« Isto foi o Campo de Sant' Ana. Desde 12 de Novembro de 1880, passou a chamar-se Campo dos Mártires da Pátria, designação que perdura no dístico municipal, mas que não entrou na auditiva popular. O jardim — muito cortado de ruazitas, mais jardim «de passar» do que «de estar» — possue belos exemplares de olaias, faias e cedros; esteve para ostentar um chafariz monumental, encomendado pela Câmara a certo arquitecto, que apresentou o seu risco e chegou a executar estátuas, que levaram outro destino. Mas, Dilecto, recomecemos a jornada [...] »
 Panorâmica sobre o Campo dos Mártires da Pátria, Lisboa, 1940. Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Olho do alto o Campo de Santana — vista privilegiada desde a esquina da Rua Gomes Freire — em 1940 pela objectiva de Eduardo Portugal. Ao fundo o Tejo e o Castelo, imersos na luz difusa de Lisboa. À esquerda o Largo do Mitelo — o nome deriva do palácio de porte nobre que faz esquina com o largo do Mastro, logo abaixo. Segundo Castilho — com remate e actualização de Norberto de Araújo...
« [...] no tempo do útimo rei Filipe, era dona dumas casas nobres, aqui no campo do Curral [nome primitivo do Campo de Santana] — o actual palácio que estamos vendo — D. Guiomar Nunes Coronel. Por sua morte passou o prédio, em conjunto, a sua sobrinha D. Ana de Sousa, que em 1672 o vendeu a Francisco Mendes. Dos herdeiros dêste passou em 1737, por venda, ao Dr. Alexandre Mitelo de Menezes, alfacinha puro, pois nasceu em Santo Estêvão da Alfama e que foi diplomata, conselheiro de El-Rei, desembargador e também capitalista. Foi êle quem acrescentou à sua formosa casa solarenga a Capela que junto a ela se vê [...] »
Não vale a pena alongar-me na lista de sucessivos proprietários do palácio nem na descrição dos interiores. Talvez volte ao assunto mais tarde. Deixo-vos cá a informação — nova para mim — que neste palácio do Mitelo morreu em 1865 o Conde de Vimioso, cavaleiro fidalgo e toureiro, afamado pela ligação à cantadeira Severa. Por ali abaixo continua a velha Carreira dos Cavalos (Rua de S. Lázaro, continuada na Gomes Freire), que desce ao Socorro. Ali, na cortina que suspende este jardim Braamcamp Freire (outro caso de toponímia que não entrou na auditiva popular) sobem umas escadinhas a partir da Rua do Sol a Santana; é delas que se surge ofegante o Vasquinho da Anatomia numa cena conhecida d' A Canção de Lisboa (imagem n.º 3). Mas a correnteza poente ficou a meio, não foi? Depois do Kaiser, Papa, viscondes, embaixadores, médicos, alemães e toiros sobra realmente pouco para acrescentar. Apenas que para o lado da Calçada do Moinho de Vento, a caminho do Torel (correnteza de casario à direita da Escola Médica na foto acima) sempre houve, afinal, demolições e reconstruções, mormente a sul da Calçada do Moinho de Vento. A fotografia aí em cima já mostra um palacete afrancesado que trasanteontem lá vi na esquina sul da Calçada envolto em tapumes. Mas esta parte da correnteza era no tempo da praça de toiros mais castiça, conforme vejo seguir.
 Campo dos Mártires da Pátria, 39-39A [esquina com a Calçada do Moinho de Vento], Lisboa, 1907. Machado & Souza, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.
 Campo dos Mártires da Pátria, 29-37, Lisboa, 1907. [Machado & Souza, in ] Arquivo Fotográfico da C.M.L.
Nesse dia de trasanteontem em que lá passei no Campo de Santana, da Calçada do Moinho de Vento até ao Torel só me lembra agora dum prédio grotesco-modernaço a meio do quarteirão. Ofuscado por essa modernice espelhada nem reparei se ainda lá estava, na esquina com a Travessa do Torel, o velho edifício adquirido pelo Estado em 1928 para funcionar o Ministério da Educação Nacional, em cuja fachada existiu uma lápide comemorativa da execução naquele local em 1817 dos 11 companheiros de Gomes Freire de Andrade. São eles os mártires da pátria do topónimo do Campo de Santana.
Ref.ª: Norberto de Araújo, Peregrinações em Lisboa, Vol. IV, 2.ª ed., Vega, Lisboa, 1992, pp. 32-47. [Revisto em 1/11 às 11h11 e ao meio-dia e meia. E novamente em 2/11 às 11h12 da noute. E mais uma vez em 21/VIII/22 à 1h00 da tarde.] |