Um motoqueiro do género brutamontes, o Jaiminho, salvo erro, lá da rua de cima, costumava dizer com gestos largos:
— O Correio da Manhã?! O Correio da Manhã é aquele jornal que dá a notícia do cabo-verdiano que matou o irmão à facada e depois põe uma fotografia de onde o irmão ia cagar.
Foi a melhor definição do Correio da Manhã que houve.
Pois houve! Velhos tempos… O tempo passa e nada fica igual. Todo o mundo é composto de mudança, já dizia o poeta, mas até nem isso. Agora temos o sacrossanto pugresso.
O Correio da Manhã montou-se no cabo e evoluiu do pasquim da gaja boa e da notícia de faca e alguidar na primeira página para o tele-evangelismo. A violência doméstica é a religião que prega. E como prega!…
Não por acaso, o adjectivo doméstico ganhou hoje foros de tão magna sacralidade que se tornou blasfemo fora do catequizador enunciado, como dantes, em que se usava a qualificar empregadas ou animais, domésticos. Ambas estas singelezas do quotidiano se expurgaram dos assépticos subúrbios deste novo mundo. O que temos do pugresso são finalmente colaboradoras e animais de companhia. — Dos animais bem temos visto como pugride o seu deputedo político. E das empregadas domésticas às colaboradoras subjaz a quintessência do mistério que consagra em plena divindade a violência doméstica no altar da sacralização feminina. Não esta no sentido histórico ou romântico, heteropatriarcal do galanteio e da cortesia. Mas como anátema masculino. Daí que fora com galanteios e cortesias e, ámen! agora ao mulherio, na pós-moderna forma de feminismo varonil; meninas, raparigas, senhoras, damas, donas, gajas, tipas, rameiras e toda a restante sorte de coirões que o belo sexo outrora continha valem agora indiferentemente como homens. — Que mundo! — Escaparão à voragem por ventuira algũas moças, por provirem de linguagem aldeã arcaica; desconhecidas, não imaginadas nas redacções sacristias e, inexistentes, portanto.
O altar mais sagrado da violência doméstica é o canal do Correio da Manhã. Acima do Governo e do Diário da República. Reza ladainhas de violência doméstica a cada noticiário como quem reza o terço ao fim da tarde: — Avé violência doméstica, cheia de desgraça, o Correio da Manhã é contigo. — E quando descai na velha faca e alguidar é porque a faca foi empunhada por uma mulher. Foi o caso da Bruna Letícia, mulher ciumenta e possessiva (estou a citar a missa do Correio da Manhã esta noite ao jantar) que degolou o namorado com quem se amancebara (o verbo amancebar sou eu que digo, não os pregadores do Correio da Manhã). Pois nem coabitando com o namorado — circunstância doméstica por definição antiga de séculos — arvorou o acto de haver aquela mulher morto ou matado o seu homem à categoria sagrada da violência doméstica. Nem por haver sido entre a cozinha e a casa de jantar ou o quarto. Não reza o Correio da Manhã de haver nunca tal sido violência doméstica. A Bruna mata o namorado, é o que dizem. Já com a Rosa Grilo também não foi nada violência doméstica, mas aqui há como atenuante uns angolanos, que sempre ressoam como gajos…
Violência doméstica Mata namorado, Jornal Missa das 8 (CMTV, 23/X/19).
Não houve portanto violência doméstica. Se os sacristães do Correio da Manhã o não disseram nem escreveram, logo não se trata de violência doméstica. Isso assim posto é um facto que testes de laboratório não desmentem. Não se pense por conseguinte no caso da Bruna Letícia em tal ou sequer em singela violência. Os termos enunciados pelo Correio da Manhã foram de que a Bruna Letícia se desentendeu com o namorado por ter ele dado os parabéns a uma antiga namorada, e que, por isso, acabaram, ele a e Bruna, aos encontrões. No meio desta… dança, a Bruna nem deu polo esfaquear. A faca calhou matá-lo, e ele, morreu, mais nada. Nada de violência, sobretudo nada da doméstica.
Já na notícia homilia a seguir à da Bruna Letícia o caso foi outro. Completamente diferente. A violência era desde logo doméstica porque o homem agredia verbalmente a ex-companheira. E ao depois até lhe pregou umas cacetadas. O homem e a ex-companheira nem ouvi que houvessem sido casados, se bem que fosse dito que o casal já não vivia junto aquando das cacetadas.
Pois aqui neste caso fica claro: fora de cozinhas e casas de jantar, o homem agredia?
O homem agredia. Foi violência doméstica. É ou não é?
Violência doméstica, Jornal Missa das 8 (CMTV, 23/X19).
(Revisto às 2h00 menos 5 da tarde de 24.)
Há Brandeburgo e brande Kopke.
N.º de frota 286 da Carris com brande Kopke, Av. 24 de Julho, 1967.
© L. Murphy, apud Chris Evans, in «Flickr».
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