.
Ah! E a rodovia calçada a basalto.
Tony Bennett, Tom Jones — Fly Me To The Moon
(Espectáculo de variedades: «This Is Tom Jones», América, 1969)
« […] Após os correspondentes estudos técnicos preliminares e tendo como alvo prioritário a Quinta de Montalegre (Quinta de Carlos Anjos ou Quinta de D.ª Leonor), seguiram-se os preparativos do local onde seria erguido o futuro complexo desportivo do Sport Lisboa e Benfica. Árduos trabalhos que consistiam na terraplanagem das áreas pré-sinalizadas, já depois do selvático arranque pela raiz de cerca de duas mil oliveiras centenárias de excepcional produção de azeitona e dezenas de árvores de fruta, além do extermínio do bosque de buxos e outras espécies arbóreas que embelezavam a Cascata Monumental.
[…]
Depois e no impulso seguinte, demoliram as casas de habitação, palheiros e estábulos, arrasaram a viçosa horta (a menina dos olhos da herdade) e o tanque de rega, soterraram poços de água potável, destruíram importantes lençóis aquíferos e a mina de água que abastecia a Cascata Monumental. E no assalto seguinte, revolveram os excepcionais solos de alta produção cerealífera e esventraram o subsolo até à profundidade desejada onde seria assente o chamado rectângulo de jogo. »Fausto Castelhano, «A Quinta de Montalegre e o Bonifácio», in Retalhos de Bem-Fica, 2/VIII/2015.
Na imagem, ao cimo, o muro da Azinhaga dos Soeiros cortando a paisagem, precário caminho para o novo estádio (a par da Az. da Fonte). À esq. as casas da Quinta de Montalegre, cuido, e à direita as ruínas do Casal do Caeiro, que ficava encravado na dita quinta. Mais além as casas da Quinta da Panasqueira, talvez…
Passados estes anos todos, demolido o primitivo estádio de betão e reconstruído um de Lego, acham-se por ali ácaros cibernéticos a escavar toupeiras. Novas culturas que o progresso traz.
________
Fotografia: Estádio da Luz, Quinta de Montalegre, 1955. Mário Oliveira, in archivo photographico da C.M.L.
Klínika (com acento esdrúxulo) we care, Lisboa — © 2015.
Nada disto já leva emenda. A alienação a referências lá de fora é uma constante que povoa o subconsciente do indígena. Não há título, nome ou marca comercial que não reverbere o bárbaro: do stand de automóveis qualquer coisa car à agência de administração de condomínios Great House, passando pela faxineira Molly Maid ou outra merdice maid, o português só se dá conta de português pela selecção cervejeira. Uma coisa fomentada de dois em dois anos por reportagens assaz brilhantes sobre o autocarro da selecção. E até nisso nem é da selecção. É antes uma brasileirada que as televisões adutaram...
Porquê tal referência? A Route 66 é que dá essência à E.N. 2? Bardam... ao Sapo mais ao destaque! A Sarah e o Rui (ou será Roy) que se enxerguem! Ou se rendam meramente ao bárbaro. O Português acabou, afinal! É feio bater nos mortos.
Este ano ouve-se para aí que não muda a hora. Os mandarins de Bruxelas sondaram para se não mudar — descobriram que faz mal à saúde… 4 600 000 de europeus responderam (3 000 000 deles terão sido — é isto o jormalismo — alemães); 4/5 diz que disseram que não mudasse a hora. Os mandaretes do protectorado rectangular nada farão senão cumprir o que palpitou essa mole de germânicos. Tempos houve em que a hora legal em Portugal era sopesada cá, por gente de cá, e decretada soberanamente. Depois do grande acidente nacional acomodaram-nos ao estrangeiro. Agora é como é.
Ainda assim (sendo que Portugal acabou) menos mal…
Setembro está para Março…
O mês mai' radioso é Junho. Gosto dos meses luminosos. Julho está para Maio — mais dez, menos dez dias; Agosto para Abril… A diferença é o calor; Julho, Agosto e Setembro são no Verão.
Em Abril, vindo do Inverno tristonho, os dias parecem-me sempre mais radiosos (salvo quando chove); frescotes, brumosos, mas mais radiosos, prenúncio de dias ainda maiores e, do Verão. O ânimo anima-se-me.
Dantes, os alfacinhas abriam a época das hortas em Abril. A romaria dos domingos aos retiros arrabaldinos seguia até Outubro, tanta vez entre fados e esperas de toiros. Mas eram as pescadinhas de rabo na boca que chiavam tardes inteiras na sertã ou o coelho que ia para a caçarola enquanto na almácega nadava a alface, a refrescar.
Tempos bons de prazeres simples...
Cuido que herdei uma inconsciência do ciclo desses tempos. Vou tomando consciência agora.
De Abril sinto-me antecipar com prazer os dias grandes e radiosos do Verão. Por Abril, entre brumas que embranquecem ainda as manhãs frescotas de Primavera, cada sábado e domingo madrugo propenso ao devaneio: pela manhãzinha me levanto e barbeio com fados de antigamente ecoando fanhosamente duma grafonola pela jinela aberta do saguão onde pouso o espelho de mão. Capricho meu, repartido com uma vizinhança, que não madruga nem se vê (nem é de cá). O ideal seria a cena com bacia e gomil numa trapeira com o velho faduncho a repercutir-se por telhados castiços, entrevendo o Tejo.
A vida tem limites. O tempo mata os horizontes. Supre-se-me o devaneio. Setembro é deprimente. Os dias encurtando-se e ao depois, enfim!... Deviam era logo decretar o fim do Inverno, pela minha rica saúde.
_____
Fotografia: S. Miguel e o Tejo tomados da Adiça, Alfama, 195... Artur Pastor, in archivo phtographico da C.M.L.
Fado: Amália, As Penas (Fernando Caldeira/«Fado Bacallhau»). Continental, Rio de Janeiro, 1945.
E.N. 104, km 12, Trofa, 2012.
Fotografia: cortesia do Sr. J.A.A.P.
Entretanto a imagem parece que perdeu a actualidade. Peço desculpa ao autor.
Adamastor (O)
Apartado 53
Bic Cristal
Blog[o] de Cheiros
Carmo e a Trindade (O)
Chove
Cidade Surpreendente (A)
Corta-Fitas(pub)
Delito de Opinião
Dragoscópio
Eléctricos
Espectador Portuguez (O)
Estado Sentido
Eternas Saudades do Futuro
Fadocravo
Firefox contra o Acordo Ortográfico
Fugas do meu tinteiro
H Gasolim Ultramarino
Ilustração Portuguesa
Lisboa
Lisboa de Antigamente (pub)
Lisboa Desaparecida
Menina Marota
Meu Bazar de Ideias
Paixão por Lisboa
Pena e Espada(pub)
Perspectivas(pub)
Pombalinho
Porta da Loja
Porto e não só (Do)
Portugal em Postais Antigos(pub)
Retalhos de Bem-Fica
Restos de Colecção
Rio das Maçãs(pub)
Ruas de Lisboa com Alguma História
Ruinarte(pub)
Santa Nostalgia
Terra das Vacas (Na)
Tradicionalista (O)
Ultramar
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.