Estava a recordar-me… À roda dos livros é que foi, mas «à volta dos livros» é que é o título duma rubrica de rádio que havia e não sei se ainda há (há). Duma vez que ouvi a rubrica na telefonia do automóvel resolvi dizer aqui alguma coisa de nada. Palavras de ocasião, conversa, nada importante. Mesmo assim ainda agora digo algo mais, que um blogo é justamente para isto; vem ao caso do que disse então: uma das autoras — Ann Bridge, pseudónimo de Mary Ann Dolling Sanders ou Lady O'Malley — era a esposa do diplomata Sir Owen O'Malley, que foi embaixador da Inglaterra em Portugal; o curioso é que o tirei só há meses do que li na «Correspondência» do embaixador Marcello Mathias com o Dr. Salazar, por quanto a refere ele (M. Mathias) em carta de 10 de Janeiro de 1950 numa passagem sua (dela) por Paris (pp. 147, 149)… À roda dos livros acham-se pontas soltas que se aprendem e atam.
Vem isto ao caso de então, pois, mas não ao do que ia agora dizer. À volta ou à roda dos livros, como vou cirandando aqui por casa, acho num e noutro, esquecidos, marcadores e outros papeluchos a marcar páginas e que já me nem lembra quando e como os lá deixei.
É o caso.
Na «Batalha de Aljubarrota» (Comemoração do VI Centenário / Academia Portuguesa da História . — Lisboa : Academia Portuguesa da História, 1988) achei agora um folheto das festas da Nave de Haver, terra orgulhosa do meu bom amigo Eng.º Nabais (grande sportinguista). A Nave de Haver só terá de muito remotamente haver de ver com qualquer aljuba rota se ali aparecer judeu raiano de gibão do séc. XIV, rasgado; afora ele, talvez algum contrabandista com véstia do género em atribulada fuga à Guarda Fiscal no séc. XX. De aljuba ou gibão, no séc. XXI o que começa a ser tratado como contrabando são as festas de toiros e, lá chegaremos, a capeia arraiana. Não será o caso em Nave de Haver, pelo menos até 2012, ano do folheto. E eis quando terei andado eu a ler o opúsculo da Academia da História.
Tornando ao que ia dizendo, no «D. Sebastião e o Encoberto» (Estudo e Antologia / António Manuel B. Machado Pires. — 2.ª ed. — Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1982) achei há dias um postalinho do Dia Mundial da Poesia, Fnac Colombo 21 de Março… de 2004. Terei então andado por lá (pelo livro; e pela Fnac também, talvez…)? Faltam-lhe todavia palavras a «As Palavras» de Eugénio de Andrade. — Editores infelizes, que promovem a poesia e ao depois a publicam só pela metade!… — Dactilografei agora a segunda metade do poema no canto inferior para publicá-lo aqui decentemente. Duma terceira metade de poesia direi mais a deante.
Não é coisa apenas minha, esta, de certo, de deixar marcadores ou o que calha a marcar os livros. Numa 1.ª edição da «Vindima» (ou dos «Novos Contos da Montanha»… — Exactamente! Foi dos «Novos Contos da Montanha») — do Torga, que encomendei a um alfarrabista, achei a páginas tantas um calendário plastificado de 2007 com fotografia no verso dum bebé de fatinho azul. Azul-bebé. Noutra página qualquer do mesmo livro, uma nota de 50$00, daquelas da infanta D. Maria. — A nota parece que vale agora à roda dum conto de réis…
No Dicionário Clássico de Guilherme Smith (Classical Dictionary / William Smith. — [Ware] : Wordsworth, imp. 1996), a que volto vai não vai, achei há tempo bilhetes do teleférico de Santa Luzia em Viana da foz do Lima, e da Santa Casa de Azeitão a cobrar o estacionamento no Creiro: 1,50 €, este; há ele de remontar a Outubro do ano 7 quando tornámos duns dias em Atenas e, com o calor que fazia, somámos uns bons dias de praia. A Sr.ª D.ª M.ª Luísa fazia então do dicionário clássico leitura de praia e com ele ligou as pontas dessa semanita de férias: Atenas e Arrábida. E a rifa do estacionamento teve o fado de ficar esquecida na página das Moirae…
De Santa Luzia não me lembro ao certo em que ano foi. Ficou-me o bilhetinho que acabou a marcar a página dos verbetes Hespéria e Hespérides: palpitar-me-iam no bestunto laranjas ou o Algarve, algo assim… Nesta ordem de ideias, o bilhete a marcar a página do livro e a entrada do dicionário enquadram Portugal de alto a trás, de baixo para a frente e vice-versa.
Há pedaço tirei da «Lírica Completa – II», de Camões (Lírica Completa (3 vols.) / Luís de Camões, Maria de Lourdes Saraiva [pref. notas]. — 2.ª ed. — [Lisboa] : I.N.-C.M., imp. 1994), um cartão do Teodósio, o Rei dos Frangos — The King of Chicken para beef que passe possa entender —, Guia-Albufeira, pois claro! Estava a despropósito nem sei já de quê nas pp. 330-331 a marcar os sonetos De mil supeitas vãs se me levantam e Eu me aparto de vós, Ninfas do Tejo. Mais a propósito haveria de estar a marcar Os reinos e os impérios poderosos que, segundo diz o manuscrito D. 199 da Real Biblioteca de Madrid, é poema dedicado ao Duque de Bragança D. (cá está!) Teodósio. Os versos não no referem nominalmente, mas, lá iremos.
Os reinos e os impérios poderosos,
que em grandeza no mundo mais cresceram
ou por valor de esforço floresceram
ou por varões nas letras espantosos.Teve Grécia Temístocles famosos;
os Cipiões a Roma engrandeceram;
doze pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.Ao nosso Portugal (que agora vemos
tão diferente de seu ser primeiro),
os vossos deram honra e liberdade.E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
do braganção estado, há mil extremos
iguais ao sangue e móres que a idade.(Loc. cit., p. 284)
( Um parêntesis aqui porque é interessante. Houve dois duques de Bragança chamados D. Teodósio: o V.º e o VII.º. A nota da Autora a este soneto refere que se habitualmente o crê (ao soneto) dedicado ao V.º (1532-1563), porquanto o VII.º duque só adquiriu o título em 1583, já Camões era falecido. Ora o manuscrito de Madrid, no que diz — «outro seu [de Camões] ao Duque Dom Teodósio» —, só mostra que D. Teodósio já era duque quando o manuscrito foi feito, não quando Camões fez o soneto e, o soneto não se refere a nenhum duque, mas ao novo herdeiro do braganção estado. M.ª de Lourdes Saraiva frisa que os últimos versos dão a pista certa: os mil extremos iguais ao sangue, e móres que a idade são grandes feitos praticados por quem seria novinho de mais para os cometer. O VI.º Duque de Bragança, D. João, não acompanhou D. Sebastião na infausta jornada de Álcácer Quibir; em vez, mandou seu filho e herdeiro, de 10 anos, D. Teodósio, a representá-lo. Consta que o pequeno herdeiro do braganção estado desobedeceu às reais ordens de ficar sossegadinho na carruagem e se fez à batalha onde se bateu com galhardia igual ao sangue e maior que a idade, até ser ferido e capturado. Foi ao depois como tantos fidalgos portugueses resgatado pelo endinheirado Filipe II de Espanha, que o teve em Castela e o só deixou regressar a Portugal passados anos, em 15 de Março de 1580. Fizeram-se cá então grandes manifestações de júbilo e muitas homenagens. Aventa a Autora, como aventou também o Prof. Hermano Saraiva nalguns de seus programas, que esta cronologia permite conjecturar ser este um dos últimos, se não o último, soneto de Camões.)
Como é este Teodósio mais frangueiro do que Dom, ponho-o agora a marcar as
Cinco galinhas e meia
deve o Senhor de Cascais;
e meia vinha cheia
de apetites pera as mais.(Op. cit., vol. I, p. 232)
… réplica de Camões ao dito Senhor de Cascais, D. António de Castro, que lhe prometera meia dúzia de galinhas recheadas em pagamento dumas coplas e que para princípio de paga lhe mandou somiticamente meia galinha (e é esta a terceira metade de poesia que dizia eu lá para trás).
Por aqui fica, que a ceia está na mesa.
Um «caixote» de atrelado em Santo Amaro, caminho do Alto de São João, anunciando a São Cristóvão, com São Pedro a dar chuva.
Eléctrico 17, Lisboa, 1978.
Tim Boric, in Flickr.
(*) Em dia de São João Crisóstomo.
Eléctrico 27 chapa 7 atrasado e à cunha no sentido do Alto de S. João; 27 seguinte a apanhá-lo, R. Morais Soares (Lisboa), 1978.
Tim Boric, in Flickr.
Se é restaurante, não havia de ser Shisha Ali?!… Agora Shisha Lounge!…
Em 10 de Junho (data curiosa) de 1885, escrevia Eça a Oliveira Martins dado passo: — Fradique Mendes correspondia-se com toda a sorte de gentes varias, all sorts of men, como se diz na Biblia official d’esta terra (Correspondencia, Porto, Chardron, 1925, XXIII).
A terra donde escrevia era a Ingla dita. A sua linguagem bíblica adorna agora luso-melões.
Especial Luso-[cabeças de melão]; a frescura do campo, Portugal — © MMXXII
Panorâmica do alto do Ministério das Corporações, Lisboa, c. 1969.
0.Horácio Novais, in bibliotheca d' Arte da F.C.G.
Pois, a rainha Isabel de Inglaterra lá se findou. É a lei da vida!… Um que li, não sei qual, escreveu que se acabou o século XX. Fico a pensar. Nem sei bem que dizer. — O séc. XX confunde-se com a rainha Isabel de Inglaterra…? Ou é a rainha Isabel de Inglaterra que se confunde com o séc. XX em grande medida? — Deveio a rainha, em fim, fora do tempo? — Bem! Tal será a longevidade, outra lei da vida. Em boa verdade, é o que se queira.
Rei morto, rei posto. O rei Carlos já vai nos setentas — é engraçado que o último Carlos rei de Inglaterra foi casado com a portuguêsa D.ª Catarina de Bragança. São voltas que o mundo dá.
Leis da vida e o mundo às voltas. E tempo longo como dizia o Braudel…
E o tempo curto, também dizia êle.
No reinado de Isabel II a Inglaterra mirrou. Largou o império do tempo da rainha Victória. Nem deu já luta. Ou se chateou. Chateou-se mal, antes. Achou que… — Nem sei que achou. Nos anos 60 afrontou até Portugal em Moçambique por causa da Rodésia, que lhe fugira. Já não fazia nada de seu império, julgou salvar a face dum poder que não tinha e, colou-se à (suposta, instituída?) marcha do tempo. Portugal não. Não cedeu e manteve-se íntegro até 74. Isto do poder tem mais que se lhe diga… Quando se abdica é o fim…
A II Guerra desgastou-a (à Inglaterra). A Rodésia foi-se como havia de ir e ao depois foi. — E foi de vez ao depois de Portugal ir, bem entendido… — Estrebuchou finalmente (a Inglaterra; Portugal nem isso) contra a Argentina nas Malvinas com uma dama de ferro digna da rainha Victória, mas, anda agora à nora na Ucrânia, como na Escócia… É tarde. Anda ela, a Inglaterra, à nora desde 1970 ou 71 em que, já tomada pelo marxismo, abandonou os pence quebrados pelos decimais e pediu batatinhas à C.E.E. Livrou-se ao depois há uns anos da C.E.E. (ou U.E.) e anda aí agora à procura do àmanhã com uma Isa de truz ou de trusses, sucessora dum descabelado Bojo. Talvez o rei Carlos, nos setentas, seja o àmanhã… Ele parece cantar… O futuro dirá.
A rainha Isabel II pode, pois, bem, confundir-se com o séc. XX, mas só pela segunda metade, o que não abona. No séc. XXI a rainha Isabel deveio num hábito respeitável, que por cá só abona por tradição porquanto vem de fora. Entre nós, no rectângulo à beira-mar plantado agora de Sandokans e brasileiros, 70 anos de reinado ou 70 anos do que quere que seja, são tão malditos como o viver habitualmente dos portuguêses de cêpa (passe a redundância). Em tanto, de tradição (ou de séc. XX), a monarquia inglêsa é louvável, mas não passando já ao que me parece duma máscara numa taifa de mouros ou lá o que aquilo se tornou. Cá é o mesmo ou pior, com as mais modernas máscaras do progresso que, dizem, são as cirúrgicas…
«A Rainha a chegar a Crathie Kirk em Braemar, próximo de Balmoral, numa chuvosa manhã em Julho de 1996. Foi esta a única vez em que a vi e, tive a sorte de tirar esta fotografia» (G. Woods, in Flickr).
Não fôra a Sr.ª D.ª M.ª Luísa e seria eu um eremita. Viveria com certeza debaixo duma pedra. Dantes mexia-me mais.
…
No ano 2 fui de férias em Agôsto. Fomos. Coisa que nunca fazia nem faço, a não ser que prolongue o Julho. Mas, a Sr.ª D.ª M.ª Luísa estava no tribunal e, as férias judiciais…
Bem! Gizei um itinerário. Além Tejo a baixo, pela costa, nada de auto-estrada; Algarve de barlavento a sotavento; praia ao longo das jornadas. Sevilha, Nerja… Já 'qui falei dêle um pedacinho. É ver!
Pois bem! Na primeira jornada, uma quinta-feira primeiro de Agôsto, de Lisboa à Comporta pelo ferry do Sado, a Tróia, com tempo para ir à praia à tarde; seguir ao depois para Melides a pernoitar, resolvemos jantar antes ainda com boa luz do dia no Zé da Comporta. Isto em Agôsto do ano 2. Houje o Zé já não é bem o que era no ano 2; está bem lounge…
E o caso é bem êsse…
Jantámos ao depois da praia e pagámos, naturalmente. Ou estaríamos para pagar; tínhamos dinheiro. Impensável não ter…
Um casalinho na casa dos vintes (nós íamos já nos trintas), que era só quem jantava ali além de nós por essa hora, deu em reclamar. Em voz alta, a moça do casalinho: — Não têm Multibanco?! O quê?! Não acredito! Nem têm Multibanco!? — desdenhava em tom tipo morangos com açúcar, moderna, sofisticada.
Não me recorda já como pagaram. Nós, foi como disse. E seguimos para Melides a pernoitar (mais outra história…)
A historieta tem vinte anos. Passou-se. Passei eu agora há dias num grande centro comercial, jeitoso como são todos os grandes shoppings, e resolvi comprar pão numa lojinha com nome de reminiscência medieval — a cunhada já nos tem falado muito que o pão é assim, o pão é assado! — O pão, de feito, será outra história porque o não comi… A história agora é que nem tanto. Dá-se o caso de que a lojeca, a despeito do nome, é moderna, sofisticada, tipo morangos com açúcar ou para lá até. Para pagar três simples bolinhas não sei já de quê abri o porta-moedas e — Não àceitamos dinheiro — diz-me a «padeirinha» com o agora habitual sotaque tropical das novas rapariguinhas do shopping (prefiro dantes).
Olhei-a desprevenido. Tive em fim rasgo de dizer: — E o ordenado, o patrão paga-lho como?
— Não sei. É meu primeiro mês.
Voltei as costas. Desisti de comprar ali. E não sei se o Zé da Comporta não deu já no mesmo, mas tanto me dá. Se não deu, dará e êsse futuro não é para mim, eremitão que tendo a ser. Daquêle passado e da jornada pela costa alentejana, porém, recordam-me magníficos dias atlânticos. Pese o desafinanço, vai que no tempo do filho do major era melhor, pois agora nem tutu, tututu…
Dias Atlânticos, Ban
(Ao vivo em Lisboa, 1991)
Adamastor (O)
Apartado 53
Bic Cristal
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