José Hermano Saraiva, Torre da Lagariça.
(Lendas e Narrativas, R.T.P. 2, 29/V/1996)
Na introdução (p. 11) temos António Ferro como cimentador do Portugal retardado e atávico do séc. XX. Logo à entrada do primeiro capítulo (p.15) temos que Portugal no fim do séc. XIX é um país muito atrasado. Intriga-me está lógica de que vindo «muito atrasado» do séc. anterior, o biografado cimente o Portugal retardado do séc. seguinte.
Em meras 4 páginas…
A propaganda tem coisas!…
Ainda na introdução (p. 13) «usando e abusando do poder que lhe foi concedido, Ferro sentou à mesa do orçamento intelectuais e artistas, arquitectando com eles a figura de um ditador messiânico num país pobre que dança o vira e o fandango.»
O trecho é um primor de inspiração literária e lapidar no estilo usado ad nauseam pelo morigerado jornalismo hodierno para qualificar a… democracia de Abril. Tire o A. dele «um ditador» e ponha-lhe «uma democracia», mude o vira e o fandango em festivais de cerveja e rockalhada e, a mesa do orçamento aparecer-lhe-á messianicamente muito mais justa! E o país pobre prestar-se-á como nunca ao epítecto de pobre país! — Se o conseguir entender…
Ao menos o vira e o fandango são nossos.
Mais um livro, enfim, sem fio (colagem de verbetes avulsos com capa de cartolina) com fito apenas de desfazer do Estado Novo. O regime tem tanto de odiado como de ganha-pão para todo o antifascistóide que vegeta democraticamente por aí. Não fosse a parasitice interesseira, não pareceria que quarenta e tantos anos depois o sempre ciciado «fassismo» ainda surgisse tão papão, tão papão que metesse medo. Papões, bem se os topa... — Não diziam cantigueiros, dos outros: «eles comem tudo»?!... Da «Joana come a papa» foram eles que ensinaram melhor. Daqui aos papões foi um trago.
O volume, que me ofereceram de muito boa fé, foi arrematado por 1€ na Feira da Ladra. Uma inconfidência de verdadeiro valor. Ou a prova da barateza da intrujice nos tempos que correm!… O A. de mais esta maledicência indispensável sobre o Estado Novo é apresentado ao leitor incauto com dois grandes qualificativos acima de toda a suspeita: «investigador» e «independente». Duas marcas ISO 9000 de qualidade e acreditação de qualquer pregador antifascista, mai-la sua rica propaganda.
Haverá mais suculento cartão de visita?
— Sim! — Diz que de profissão é jornalista.
Mais: entre pares desta estirpe, este A. é quem se mais tem dedicado «à pesquisa dos aspectos mais sombrios do Estado Novo.» Ora «sombrios» anuncia com alva pureza o que vem. Ninguém cairá na ingenuidade de tomar «sombrio» pelo que se quede singelamente na sombra, desconhecido, e portanto seja pertinente revelar; «sombrio» é claramente antes desdizer com baixeza do que se até já conhecia bem melhor contado, mas que se quere agitar por maldizente propaganda como tenebroso. Qualificar com este lugar-comum o Estado Novo é necessário, mormente quanto os mesteirais de Abril afloram mais e mais estridentes ano a ano, mais e mais impantes dia-a-dia no seu mester de rapina. É preciso ir berrando mais alto para o abafar. Daí o afã crescente em denegrir o Estado Novo. Somente que, denegrir o Estado Novo pela maledicência sobre António Ferro (ou outro que fosse) e ganhar a vida com ele, marca o rasteiro que se pode ser. E bate certo: ficamos informados do cariz do A. e do seu propósito. Dispensamos a leitura.
P.S.. O vir aquela virtuosa apresentação do A. jornalista, «investigador independente» chapada na badana de trás do livro é que se não compreende. Como cartão de visita, qualquer badana, sobretudo a traseira, não me cheira que abone. Que descuido!...
José Hermano Saraiva,
(Lendas e Narrativas, R.T.P. 2, 22/V/1996)
«A Perna de Pau», in O Antonio Maria, N.º 28, 11 de Dezembro de 1879.
A entrada do retiro da Perna de Pau, ao Areeiro, Lisboa, c. 1900.
Fototipia animada de original de A. n/ id., in archivo photographico da C.M.L.
« O último reduto, prestes a tombar, mantendo a mesma modesta aparência: a velha porta guarnecida de ferro e as duas janelas igualmente gradeadas, atestando a sua vetustez, dão passagem à luz solar indiferente às evoluções do progresso, animando e confortando aquela veterana casa que primava na apresentação do peixe frito a saltar na frigideira e na salada colhida no momento, rendendo muito merecido conceito ao velho retiro.
A «Perna de Pau», instalada na Quinta de Santo António, pertencia a Fortunato José Ferreira, capitão-de-mar-e-guerra, que a vendeu por quatro contos e quinhentos mil réis, a pagamento.
Foi inaugurada em 1860, tendo sido sua primitiva proprietária Gertrudes Rosa Soares tia de João Gregório da Silva mais conhecido pelo João da Feiteira, simpático ancião, que acompanha ainda de perto os serviços agrícolas da Quinta do Grilo [Quinta da Holandesa?], ao Areeiro, onde reside, das varandas da qual se divisa vasto e esplêndido panorama.
Um tiro perdido colheu a sua tia numa perna, que lhe foi amputada, utilizando, desde então, uma perna de pau que ainda hoje se guarda como troféu e que originou o nome do retiro mantido até ao presente.
Esta celebrada locanda, porventura a mais antiga, a única sobrevivente da fiada de famosos retiros que guarneciam aquela área suburbana, fiel paradigma de eras vividas, hasteia ciosamente, no sopro de vida que ainda lhe resta, o galhardete que a vaga de ruínas lhe trouxe à mão fazendo-a detentora responsável pela continuidade brilhante de um passado glorioso que, a despeito das vicissitudes e vaidades contemporêneas, jamais fenecerá avivando-nos na mente a Estrada de Sacavém.
A velha guarda que a frequentava nesses tempos idos, quando adrega passar-lhe rente espreita-a, com ternura, e presta-lhe, comovida, o culto da saudade.
As cousas falam… — é o título dum precioso trabalho literário do brilhante escritor e meu prezado amigo Doutor João Barreira.*
Que dirão aquelas defeituosas pedras, as carunchosas madeiras e os confusos vestígios ao verem passar, velozmente, as motorizadas viaturas indiferentes ao pretérito, alheias às épocas anteriores, emitido de seus aparelhos motivos wagnerianos e trechos de óperas…
Elas, tocadas de melancolia, nostálgicas dos longínquos e lânguidos sons das guitarras premidas por dedos famosos e em que o fado enternecia e cativava com enlevo, refugiam-se nas sombras da tradição…
Panorâmica s/ a Perna de Pau, ao Areeiro, tomada dos Lagares d' El-Rei, Lisboa, 1947.
Fototipia animada de or. de Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
De todos os recintos que marginavam esta Estrada de Sacavém, a «Perna de Pau» agrupava elementos ciosamente apaniguados imprimindo-lhe feição típica de pedilecção e radicando-lhe personalidade.
O abrigado espaço destinado às tipóias e outras viaturas por onde se ingressava pelo portão de madeira contíguo ao portal de ferro para entrada dos peões e a que há pouco me referi, espaço cuja área era protegido por velho telheiro; a proximidade do tanque, onde as alfaces, as couves, os rabanetes e variada hortaliça trazida da horta à nossa vista em padiolas, eram diligentemente lavadas e artistìcamente agrupadas por espécies na carroça a que, horas depois, jungiam o boi ou o macho que vinha — entre varais — dar termo na Praça da Figueira ao sobrante vegetalismo que atapetava a terra destinada a hortejo; a tipóia de travão corrido e parelha sob o astuto olhar do cocheiro a nosso lado na extensa mesa comum onde o comedido das vozes sofria a alternativa que o decorrer do repasto provocava; tudo isto imprimia um cunho especial que a herança do tempo impunha e a respeitável tia Narcisa, última locandeira, falecida em 1912, acalentava acolhendo, sorridente, a categorizada freguesia.Especialidades culinárias, em designados dias, desafiavam comensais afeitos a tais saboreios e desse contacto ininterrupto, emergia um comunicativo bem-estar que contagiava massas heterogéneas, garantindo-lhes ideal prazer a que os acordes da guitarra e a maviosidade dum estilo garganteando letra adequada, agradàvelmente ouvida, punha a nota intrínseca indispensável e epilogante.
Nas «Farpas», o notável e erudito prosador Ramalho Ortigão dizia-nos:
A «Perna de Pau», o restaurante célebre bem conhecido de todos os estômagos com tendências bucólicas, de todos os estômagos impelidos pela nostalgia das hortas para fora de portas no tempo do tomate — organiza com os primores da estação a nova lista dos seus acepipes.»
João Monteiro, A Estrada de Sacavém, Lisboa, Grupo «Amigos de Lisboa», 1952, pp. 77-79.
Grupo de «estômagos com tendências bucólicas impelidos pela nostalgia das hortas», Retiro da Perna de Pau, pelo tempo do tomate dos anos de 1900.
Fototipia animada de original de A. n/ id., in archivo photographico da C.M.L.
Os vocábulos pregar e pregar são homógrafos. Sucintamente pregar pode ser uma de duas: pregar pregos ou pregar noutra freguesia. Graficamente não se distinguem, mas deviam; são coisas distintas e soam diferentes; na oralidade, por conseguinte, não se confundem… excepto – lembra-me agora – no caso do raspanete. Oiço pregar raspanetes mas pode bem melhor ser pregar raspanetes, como quem prega sermões...
Pregar vem do latim plicare (= dobrar, enrolar, enroscar); não sei quando se deu o rotacismo passando o «l» a «r»; o «i» breve do latim clássico cuido que já era «e» no latim vulgar e o «c» também há-de ter abrandado em «g» no latim vulgar, mas não curei de o confirmar.
Ignoro quando foi que o substantivo «prego» tomou o sentido de «cravo» (do lat. clavus, haste pontiaguda de metal com cabeça); no séc. XV aparece «prego» atestado com esse valor na Contemplação de São Bernardo (& deitaromno sobre a cruz & pregarom lhe a mãao direita com hũu prego muy forte) e o mais que sei é que em falando de «espetar pregos» Tito Lívio diria clauos pangere.
Pregar, porém, tem as seguintes etimologias: preegar < b. lat. predegar < predigar < lat. praedicare (= dizer publicamente, proclamar, exaltar, celebrar); o ditongo ae do latim clássico deu simplesmente «e» no latim vulgar e veio a fundir-se com a vogal seguinte pela síncope do «d». A síncope do «d», cuido, sucedeu na fase do romanço anterior à formação do nosso idioma do mesmo modo que videre > veer > ver (*) ou ex-cadescere > escaecer > esqueecer > esquècer. — A propósito de «esquecer» é interessante aprender o que nos ensina o Dr. José Leite de Vasconcellos nas Lições de Philologia Portuguesa (p. 149):
« Excadescere, verbo inchoativo, deriva de cadere «cahir», porque esquècer é como que cahirem da memória as ideias pouco a pouco; o prefixo ex- denota procedencia. O vb. excadescere tinha pois, no latim vulgar da Lusitania acepção metaphorica muito material. Este verbo parece que não se encontra noutras lingoas romanicas. A passagem da ideia de «cahir» para a de «esquècer» é um caso de Sesmasiologia ou Semantica.»
Nos três casos apontados e em inúmeros outros (cf. Lições de Philologia, pp. 146 e ss.) de crase de vogais houve como consequência o reforço do timbre da vogal resultante. Esta é a razão de pregar manter há séculos o «e» aberto. O fenómeno da crase de vogais sobrevive no português e é bê-á-bá de filólogos. E é ele tanto mais notório ao comum indígena (de Portugal) quanto contrasta com a metafonia do português, esse fenómeno do nosso idioma que de padre faz padrinho, elevando a primeira sílaba de pá- a pâ- só do avanço da tónica. Dele, como entendereis, se tira a falsidade e má fé pregadas (pregadas ou pregadas?...) na nota explicativa do acordo ortográfico pelos seus autores. Eles não podiam ignorar que a supressão de consoantes etimológicas com valor diacrítico nos casos de acção, adoptar, objectivo &c. se não pode justificar com exemplos resultantes de crase em vogais átonas. — Como aduzem então como justificação corar (< coorare < colorare), padeiro (< paadeiro < pãadeiro < panadeiro < lat. panatariu) e pregar?!... (**) — Naqueles casos de acção, adoptar, objectivo &c. foi justamente de não haver nem crase nem nada que valesse às vogais átonas que logo na reforma de 1911 foi entendida a necessidade das consoantes etimológicas para marcar o timbre aberto da vogal átona precedente. Com vantagem de não desfigurar excessivamente o português em relação às demais línguas românicas. Pois os autores do «Acordo» de 90 desdizem esses ensinamentos e socorrem-se cavilosamente de exemplos doutra estirpe para virarem o bico ao prego às lições de sábios bem maiores do que eles.
Se dúvida houvera, mais prova dessa má fé se lhes podia achar no arremesso dos exemplos franceses objet e projet contra as atendíveis razões de similaridade do português escrito com os outros idiomas românicos. Daqueles objet e projet apresentados por não conservaram o «c» latino no seu devir morfológico, a realidade que escamoteiam é que as formas derivadas objectif, projection &c o exibem garbosamente. O mesmo no cotejo com o castelhano, cuja Real Academia Española legitima objecto na 22.ª ed. do Diccionario de la Lengua Española; apesar de o tachar de arcaico face ao moderno objeto a verdade é que o não suprimiu. Tudo isto os embusteiros autores do dito acordo ortográfico omitiram conscientemente porque lhes não servia o óbvio propósito de submeter o português de 7 países, estável de mais de 60 anos, ao particular capricho brasileiro (cf. «Conservação ou supressão das consoantes...», Nota Explicativa ao Acordo Ortográfico de 1990).
Tornando a pregar, apesar de a crase estar viva no idioma em casos que decorrem directamente do latim, como pregar e pregador (< lat. praedicator = proclamador público, arauto, elogiador, evangelizador), o certo é que os derivados castiços pregão, pregoeiro ou apregoar se não estribam o suficiente para lhes soar aberto o «e». Já na 1.ª ed. do Aulete (1881) a pronúncia indicada não dava o «e» aberto, o que é sintomático do forte pendor de emudecimento de vogais átonas no português. Tanto assim que já no manuscrito medieval da Coronica do Condestabre de Purtugall comprovamos a pronúncia de «o» átono por «u». É certo que mais cedo do que tarde, sem as consoantes etimológicas, palavras como actor, director e adopção hão-de soar como âtor, dirtor e adução. Esta última, escrita no Brasil sem o devido «p» há mais de meio século, soa muito por lá como à-dô-ção. Sem «o» verdadeiramente aberto, portanto.
(*) Em veedor / veador > vedor a crase é mais notória e deu-se já no português antigo, não no romanço.
(**) Nem o último exemplo que aduzem, oblação, lhes serve ao descaso. Oblação e todas palavras começadas por «o» seguidas de consoante são pronunciadas com ó aberto ou, se tanto, soam com ô. Os da reforma de 1911 não no deviam ignorar, tanto que obliteraram as consoantes duplas nas grafias de occidente, official, opposição &c. sem o pejo que puseram em casos como adopção ou nocturno. De toda a maneira sucede-me ouvir a transmontanos pronunciar como «u» o «o» inicial destes casos. -- Se porém queriam exemplificar que era o a de oblação que era aberto, ledo engano; é tão fechado como o primeiro a de relação. Consulte-se o Priberam.
(Publicado originalmente em em 19/I/13 às 10h00 da noute mas, há sempre gente nova a chegar.)
«Lastimoso período da nossa História, que o homem sensível não pode discorrer sem lágrimas! É reservado às almas ferozes o verem com indiferença aproximar-se o momento de ser derribada às mãos da perfídia uma monarquia de 7 séculos, abatido um trono em que se sentaram tantos príncipes respeitáveis, perseguida e expulsa uma Real Família adorada de seus povos, destruídas as leis, os usos e a própria religião do Estado (p. 185).»
O vol. 1 da edição da Afrontamento inclui os dois primeiros tomos da «História Geral da Invasão dos Franceses &c.» e versa a invasão, remontando os acontecimentos à ascensão de Napoleão, à campanha do Rossilhão e traição da Espanha, à Guerra das Laranjas, à diplomacia afincada do Príncipe regente D. João para apaziguar as tenções de Napoleão, até à preparação e fuga da corte portuguesa para o Brasil. Com mais miudeza dá conta da invasão, ocupação e saque dos franceses em Portugal e revoltas de Espanha, até Maio de 1808. Os dois primeiros tomos foram publicados em 1810, muito à data do que contam; de actualidade jornalística, poderia dizer-se. O estilo é claro e simples, em português genuíno, sintacticamente actual (a semântica há naturalmente de ser lida em contexto, como texto histórico que é) e nada eivado de galicismos nem (coisa muito hodierna) anglicismos. A ortografia é, naturalmente, a de 1945, com revisão cuidada, salvo, que me lembre, do topónimo Pirenéus, grafado Pirinéus.
Li-o há décadas para um trabalhinho escolar e, talvez dele, não tirei o devido gozo da leitura.
O benévolo leitor interessado em História bem contada que leia este volume da edição da Afrontamento pode passar as c. 130 páginas de estudo introdutório; mais não são que prolixidade académica, com «proposta de leitura», tiradas cheias de estilo como «interiorização da exterioridade» e «exteriorização da interioridade» e, uma ainda melhor: de que Acúrsio das Neves é «um doutrinador da sua época historicamente atrasado». Ser «da sua época» e «historicamente atrasado» em simultâneo é um achado só visto em doutrinadores de estudos introdutórios da sua própria época, mas historicamente adiantados, já o leitor vê!…
José Hermano Saraiva,
(Lendas e Narrativas, R.T.P. 2, 15/V/1996)
Sinais. Crónicas radiofónicas com as impressões de Fernando Alves acerca disto e daquilo que veio no jornal ou que foi posto a correr como notícia pelas centrais da homilia mundial.
As crónicas são datadas e continuam até hoje. Mas as impressões do A., jogos de palavras mais ou menos literários de intelectual de esquerda (passe a redundância) glosando temas de nada para moralização geral têm um fundo necessário, gramsciano, que fatalmente deve tomar as mentes. E daí continuarem até hoje. A missionação nos anos 90, como antes, era assim. 20 anos depois é pior. Fernando Alves é um espirituoso mais além das espécies camilianas: é um jornalista. A cada adjectivo ou aposto, uma ironia, ferrando o alvo a abater:
... E o inenarrável «site» da American Patrol. A «Internet» dá abrigo a tamanhas maravilhas, mas é muitas vezes a «Big» Orelha da bufaria da América borrada de medo [...] É aqui que se encontram os delatores [...]
Glenn Spencer, cidadão do mundo livre, criou, a partir de um escritório em Los Angeles, uma página de delação na «Internet». Lá encontramos lancinantes avisos: «Os mexicanos invadem o SO dos Estados Unidos. É a reconquista com apoio do governo mexicano e a tolerância do Estados Unidos.»
A página instala uma espécie de mccarthismo cibernético, não já contra os comunistas, mas contra os outros americanos.
Glenn Spencer [...] tem orgulho em colaborar gratuitamente com a polícia compilando toda a informação disponível sobre a entrada ilegal de mexicanos nos Estados Unidos.
No «site» da American Control o patriota Spencer recebe elogios de agentes da polícia pelo entusiasmo vigilante que contraria «a inutilidade dos esforços do governo norte-amerciano». Mas foi o governo norte-americano que criou o monstro, que instigou a sanha delatora [...].
Piadola final de pretenso antifascista sempre obrigado à clandestinidade pelo neofascismo, agitando a superioridade moral que lhe vai nas entranhas. Cuidado!
Pelo sim, pelo não, desligo o computador, não vá Glenn Spencer localizar-me na rede.
(«Big Orelha», Sinais, p. 56.)
Reler ou ouvir estas crónicas hoje é a prova dos anos que tem já a missa, mesmo que datada.
Vem com um disco compacto com 20 crónicas. É a parte em missa cantada. Quando comprei o livro em 2000 não me apercebia destas coisas.
Fernando Alves, Sinais, 1.ª ed., Oficina do Livro, [Lisboa], 2000.
Publiquei há dias à conta da Quinta da Saúde uma planta de 1909 cuja luz faço agora com o inventário do que ela contém e do que lhe corresponde actualmente.
J.A.V. da Silva Pinto, A. de Sá Correia, Levantamento da Planta de Lisboa: 1904-1911: planta 12 K (des. por F. Santos), Lisboa, 1909.
Planta referente a: Rua do Conselheiro Moraes Soares, Cemitério Oriental (ao Alto de S. João), Quinta do Pinheiro, Rua do Sol a Chellas, Quinta do Sol, Quinta da Curraleira, Quinta Nova, Quinta do Loureiro ou Quinta do Poço, Casal Novo, Quinta dos Sete Castellos, Rua do Barão de Sabrosa, Rua 4 de Agosto, Rua Sabino de Sousa, Azinhaga dos Sete Castellos, Azinhaga do Arieiro, Quinta do Sabido (ou da Ladeira), Quinta da Saúde, Quinta do Manuel dos Passarinhos, Azinhaga dos Baldaques, Quinta da Silveira, Horta da Cera, Quinta da Brazileira, Quinta da Pimenteira, Quinta do Papagaio, Quinta do Saraiva, Estrada do Poço dos Mouros e Quinta do Manuel Padeiro.
Actualmente: Rua do Sol a Chelas, Quinta da Curraleira, Rua António Luís Inácio, Rua Melo Gouveia, Rua Barão de Sabrosa, Rua Quatro de Agosto, Rua Sabino de Sousa, Travessa dos Baldaques, Rua Dr. Oliveira Ramos, Rua Actor Vale, Rua Actor Joaquim de Almeida, Largo Mendonça e Costa, Rua Carvalho Araújo, Rua Lucinda Simões, Rua Ângela Pinto, Rua José Ricardo, Rua Edith Cavell, Rua Actor António Cardoso, Rua Morais Soares, Calçada do Poço dos Mouros, Rua dos Heróis de Quionga, Rua Cavaleiro de Oliveira.
O archivista diz que é da Vá-Vá. Mais certo ser ali a mota do Chico. Mundo de miragens…
Esplanada da Luanda, Av. de Roma, c. 1970.
Artur Pastor, in archivo photographico da C.M.L.
Abertura [Prolongamento] da Rua Actor Vale ligação com a rua Carvalho Araújo, Lisboa, 1944.
Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
O meu Amigo Mário Cruz pôs o caso de a casa da Quinta do Bacalhau ser o casarão aqui retratado por Eduardo Portugal em 1944, no enfiamento da Rua Actor Vale. Respondi-lhe que, pois, pode parecer, mas não. A casa da Quinta do Bacalhau tinha pilastras, esta não tem. Tinha ela no andar nobre uma ordem de 7 janelas em simetria 1 + 1 + 3 + 1 + 1, a que se vê tem 6 janelas sincopadas no 1.º andar do alçado S, virado ao fotográfo. Aquela era na Estrada de Sacavém, esta que diz o meu velho Amigo era na Az. do Areeiro, c. de meio quilómetro a SE.
A casa rústica da fotografia de Eduardo Portugal era a casa da Quinta da Saúde, que confrontava a N com a quinta da Ladeira ou do Sabido, a S com a Quinta do Manuel dos Passarinhos (actual L. Mendonça e Costa), a O com a dita Az. do Areeiro (actual R. Carvalho Araújo) e a E (grosso modo) com os barrancos da Barão de Sabrosa.
No Levantamento da Planta de Lisboa: 1904-1911, planta 12 K, vê-se esta casa da Quinta da Saúde com seus jardins e suas abegoarias no quadrante sup. esq. Noutra planta, talvez dos anos 1920 ou 30, a casa em forma de L da fotografia de Eduardo Portugal vê-se desenhada no limite à esq.
J.A.V. da Silva Pinto, A. de Sá Correia, Levantamento da Planta de Lisboa: 1904-1911: planta 12 K (des. por F. Santos), Lisboa, 1909.
Projecto do prolongamento da rua Actor Vale através da Quinta da Ladeira, 1929-41, f. 61.
Arquivo Municipal de Lisboa, Núcleo Histórico, PT/AMLSB/CMLSBAH/PURB/002/03835.
(Revisto às 20 para as 10 da noite.)
O melhor será andar com uma fita métrica no bolso. E com um spray dos árbitros para marcar a área. E se tiver de ir ao mar e passar na área de outro cidadão? Pago portagem?(Comentário de B.B. à… revelação do André Pan, in Observidor [exactissimamente], 15 de Maio do ano da peçonha.)
Ou o Observador como último suspiro da imprensa em Portugal (no que resta dele).
Ana Suspiro, «Layoff [sic]. 5 a 7 mil pedidos há espera [sic] &c», in Observador, 8/V/20.
Panorâmica da Penha de França para Norte, Lisboa, c. 1909.
Fototipia animada dum or. de José Arthur Leitão Barcia, in archivo photographico da C.M.L.
Quando publiquei a da Quinta do Bacalhau conjecturou-a a benévola leitora Mandarinia para os lados das Olaias. Estava em boa medida, certa; a quinta do Bacalhau, cuja história antiga não curei ainda de saber, estendia-se para a proximidade da Quinta das Olaias. Aliás, se gente ainda há com memória da Quinta do Bacalhau, será por esses lados além do Alto do Pina, pelas costas da Rua Barão de Sabrosa e da Az. da Fonte do Louro. Nas bandas da Encosta das Olaias, portanto. Mas a Quinta do Bacalhau descia até à beira da Estrada de Sacavém, caminho de hortas e retiros que, saindo do Largo de Arroios levava ao Arieiro e prosseguia até ao seu anunciado destino pela Portela e Encarnação (ponto geográfico no nó de estradas designado depois por Rotunda da Encarnação e hoje mais por nó do Prior Velho, também dito do RALIS).
Não sei se da parca legenda inscrita na panorâmica se conseguirá quadrar com o presente o que se via aí há mais de 100 anos. Nem sei se ajudarão essoutras duas a seguir, dos anos 30, em que se acha casa. A primeira é uma vista aérea de sobre o Colégio Vasco da Gama, hoje do Sagrado Coração de Maria; a segunda é tirada das terraplenagens da Alameda D. Afonso Henriques, apontando à Rua Actor Isidoro, em embrião. Desafio o benévolo leitor a descobrir nelas a casa da Quinta do Bacalhau e a mudança que se deu nesta parte da cidade.
Vista aérea sobre a R. Pereira Carrilho, Az. das Freiras a Arroios, Inst. Sup. Técnico, R. Alves Torgo, futura Alameda e quintas do Areeiro, Lisboa, c. 1934.
José Pedro Pinheiro Corrêa, Pil.-Av., in archivo photographico da C.M.L.
Terreplenagens na Alameda, Lisboa, 1939.
Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
Últimas notas:
Tomo a casa do 256 da Estrada de Sacavém como a principal da Quinta do Bacalhau. Bem o parece, mas não sei se foi inteiramente assim, pois havia outra casa grande no coração desta quinta. Vê-se-a pela metade na margem direita da panorâmica, a 2/3 da altura. Ela sobressai numa elevação natural, no justo lugar onde em 1921 se construiu a Creche do Alto do Pina, hoje Casa dos Plátanos.
Uma descrição mais completa da panorâmica lá em cima escrevi eu há pedaço tempo aqui.
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