Há, sabeis, aquela célebre água-forte de Domingos de Sequeira com buril salvo êrro de Francisco de Queiroz Gregório, de 1813, em que o povo das províncias do reino desàguou em Arroios, em Lisboa, fugido aos esfarrapados [exércitos] do Napoleão na primeira [terceira] invasão francesa. Parece sina…
Há dois, três mêses, abria a página do archivo municipal e era-me oferecida a palpitar (pop up) a propaganda dos 30 anos do P.E.R., com parabéns a Lisboa (i.é, à vereação) pelo programa de habitação que mudou a cidade faz 30 anos.
Nem de propósito…
Jardim do Largo de Arroios, Lisboa — MMXXIII
Nem de propósito, calhei por essa manhã passar no Largo de Arroios e contei 6 tendas 6, de campismo, no jardim. É miséria que impressiona, porque não é da falta de meios para lhe acudir; é falta de empenho. O empenho cuja habilidade que vai tôdinha para a propaganda do fim dos bairros de lata há 30 anos com o dinheiro da C.E.E. e sobra nadinha para sequer olhar a cidade hoje. É pois, como diz o moço da oficina:
— Ó chefe! É que tôda a gente vê e ninguém faz nada!!
Tal é! Ainda cuidei escrever à vereação a dizê-lo, justamente: — Ó senhores! Isto está assim, tôda a gente vê, e vós não fazeis nada?!
Ao depois resolvi-me que não. Não ia fazer nada eu também. Estas porcarias ficam todas registadas e ainda me o desabafo ensombraria o cadastro. Já me chega pagar calado os impostos, taxas e tachinha(o)s às instâncias municipais, regionais, nacionais e europeias para cartazes e recadinhos electrónicos palpitantes (pop ups) com propaganda de quem deveria fazer mais do que ajustar directamente o penacho com agências de publicidade. De gente amiga, de preferência.
Fui de veraneio. Três semanas.
Em tornando achei o jardim do Largo interdito, cercado de grades. Já as tendas lá não estavam. — Ena! — pensei — Para grandes males, grandes remédios. Nem campismo selvagem nem munícipe civilizado podem usufruir do jardim.
Comentei de passagem o caso na oficina:
— Já vi que se foram as barracas de campismo. Realojaram-nas na Mitra ou no parque do Monsanto?!…
— Ó chefe, lá isso não sei. Sei é que até na barraca dos pombos havia dois a morar.
Martins Barata, Sopa de Arroios, 1940.
Aguarela s/ tábua, 105 x 127 cm, Museu da Cidade, Lisboa.
P.S.: A barraca dos pombos (pombal, a bem dizer) fará talvez hoje as vezes do antigo abrigo do cruzeiro, que se abriga agora na escadaria da paroquial!…
Apoio mural é quando se a gente encosta ao muro, não é verdade?
Chafariz da estrada das Garridas pouco mais ou menos a par da igreja de N.ª Sr.ª do Amparo, Benfica, [c. 1904].
Paulo Guedes in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Autocarros A.E.C. a perder de vista, Lisboa, 1965.
Mr. John Scragg (pai), in «Livro das Fuças».
Casa fechada, penas sôbre o depósito…? Hum! Havemos pássaro pela conduta de ventilação da casa-de-banho a baixo. Já em tempos, quando substituí a grelha velha, achei um esqueleto de pássaro ali. Caíra desafortunadamente pela boca de saída no telhado e não teve safa. Ficou até dar com êle. Agora o mesmo. Abri a grelha e… caíram dois pardalitos. Dois! Deu-nos pena! Houvessem caído por ali estando nós por cá…
Praia do Barril, Algarve — (c) MMXVI
Algarve, 12/VII/22.
Deram-se agora conta dêle? Ou fazem só que se deram conta porque do espaço Schengen piaram?
Deu no noticiário da emissora 2. Mais de cem peliças criminais e das fronteiras postos agora em campo à cata dos milhares e milhares de transumantes que se espalharam por aí e lá na Europa com conivência e descaso nacional que já direi.
Um salvo-conduto sem carimbo nem chancela, mas oficial e legal e sôbre tudo válido por decreto cá da republiqueta se impresso de qualquer computador que permitisse preencher o formulàriozeco de asilo ou imigração do S.E.F. Registado, não registado; submetido, não submetido nem submetendo; carregando no «enter» ou nem nada, mas essencialmente se impresso em papel. Qualquer folha. Nêste caso, sempre legal, só aqui no quintal como na quinta inteira, da Gùiana à Finlândia.
Havia tempo já que era vê-los; de Glovo na marreca fingindo dar ao pedal nessas bicicletas a pilhas, como únicos povoadores das líricas ciclovias com que autarcas em cheiro de santidade ajardinaram a cidade — vê-los, aos refugiados, migrantes ou que lhes queiram chamar, porque à milícia fronteiriça só agora vejo. Nas notícias da rádio, não em perseguição ciclista…
Havia basto tempo, pois, que era vê-los ir à missa na lojeca ao lado da igreja vazia. Tanto que dizia enfaticamente o rapaz da oficina lá da rua ao vê-los virem ao depois da reza como uma multidão dispersante:
— Ó chefe, pois é! Tôda a gente vê e ninguém faz nada!
Diz, em fim, que alguém já faz que faz.
Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formão as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo — O canto dos meirinhos — ; e bem lhe assentava o nome, porque era ahi o logar de encontro favorito de todos os individuos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses erão gente temivel e temida, respeitavel e respeitada; formavão um dos extremos da formidavel cadêa judiciaria que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo opposto erão os desembargadores. Ora, os extremos se tocão, e estes, tocando-se, fechavão o circulo dentro do qual se passavão os terriveis combates das citações, provarás, razões principaes e finaes, e todos esses trejeitos judiciaes que se chamava o processo.
Dahi sua influencia moral.
[…]
Mas voltemos á esquina. Quem passasse por ahi em qualquer dia util dessa abençoada epoca veria sentado em assentos baixos, então usados, de couro, e que se denominavão — cadeiras de campanha — um grupo mais ou menos numeroso dessa nobre gente conversando pacificamente em tudo sobre que era licito conversar: na vida dos fidalgos, nas noticias do Reino e nas astucias policiaes do Vidigal. Entre os termos que formavão essa equação meirinhal pregada na esquina havia uma quantidade constante, era o Leonardo-Pataca. Chamavão assim a uma rotunda e gordissima personagem de cabellos brancos e carão avermelhado, que era o decano da corporação, o mais antigo dos meirinhos que vivião nesse tempo. A velhice tinha-o tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza atrazava o negocio das partes; não o procuravão; e por isso jamais sahia da esquina; passava ali os dias sentado na sua cadeira, com as pernas estendidas e o queixo apoiado sobre uma grossa bengala, que depois dos cincoenta era a sua infallivel companhia. Do habito que tinha de queixar-se a todo o instante de que só pagassem por sua citação a modica quantia de 320 réis, lhe viera o appellido que juntavão ao seu nome.
Memorias de um Sargento de Milicias, por um Brasileiro [Manoel Antonio de Almeida], Tomo I, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1854, pp. 5-8 passim.
* * *
Leonardo-Pataca.
Belmonte, «Personagens célebres da Literatura», in «Vamos ler!, n.º 310, Ano VII, Rio de Janeiro, 9/VII/1942, p.18.
Na cozinha havemos um garrafão com água. Tem uma bomba para tirá-la e um copo a par. Como havemos sêde (quando temos; como, é maneira antiga de dizer), damos à bomba e a água verte para o copo e bebemos.
Na cozinha da avó havíamos uma bilha de barro com uma tampa de madeira ou uma rodilha e um caneco de cima, não sei se de latão, zinco ou barro. Ou, calhando, um copo de vidro. Como havíamos sêde (quando tínhamos, &c., como já disse), tomávamos o cântaro pela iasa e vertíamos a encher o copo e assim buíamos. Era auga da fonte que as mulheres tiravam adestradas dando à manivela com um braço e mão na ianca, a encher a bilha de barro.
No casal da Malhada Velha havia um poço raso atrás da casa, antes dumas casas velhas mais antigas e já arruinadas (minha mãe nascera nelas, assim dezia). Chamavam-lhe «a manilha». Tinha uma tampa de tábuas pregadas, cortadas em redondo à forma do poço e por sôbre, uma escudela de cortiça do tamanho de duas mãos em concha. Como alguém houvesse sêde, andando ali em trabalhos do campo ou menino da cidade só de fim de semana, tirava a tampa, mergulhava a escudela na iauga da manilha, sempre ao alcance dum braço e buía. Às vezes buía por repetidas vezes, conforme a sêde.
Há tempos quando lá estive pelas partilhas mencionei o tal poço aos primos como velhinha e curta memória que retinha do casal. O primo Jaquim Luís recordou-ma — era a manilha.
A água da bilha de barro da cozinha da avó Rosa como a da manilha do casal da Vila Nova era mais fresca cà do garrafão de plástico daqui.
Nesta vida de turista, êste ano ligado à rede — ou apanhado na teia, que é mais correcto —, a dedilhar desabafos numa ardósia electrónica, perseguido de dentro dela e à saída pela agora chamada inteligência artificial.
Dois desabafos de nada com «Esta vida de turista!» em título saíram «Está (do verbo «estar») vida de turista!» Ainda agora, como escrevo êste parágrafo a explicá-lo, a raça desta inteligência artificial me emenda o primeiro título entre aspas para «está» (do verbo «estar»), que tenho de tornar a, de certo estùpidamente, eu, a emendar; e o segundo título em que aqui escrevo entre aspas «está» do verbo «estar» para mostrar o que me a inteligência artificial apronta a final em cada passo do que redijo, curiosamente, emenda-me ela, a inteligência artificial, ao contrário, mudando o «está» do verbo «estar» para «esta» que foi o que redigi, bem, à primeira e a dita inteligência artificial me pôs mal.
Ontem liguei para o hospital a marcar uma consulta à tia Mariana e atendeu-me uma cassette «eu sou a Lúsi, a assistente digital» com uma grande «conversa», a começar por «for english press five». Nem a martelar sucessivamente zeros, noves (agora emenda-me isto aqui «noves» para «Novaes») e cincos consegui chegar à telefonista. Tive de render-me a dizer à tal Lúsi balbuciar como um autómato, pelo telefone, à torradeira do outro lado da linha, as palavras «falar assistente; falar assistente». Cheguei até a tapar o nariz para me a voz sair como a do fundo do penico em que falava aquele cientista entrèvadinho que era muito inteligente e também muito artificial. Pus-me em bicos de pés ao fazê-lo, calculo, mas nisto é preciso a gente elevar-se, puxar dos galões até, nem que seja pela vaidade de salvar a honra à inteligência de carne e osso de que somos feitos.
La (agora não me emenda o «la» para «lá», está [esta] m… áquina de escrever — que bela inteligência!)…
Lá me atendeu uma assistente de segunda, de carne e osso como eu, e lá me agendou a consulta da tia por meio dum diálogo natural e, coisa muito saudável segundo as melhores inteligências, biológico.
Amanheceram algumas nuvens; correm de SO, de vagarinho. — Os algarvios vão de carro para a praia — diz-me a senhora.
Tenho de pôr esta gaita de lado. Tornar à [arre!] sêr animalógico, como o gato.
Inteligência animal, Algarve — (c) MMXXII
As rôlas, o pinheiral (a nêsga que ali sobra), a estrada lá em baixo, um carro que passa…
Pardais que chilreiam, humanos ali, aqui, em seus sortidos ruídos: um estore a abrir, chávenas pousando em píreses, vozes…
— Queres café?
O sarrabulho duma porta que range…
— Quero.
A rádio. O gato do vizinho que, volta e meia, se passa pelo muro à varanda do nosso lado.
A péga que cruza o ar aqui bem de ante. Um estorninho no alto do telhado vizinho…
A senhora anda a cortar-me no açúcar do café, quere-me parecer.
(Ex-) Pinhal do concelho, Várzeas de Quarteira — (c) MMXXII
Nada de algas hoje. Foram-se.
Levantou-se vento esta tarde. Água fresca quando entramos e quente ao sair. Sensibilidades!…
Sensibilidades.
Além, uma moira enfarpelada da cabeça aos pés, bioco e tudo; uma vestimenta tôda preta.
Uma algarvia da banda dalém mar com as bandas trocadas. Ou é esta banda do Garb al-Andaluz a perder já o norte?!… Nem a minha bisavó Marianna Emilia se alguma vez vestiu tanto para ir a banhos…
Illustração Portugueza, 2.ª série, n.º 345, 30/IX/1912.
Os pinheiros ao rés da praia têm medrado com os anos. Estão crescidos. Os da beira da falésia, lá no alto, estão sêcos, sem viço, queimados da forte brisa marítima.
A brisa agora abrasa. São seis da tarde….
Vimos agora ali o Harry Potter. Estava uma senhora de biquíni azul a lê-lo.
Mais algas hoje, ao entrar; na zona de rebentação parece o mar dos sargaços; mas um nadinha lá, o caldo verde dissolve-se; não há senão uns limosinhos espersos.
O pescador de cabelo da cor das laranjas do Algarve de onte' está hoje outra vez; desta vez não galga os 15-20 metros de areal com três canas de pesca como fazia ontem, por isso não estendemos agora as toalhas entre a 2.ª e a 3.ª cana como fizemos ontem. Porém, coitado, vê-se da cor dos limos que se lhe enrolam nas linhas de pesca.
Para muitos a praia é uma religião… Aquelas duas maduras maduras de carnes secas e mamas ao léu que ali vão de mãozinha dada devem sêr as novas catequistas…
Em Verões passados escrevia eu, desinspirado, que todos os anos há, havia, caras que se repetiam na praia e, escritos que se repetiam no caderninho.
E que em ano transacto dêsses Verões antigos tomara já eu nota dêle (outra repetição), tanto que lhe podia chamar, aos repetidos da praia, os cromos para a troca...
Nêsse antigamente também havia sósias, esporádicos, como o Camarão das ilhas (o britânico das ditas britânicas); o Sr. Phelps da «Missão Impossível»; a Jorge (re)tornada da «Costa dos Murmúrios»; ou os habituais como o Lincoln…
Os tempos mudaram, o mundo ensandeceu… Nos últimos anos só o Capitão Stubbing do «Barco do Amor» aparece. Costuma estar com sua senhora a lêr; ambos, em suas cadeirinhas de praia; ao depois levantam-se e vão para lá, no costumeiro passeio a pé que sempre fazem.
Doutros cromos para a troca desta praia tem havido o Homem Montanha com a sua família e o Homem que Devorava Livros, que ainda cá nenhum dêles os não vi.
O homem que decorava [devorava, ai, ai!] livros ali, no chapéu amarelo, Praia da Falésia — (c) 2017
Têm falado em algas nas praias algarvias. A senhora andava até, hum, meia apreensiva com elas, agora, nesta vilegiatura. Pois, pois há! Há umas alguinhas. Coisa de nada e sem novidade doutras tantas vezes que, sequer então, foram notícia. Nada de extraordinário ao fim e ao cabo.
Praia da Falésia, Algarve — (c) 2020
Há coisas que são estùpidamente caras. E há coisas que não têm preço. Poder chegar à praia sem ser de carro, a pé, é daquelas que não têm preço. Estar ao depois na água até a pele dos dedos engelhar é outra.
Para as coisas estùpidamente caras é que eu não tenho dinheiro…
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