Quarta-feira, 31 de Outubro de 2007

Campo dos Mártires da Pátria

« Isto foi o Campo de Sant' Ana.
  Desde 12 de Novembro de 1880, passou a chamar-se Campo dos Mártires da Pátria, designação que perdura no dístico municipal, mas que não entrou na auditiva popular.
  O jardim — muito cortado de ruazitas, mais jardim «de passar» do que «de estar» — possue belos exemplares de olaias, faias e cedros; esteve para ostentar um chafariz monumental, encomendado pela Câmara a certo arquitecto, que apresentou o seu risco e chegou a executar estátuas, que levaram outro destino.
  Mas, Dilecto, recomecemos a jornada [...] »

Campo de Santana, Lisboa (E. Portugal, 1940)
Panorâmica sobre o Campo dos Mártires da Pátria, Lisboa, 1940.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.


 Olho do alto o Campo de Santana — vista privilegiada desde a esquina da Rua Gomes Freire — em 1940 pela objectiva de Eduardo Portugal. Ao fundo o Tejo e o Castelo, imersos na luz difusa de Lisboa. À esquerda o Largo do Mitelo — o nome deriva do palácio de porte nobre que faz esquina com o largo do Mastro, logo abaixo. Segundo Castilho — com remate e actualização de Norberto de Araújo...

« [...] no tempo do útimo rei Filipe, era dona dumas casas nobres, aqui no campo do Curral [nome primitivo do Campo de Santana] — o actual palácio que estamos vendo — D. Guiomar Nunes Coronel. Por sua morte passou o prédio, em conjunto, a sua sobrinha D. Ana de Sousa, que em 1672 o vendeu a Francisco Mendes. Dos herdeiros dêste passou em 1737, por venda, ao Dr. Alexandre Mitelo de Menezes, alfacinha puro, pois nasceu em Santo Estêvão da Alfama e que foi diplomata, conselheiro de El-Rei, desembargador e também capitalista. Foi êle quem acrescentou à sua formosa casa solarenga a Capela que junto a ela se vê [...] »

 Não vale a pena alongar-me na lista de sucessivos proprietários do palácio nem na descrição dos interiores. Talvez volte ao assunto mais tarde. Deixo-vos cá a informação — nova para mim — que neste palácio do Mitelo morreu em 1865 o Conde de Vimioso, cavaleiro fidalgo e toureiro, afamado pela ligação à cantadeira Severa.
 Por ali abaixo continua a velha Carreira dos Cavalos (Rua de S. Lázaro, continuada na Gomes Freire), que desce ao Socorro. Ali, na cortina que suspende este jardim Braamcamp Freire (outro caso de toponímia que não entrou na auditiva popular) sobem umas escadinhas a partir da Rua do Sol a Santana; é delas que se surge ofegante o Vasquinho da Anatomia numa cena conhecida d' A Canção de Lisboa (imagem n.º 3).
 Mas a correnteza poente ficou a meio, não foi?
 Depois do Kaiser, Papa, viscondes, embaixadores, médicos, alemães e toiros sobra realmente pouco para acrescentar. Apenas que para o lado da Calçada do Moinho de Vento, a caminho do Torel (correnteza de casario à direita da Escola Médica na foto acima) sempre houve, afinal, demolições e reconstruções, mormente a sul da Calçada do Moinho de Vento. A fotografia aí em cima já mostra um palacete afrancesado que trasanteontem lá vi na esquina sul da Calçada envolto em tapumes. Mas esta parte da correnteza era no tempo da praça de toiros mais castiça, conforme vejo seguir.

Campo de Santana, Lisboa, c. 1900
Campo dos Mártires da Pátria, 39-39A [esquina com a Calçada do Moinho de Vento], Lisboa, 1907.
Machado & Souza, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.

Campo de Santana, Lisboa (A.F.C.M.L., c. 1900)
Campo dos Mártires da Pátria, 29-37, Lisboa, 1907.
[Machado & Souza, in ] Arquivo Fotográfico da C.M.L.

 Nesse dia de trasanteontem em que lá passei no Campo de Santana, da Calçada do Moinho de Vento até ao Torel só me lembra agora dum prédio grotesco-modernaço a meio do quarteirão. Ofuscado por essa modernice espelhada nem reparei se ainda lá estava, na esquina com a Travessa do Torel, o velho edifício adquirido pelo Estado em 1928 para funcionar o Ministério da Educação Nacional, em cuja fachada existiu uma lápide comemorativa da execução naquele local em 1817 dos 11 companheiros de Gomes Freire de Andrade. São eles os mártires da pátria do topónimo do Campo de Santana.


Ref.ª: Norberto de Araújo, Peregrinações em Lisboa, Vol. IV, 2.ª ed., Vega, Lisboa, 1992, pp. 32-47.
[Revisto em 1/11 às 11h11 e ao meio-dia e meia. E novamente em 2/11 às 11h12 da noute. E mais uma vez em 21/VIII/22 à 1h00 da tarde.]

Escrito com Bic Laranja às 23:48
Verbete | comentar
13 comentários:
De MCA a 21 de Dezembro de 2007
Nasci e cresci no Campo de Santana, tal como os meus Pais. Nunca lhe chamei outra coisa. Campo dos Mártires da Pátria é só para quem não é do Campo de Santana :-)
De Bic Laranja a 3 de Novembro de 2007
Obrigado!
De papoila a 3 de Novembro de 2007
Sempre bom no relembrar a Lisboa de outros tempos.
BF
De Bic Laranja a 2 de Novembro de 2007
Ainda hoje alguém me dizia o mesmo. Apenas o autocarro era o 11, do tempo em que ia para a Picheleira. E sim senhora! Lembro-me de ter lido esse seu texto. A ver se encaixo no verbete esta remissão para ele. Obrigado! O livro assim compõe-se muito mais. E a menção de autor será necessariamente AA.VV. Cumpts.
De T a 2 de Novembro de 2007
Bem que tinha ideia que já tinha escrito sobre a minha antiga escola.
http://diasquevoam.blogspot.com/search?q=mitelo
Cumpts:)
De T a 2 de Novembro de 2007
Sem ser no autocarro 33, nunca ouvi chamar a senão Campo de Santana. EStudei aí ainda uns anitos. Cumprimentos
De Bic Laranja a 1 de Novembro de 2007
A minha mãe também se lhe referiu sempre assim como a sua. Obrigado Scarlata!
De Scarlata a 1 de Novembro de 2007
Por acaso, a minha mae é do campo de Santana e toda a vida nunca lhe chamou outra coisa. ;)
Belo post.
De Ana a 11 de Outubro de 2008
Para mim, Santana é topónimo mágico. Moro na Calçada de Santana e também partilho desse sentimento - apesar de não ter nascido em Lisboa, mas desde pequena percorrer estes caminhos até S. José.
Adorei a sua recolha!
De Bic Laranja a 11 de Outubro de 2008
Obrigado!
Cumpts.
De csantana a 30 de Maio de 2009
Adorei ver, vamos fazer um blog so para os que gostam do Campo de Santana.

Cumprimentos
De Bic Laranja a 4 de Dezembro de 2011
Grato pelo convite. Cumpts. :)

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