Esta foi quando tinha eu 10 anos; andava no 1.º ano. A escola eram uns pavilhões de lusalite alinhados num perímetro murado e pelo meio deles tudo era recreio. Certa vez não houve uma aula; não me recorda se foi Ciências, se foi Trabalhos Manuais -- bem vedes, isto foi no tempo em que as disciplinas da escola ainda não tinham nomes compostos pomposos e imbecis.
Tornando ao que dizia.
Para aproveitar o furo demos uns poucos em jogar à apanhada, com muita gritaria. Só que no meio do jogo irrompeu o professor Maurício e logo ali filou o Assis por um braço. O professor Maurício estava a dar Educação Visual (afinal já havia disciplinas com nomes chochos). Ele era terrível, com muito mau génio. Atirou um berro ao Assis: -- EU NÂO QUERO AQUI BARULHO, OUVISTE?! -- e com um safanão que lhe deu lá o deixou escapar-se.
Ora eu não achei que aquilo fossem modos e logo que o professor Maurício tornou à sala e fechou a porta, feito finório, eu, pus-me a gritar pelo Assis:
-- Ó ASSIS! Ó ASSIS! NÂO M' APANHAS, NÃO M' APANHAS...
Pois o professor Maurício, além de mau, nunca iria ficar-se com uma afronta dum fedelho. Saiu cá fora outra vez e com ar carrancudo veio direito a mim. Eu fiz-me valente e não fugi; fiquei ali com ele a ralhar: -- EU NÂO DISSE QUE NÂO QUERIA AQUI MAIS BARULHO? -- E antes que eu pudesse pensar no que fosse pregou-me uma tal bofetada que só já me não dói porque, ao final de contas, com isso me atalhou logo ali de trabalhos maiores com sr. Procurador e com Ministério Público.

Imagem em...
Para a miúda zaragateira que tanto interesse suscitou à nação bem-falante aqui fica uma musiquinha para pôr no telemóvel.
Pois a minha escola (das várias onde estudei), não tinha pavilhões de Lusalite mas tinha nome: chamava-se Escola Industrial Afonso Domingues. E ainda chama,talvez porque ainda ninguém se lembrou de lhe trocar a inscrição da fachada. Se calhar por se encontrar perdida nos recôndidos de Marvila, paredes meias com os cacos das Fábricas do Sabão e do Tijolo. Quando eu lá andei tinha melhor companhia: apenas a linha do comboio a separava do "chic" Bairro Chinês que, dizía-se, era o maior bairro de barracas da Europa. Talvez não. Talvez fossem só veleidades de gente fina, não sei. A generalidade dos alunos provinha da aristocrática e extensa zona compreendida entre a Apelação e a Picheleira. Felizmente que todas as famílias tinham carro. Era tal a fama do ensino desta escola que lhe chamavam a Universidade Afonsina e até os burros do Manel Maricas lhe frequentavam os prados circundantes. Estar na Quinta das Veigas a confrontar com o "Chátalaná" era, para além do prestígio inerente, garantia de ares saudáveis, apesar de muito atreitos a saraivada de pedra grossa. Escola muito informal, os nomes dos profs não eram precedidos pelo grau acadamémico, excepção feita ao seu ilustre director, o Dr. Pedro Machado a quem, em homenagem à sua elevada craveira de homem de letras e muito querido mestre, o regime da outra senhora nunca o deixou passar de director interino. Assim, O Corpo Docente era composto, entre outros, pelo Velho Mota (e o seu ante-diluviano Fiat), O Celso Peneda, O Santos Barreira, o B. B., o Matias Filipe, O Conde Esperto (não, não era alcunha) etc. Entre os alunos, pontificavam nomes sonantes como o Esparguete, o Farinheira, o Passarinho, o Peidínho na Testa e outros mais. Estabelecimento de élite, apenas admitia rapazes, para evitar a promiscuidade da mistura de sexos (uma inovação para a época) e usava métodos pedagógicos de vanguarda, tais como os carôlos do Almeida e Brito, ponteiradas de diversas paternidades e, até, eficientes pontapés dados a preceito pelo Xico Moralista que, para o efeito, usava sólidas botas mexicanas, administrados por via da regra após revista às pastas e consequente confisco de todas e quaisquer histórias em quadradinhos (modernamente diz-se banda desenhada), a título de serem imorais e perniciosas para o bom e saudável desenvolvimento dos jovens alunos.
Como actividades extra-curriculares, tínhamos as viagens à "Doca" de Xabregas, com o intuito de cravar tabaco aos marujos estrangeiros, que entremeava-mos com umas idas às gajas da Verney ou, em alernativa, umas fitas no Pátria, se ainda houvesse verba.
Não obstante a qualidade didacto-pedagógica e os altos valores do ensino ministrado, verificava-se que as criancinhas, aí pelos seus 17 anos, no final do curso, se apresentavam muito traumatizadinhas, apesar de não contarem os traumas crâneo-encefálicos, tratados devidamente nos Bombeiros do Beato.
Alguns encarregados de educação, no intuito de evitarem tão nefastas consequências, colocavam os seus educandos a bulir no duro, após o primeiro chumbo. Mas eram apenas medidas parcelares, desgarradas do conjunto, pelo que o Estado Democrático decidiu e muito bem, pela mão dos eminentes pedagogos que têm ocupado a pasta do Ministério da Educação, extinguir tal ensino, criando em seu lugar aquele que todos conhecem e que tão exelentes resultados tem dado.
Pois! Para acabar com os males que descreve os patronos do eduquês fizeram na bonita...
Obrigado pela viva memória (mais uma)!
Cumpts.
Era 8 ou 80, nem tanto ao mar nem tanto a terra, naquele tempo muitas vezes era um exagero, também sofri da violência dos professores, mas em Peniche ela era bastante física pelo menos no primário as professoras eram esposas de policias da PIDE e funcionários no forte prisão de Peniche, repito nem tanto ao mar nem tanto a terra mas sofremos bastante, e tínhamos medo de ir para a escola.
Cumprimentos
Concordo. Mas já baixámos do 8. Cumpts.
Se o professor Maurício tem calhado àquela aluna telefonadeira, o desgraçado que lhe ligou também não escapava.
Agora ninguém me tira da cabeça que a professora estava a querer ser Maurícia. Não era de Geografia, certamente, ou saberia que esse é o nome de uma ilha.
Abraço
O caso não passa duma ilha com a importância dum tabefe num oceano social de teorias dialogantes e disparatadas.
Mas isto só vai ficar pior.
Cumpts.
De Luísa a 29 de Março de 2008
Meu caro Bic, espero que não lhe doa só pelos «trabalhos maiores» de que o livrou. Espero que tenha sido «leve», em obediência ao são princípio da «proporcionalidade»… ;-D
Olhe que foi uma valente bofetada. Não me impediu de lhe ter roubado um 4 no 2º ano, quando o apanhei.
Cumpts.
De
jrd a 29 de Março de 2008
Qual a diferença entre a "menina dos cinco olhos" e a "menina do telemóvel"?
Talvez a mesma que há entre o ensino que nunca foi e o ensino que já não é.
A dos cinco olhos, aplicada na justa medida, estou em crer que evitaria a do telemóvel.
Cumpts.
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