Há para aí na miùdagem (e na miùdagem já madura que nunca cresceu) uma mania de intercalar macarrònicamente substantivos em amaricano no meio da converseta em português. Um caso: ouço amiúde dizer smell por mau cheiro. Este smell não é coisa que se cheire mas, é como é (outra dessas ingresias, idiomática, no caso).
«Mini sanita portátil» (i.é, penicos repenicados), Alfragide — © MMXXV
Mau cheiro em português que se cheire, é fedor. Parece paradoxal.
Menos paradoxalmentre, fedor pode parecer formar-se do verbo feder, mesmo quando o uso geral é formarmos um substrantivo do próprio infinitivo do verbo, que seria feder, como disse. Mas no caso dum cheiro que feda dizemos antes um fedor, não um feder. E embora o fedor e o feder sejam ambos possam remeter para o mesmo cheiro, há matizes no fedor e no feder (ou nuances, se quisermos borrifar esta conversa com eau de cologne). Fedor é o mau cheiro só por si, sem atender à fonte, enquanto que feder é deitar ou exalar mau cheiro subentendendo a fonte donde emana. Em todo o caso e etimològicamente, fedor e feder são cognatos (*). O cheiro pode ser o mesmo.
Não bem assim, ou pelo contrário, andar e andor não são cognatos como também poderia parecer. Nem do infinitivo do verbo andar, por exemplo, formámos alguma vez o andor. Não. Andar no sentido deste ou daquele andar, isto é, maneira, jeito de caminhar, como quando alguém bamboleia, manca ou ginga é uma coisa. Andor é coisa diferente: é padiola de santo nas procissões. Se tanto, interjeição para pôr alguém a andar: — Andor daqui para fora!… — será o caso. De ir o andor nas procissões ou de pôr alguém a andar, só por acaso se liga a andar. A origem de andor parece que é o sânscrito: andor era a retouça da ou do Crisna lá nas procissões hindus, segundo li.
De outro modo, do infinitivo de comer, fazemos muito regularmente o comer, substantivo respeitante à comida (outro substantivo…) antes de ser comida (… que nesse caso, sendo comida, é já particípio passado, de comer).
Nada tem aqui o comer que ver com o anterior já que não há par nenhum comer/comor como andar/andor ou feder/fedor. Podemos é juntar o andar com o comer, como quando para jantar alguém avisa: — Anda comer que a comida está na menza! — Mas divago…
Digerindo a ladaínha, concluo.
Fedor é uma excrescência directa do latim (*) que não passou e tem até mantido o cheiro em português (salvo seja) por séculos de gerações, mas que nestas últimas (gerações) vem fedendo cada vez mais numa espécie de (bad/foul) smell que em singelo e lá com os bifes e os camones nem seria necessàriamente malcheiroso, porquanto essoutros têm melhor para si o stench e o stink (salvo seja, pois nem todos decerto deitam cheiro…) Mas isto são já ingrazéus a mais para a tal miùdagem que, melhor havia de ser desandá-la só pelo smell:
— Andor!
(*) Cognatos do latim: fœtor, fœtōris, s.m. 1) mau cheiro, fedor. 2) infecção e fœtěo, fœtēs, fœtēre, v. int. 1) ter cheiro fétido (< fœtĭdus), cheirar mal. 2) (Fig.) Repugnar, ser insuportável. Se foi o substantivo que no latim deu o verbo ou o contrário não sei.
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