«[...] Sentei-me num dos bancos, e fiquei a saborear aquela paz, aquele isolamento, aquela claridade que a passagem de um eléctrico de quando em quando amarelava fugidiamente. Às vezes, percorrendo distraidamente certas porções de Lisboa, houvera à minha volta, ou deslizara a meu lado, alguma atmosfera como aquela. Outras vezes, numa rua modificada ou alargada, em que demolições inconclusas enchiam de escombros e de lixo, ou de paredes interiores semi-demolidas em que sinais de vida ainda se agarravam, um dos lados da rua, eu sentira que, do lado oposto e não atingido pelas modificações, um velho palacete ou uma correnteza de humildes casas, projectavam uma aura semelhante àquela [do Largo da Princesa, à Rua de Pedrouços], apenas já marcada por uma condenação senil. Ainda outra vezes, como por exemplo na Graça, na Estrela, nas Amoreiras, ou na Costa do Castelo para Alfama, a atmosfera mantinha-se, mas mais palpitante, como quando, ao silêncio que só os passos cortavam, se sobrepunha no ar um eco de vozes, de gritos longínquos, de burburinho feito de agitação tranquila em muitas ruas diversas. Mas, ainda que em lugares mais vetustos, mais pitorescos, mais sujos de passado eu pudesse ter sentido mais fortemente ou mais sugestivamente uma atmosfera assim, talvez nunca antes me penetrasse tanto, e tão pacificadoramente como na simplicidade quase mesquinha daquele largo agora, uma consciência de que o passado pode ser, sem história e sem memória, sem azedume ou saudade, sem culpa ou inquietação, um espaço em que se pára, menos para regressar a ele, que para estar nele sem regresso algum. Um espaço que se não procura ou se nos não impõe teimosamente, mas um espaço que se encontra sem que ele tenha de comum connosco mais que uma coincidência de estar ali.»
Jorge de Sena, Sinais de Fogo, Público, Lisboa, 2003, p. 504.
Quinta do Seabra na Rua de Pedrouços [adjacente ao Largo da Princesa], Bom Sucesso, c. 1939.
Eduardo Portugal, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
Jorge, a personagem da narrativa, entremeia meditações num episódio em que decide de súbito visitar a Torre de Belém. A descrição daqueles ermos arrabaldinos em Agosto 1936 (tempo da narrativa) não deixa de supreender. A fisionomia do largo é hoje diferente, o caminho até à Torre (pela Rua do Arco da Torre) ou a fauna humana que se encontrava por aquelas bandas estranhamo-la hoje conhecendo o lugar...
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