Diz a leizinha n.º 1212/93, de 22 de Abril:
CAPÍTULO III
Da colheita em cadáveres
Artigo 10.º
Potenciais dadores
1 — São considerados como potenciais dadores post mortem todos os cidadãos nacionais e os apátridas e estrangeiros residentes em Portugal que não tenham manifestado junto do Ministério da Saúde a sua qualidade de não dadores.
Quando se o Estado meteu a querer dar despacho à carcaça dos defuntos, ninguém me tira da idéia, fê-lo por sacar poder à Igreja, mas não por obra de misericórdia, que é como a Igreja propõe o enterrar os mortos. Do apoderar-se do que era obra de misericórdia da Igreja foi um passinho passar o Estado a lambuzar-se do cadáver da gente. Não para por misericórdia sua lhe dar sepultura digna, mas para lhe poder sem mais peias canibalizar a bel-prazer uns nacos para enxertia noutros que também hão-de a final morrer. Vai daí a leizinha iníqua para estribar o assenhorear despudorado do meu futuro cadáver. O meu, o dos nascidos e o dos vindouros por nascer. Isto quando já íamos eu e as gentes em geral com uns anitos e até umas décadas valentes a sermos senhores de nossas pessoas e a distinguirmos nìtidamente que o que é meu é meu, não é para o Estado colectivizar, incluídas as próprias entranhas, pois então! De mais, quem nas quereria? — Pois, olha: o Estado. E no caso, se obstasse eu à usurpação dos despojos sem vida da minha futura pessoa? Então que me mexesse antes de morrer e o fizesse saber por manifesta e expressa vontade ao tôdo-poderoso Estado, em impresso oficial, legìvelmente preenchido em maiúsculas e, em triplicado.
Magnânima condescendência!
A coisa não ficou por aí e tem tomado proporções tamanhas que vejo já o Estado a assenhorear-se da carcaça ainda viva de cidadãos nascidos como da de súbditos nascituros para lhe febrilmente injectar poções antigripais de eficácia curta para uma longa vida ou, em alternativa esquizofrénica, abreviar-lha — a vida, longa ou curta — com testamentos vitais e eutanásias. O cabresto que vai conseguindo arrear nas ventas dos pobres de espírito é bem sinal da coisa. A desculpa lá será a da saúde pública como poderá ser o ambiental, o sustentável, a igualdade ou qualquer outra paneleirice do género que a marcha dos tempos venha pondo em voga, venha tornando imperativo moral da moda, ou haja ainda agorinha decretado dogma pela nova ordem dos cultos. Na verdade o único critério que subjaz a tudo isto é o do Estado quere, pode e manda. O Estado põe e dispõe. E por conseguinte o afã em agir sem cerimónia por dono e senhor tanto da gente ao depois de morta, como dos vivos que estejam ou não para morrer já, sem embargo até dos nascituros que desgraçadamente hão-de nascer. O Estado quere a esmo e a eito poder compôr uns com bocados doutros, recompôr mais alguns aos bocadinhos com LGBTices, ou decompôr ainda mais outros, por inteiro e acabado, com os testamentos vitais e as tais eutanásias. De caminho impõe até sàdicamente em vida uma taxa de ocupação do subsolo aos que ainda não jazem sob sete palmos de terra antes que se achem êles mortos e lhe tornem, ao Estado, êsse bendito imposto incobrável. Pouco importa, no caso, que o defunto até acabe incinerado. É um fartar vilanagem!
É, pois, como vamos. De maneira que nem entendo haver ainda aí quem se espante do esbulho que o Estado prepara à propriedade privada de vivos se do mesmo modo que o já fez ao cadáver dos falecidos. É tudo do Estado, pois! Se a gente, viva, morta ou por nascer o já é!…
Vai Fauré pela Orquestra Filarmónica da Juventude de Cracóvia por atalhar ao azedume.
Gabriel Fauré – Pavane, Op. 50.
Orquestra Filarmónica da Juventude de Cracóvia. Maestro, Tomás Chmiel.
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