O compêndio de História do meu 8.º ano apresentou-me uma fascinante pintura: um galeão holandês do séc. XVII disparando um canhão. O ribombar do canhão rompe a calmaria da cena. A canhonada ecoa a longa distância, dissolve-se com o fumo que se eleva e a calma regressa.
Observai as velas sem vento e o espesso fumo branco da descarga. Conseguis ouvir a canhonada?
A canhonada
Guilherme van de Velde, o moço, c. 1670.
Óleo sobre tela, 78,5 x 67 cm, Rijksmuseum, Amesterdão.
(Publicado originalmente em 15/X/2005 às 2h06 da tarde.)
Pousei aqui numa página que leio… Nem de propósito…
E assi os corpos celestes
vos trazem tão compassados,
que todos quantos nascestes,
se nascestes e crescestes,
primeiro fostes gerados.
E que fazem os poderes
dos sinos resplandecentes?
Que fazem que todalas gentes
ou são homens ou mulheres,
ou crianças innocentes.Mercúrio, utilizando um discurso todo ele fundamentado no conhecimento universal e no óbvio, nega o poder adivinhatório sobre a conduta humana a partir da observação dos astros.
Gil Vicente, Auto da Feira, apud M.ª Leonor García da Cruz, Gil Vicente e a Sociedade Portuguesa de Quinhentos, 1.ª ed., Gradiva, [Lisboa], 1990, p. 113.
* * *
A F.N.A.C. tem já Mercúrios de novo conhecimento universal e óbvio, que não deixam negar agora a conduta humana a partir da observação dos novíssimos astros…
«Hora do conto»; histórias às criancinhas por astros e estrelas do novo firmamento, Fnac/Chiado, 2023.
(*) Mercúrio é o equivalente no panteão romano ao Hermes grego: mensageiro dos deuses e, por sua parte, deus da venda e do comércio. Vendendo e vendando, desfez-se em mer… mercúrio-cromo no panteão do arco-íris.
O Serviço Nacional de Saúde, essa apregoada conquista de Abril, enobrecido pela democrática arte urbana, outra conquista de Abril. Dantes era só fàchismo. Nada de conquistas sociais assim.
Antigo posto 6 da Caixa, Alameda — © MMXXIII
Feliz dia de S. Marcos!
Há anos dei conta do ¼ de vigor…
Pois, continua vigorosa a senda do progresso: como não há m… de rótulo que não traga o pai-nosso nem marca que não reze o têrço do paganismo em vigor (salvo seja), eis o ¼ do dito.
¼ de Vigor (in)sustentável — 1951 2023
Êstes tempos não têm gracinha nenhuma. Ainda podia querer olhar para êles pelo lado positivo, mas não há.
P.S.: não tardará abolirem o «gordo» do ½ gordo no rótulo do ¼ de Vigor, por menos ofensivo, mais inclusivo, e merdices De Do Do Do, De Da Da Da género.
P.S. 2: ½ enorme. Ámen!
P.S. 3: CO2 = CO + CO = …
O eléctrico 6 já não contava no inventário ilustrado de todas as carreiras que eu ainda conheci. Nunca andei nêle.
Ou calhando, andei…
Dá-se o caso de êste 6 aqui no Chile sêr a última versão dêle mesmo. A linha de eléctricos 6 teve três versões, segundo João Azevedo («Lisboa; 125 Anos sobre Carris», Roma Editora, Lisboa, 1988, p. 49).
Começou em 20 de Dezembro de 1905 do Rossio à Gomes Freire, via Avenida. Em 1 de Junho de 28 foi prolongada da Gomes Freire ao Rossio, via S. Lázaro, redundando em linha circular; no sentido inverso emparelhou o 7, inaugurado no mesmo 1 de Junho.
Em 1 de Julho de 47 tornou o eléctrico 6 à primeira forma (quási), agora dos Restauradores (quando no início foi do Rossio) à Gomes Freire e volta, à mesma, via Avenida. O 7, que era o 6 invertido, foi suprimido. E em 29 de Dezembro de 1950 foi o 6 extendido da Gomes Freire, como em 28, mas desta só à Pr. da Figueira, cuja dita praça fôra demolida no ano anterior. Isto durou até 1 de Agôsto de 1960, já depois da inauguração do Metropolitano que levou a Carris a acabar os eléctricos na Avenida. Assim acabou o 6, o eléctrico da Gomes Freire, nas duas primeiras versões.
Em 16 de Março de 1966 a Carris entendeu repescar o número 6 para a carreira 17A que desdobrava o 17 (Pr. do Chile-Belém) do Terreiro do Paço — ou P. do Comércio, como diziam as bandeiras — ao Alto de S. João. Durou esta última versão do 6 até ao dia de Portugal de 73, em que se fundiu num 17 do Alto de S. João a Belém. Acabou aí o 6, o eléctrico (o autocarro 6 é outra história e talvez que se até misture…)
Disse antes que, calhando, andei nêle, no eléctrico 6. Há-de ser o caso.
A história daquela minha birra infantil de querer continuar para a Trafaria (Belém), quando a minha mãe só quis ir à Confidente pagar a renda, só pode ter sido com o 6, dada a cronologia apontada. Como raio se me meteu na memória o 17A nessa história é que não sei dizer. Só se foi de minha mãe me contar dalguma da história anterior dos dezassetes e de eu não ter percebido nada. Baralhei tudo…
Eléctrico 6, Pr. do Chile, 1969.
Pedro Hautzinger, in Flickr.
Lembro-me dos autocarros pequenos. Vi-os só ao depois dos altos, de 2 pisos, que eram os da minha rua e que eram aquêles em que andava quando apanhávamos o autocarro. Notei que os pequenos eram tais quais os grandes, mas com metade do tamanho, da altura. Tinham a frente igualzinha, de calhambeque, só que o volante era verde, em quanto que nos grandes, os de 2 pisos, era vermelho. O Museu da Carris apresenta actualmente êstes autocarros A.E.C. históricos com as côres dos volantes trocadas.
Os autocarros pequenos, lembro-me vagamente que os conheci pela Pr. do Chile, pela Morais Soares. Lembro-me com mais certeza de que só andei num dêles pela primeira vez numa ocasião que o apanhei com a minha mãe, para irmos do Chile à Paiva Couceiro. Era caminho curto que fazíamos normalmente a pé. Mas dessa vez apanhámos o autocarro; um dêstes pequenos. Foi uma novidade para mim e uma descoberta. Não sei se por alturas do Poço dos Mouros ou da Carrilho Videira — e disto que vou agora dizer tenho a certeza — meteu-se o autocarro num trajecto pela Sebastião Saraiva Lima vindo a desembocar na Praça de Paiva Couceiro por uma espécie de túnel que atravessa um prédio. Como a passagem sob o prédio era muito baixa não haviam de nunca poder passar lá os altocarros, ou seja, dos outros autocarros grandes, altos. Tinham, pois, de ser autocarros dos pequenos a fazer aquêle trajecto e isto o achei tão formidàvelmente bem calhado que me nunca mais esqueceu.
Não sei se esta minha memorável viagem foi no 18. Se não, foi quási de certeza por 1970.
Autocarro 18, Pr. do Chile (prox.), 1970.
John Scragg, in «Livro das Fuças».
Henri Mancini — A Shot In The Dark
Abertura de «Um Tiro às Escuras» (1964), com animação de D. DePatie e F. Freling
Racismo?! Em Portugal, só com fomento de importação.
As gordas hoje têm graça… Bem, a graça do costume!…
Numas que aí leio, Bruxelas abre as portas a Costa.
Bruxelas abre…? — Bruxelas é, por conseguinte, singular. Ao contrário de Carlos…
E por Carlos: o Piolhais ou Phiolhais ou Fiolhais, já se lhe entranha o racismo de hoje; tanto que luta por desentranhá-lo de si cuidando que o desentranha dos diários do Einstein. No Einstein é que o racismo não estava, garanto-o. Mas no fundo o [que] Fiolhais arranjou foi maneira de o entranhar lá. Ele que vá traduzindo, pois!… Ele que vá traduzindo. E que vá avisando-nos, no engano de que ele próprio se acha fora tempo e do caldo (caldeirada) de cultura em que se acha e que somos nós, os benévolos leitores, que precisamos do seu aviso sobre racismo e não racismo de hoje, agora e sempre. Incluído, claro, o não racismo do Einstein.
Isto a propósito dos diários do Einstein: longe vai o racismo nestes dias, pois!… (De longe tem vindo ele…)
Desta história dos diários do Einstein, porém, o que me mais encanta é o lugar-comum do encantado que ele, o Einstein, ficou com as varinas de Lisboa. — Melhor! — O que mais me encanta é o encantado que o Fiolhais ficou com aquele encantamento. É mais uma daquelas do amor ao amor que outros têm por nós. Este amor é ainda mais entranhado do que o «racismo» à luz das ideias de hoje. O que eu gostaria de saber é o que de Einstein mais encantou às varinas de Lisboa. Isso, o Fiolhais nem pensou. Pensou em racismo…
Tornando a Bruxelas, bom proveito lá com o Costa. Ou vice-versa.
(Revisto e augmentado às quatro e meia da tarde.)
Há dias dei por um melro com seus trinados na Rua Almirante Barroso. Pôs-se na sacada dum 2.º andar, poisado numa floreira sem plantas ou flôres que se vissem. A janela daquela sacada estava entreaberta. Quem lá mora, se deu por êle, pelo melro, há-de ter-se sentido privilegiado da visita. Os melros, tenho visto, são arrediços, não se chegam muito. A canção que entoam é melodiosa; muito me encanta. Parei o passo para ouvir e, confesso, tive certo ciúme da gente que habita aquele 2.º andar. Ter um melro assim a cantar à janela não é para todos. De mais, no buliço desta desgraçada cidade cuja fauna é um pavor; especialmente a de duas pernas…
Na Amirante Barroso, à Estefânia, morou Fernando Pessoa. Diz que no prédio de gaveto com a Casal Ribeiro e é verdade. O tal prédio foi demolido. Agonizou anos a fio e levantaram por fim no seu lugar um todo modernaço que por lá está a descaso do património e da História, com a altura pelo dôbro e o gôsto pretensioso e sensaborão que tem essa arquitectura internacionalista post moderna. O prédio demolido tinha os n.ºs 2 a 12; o novo ficou só com o 2. O restante são montras do banco sem lugar a n.º de polícia. Onde havia o n.º 12 é hoje o 2A, o portão da garagem. Isto é triste, pois foi justamente no n.º 12 que diz que morou Fernando Pessoa em 1916-17. Soube que era uma leitaria, segundo li numa da últimas edições da Vida e Obra de Fernando Pessoa do João Gaspar Simões.
Rua Almirante Barroso, 2A (ex 2-12), Lisboa — © Bic Laranja, 2021
Pois, foi numa leitaria que morou o Fernando Pessoa, no tal n.º 12 da Almirante Barroso que é hoje o portão duma garagem… Tamanha é a História. Maior, cuido, a desgraça.
Consola-me o melro a cantar no 2.º andar do n.º 14, mas é ao lado.
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