Isto não tem agora que ver com coisa nenhuma. Foi só que a salada estava meia salgada e a senhora frisou por me animar: — «Mas olha que tem ruca.» — Referia-se à «rúcula» mas a páginas tantas já lhe eu peguei a mania que tenho de deturpar os nomes às coisas nas conversas em família. Com isto pus-me eu a trautear a cantiga do Ruca no meio de duas garfadas de rúcula.
— Quem ia a cantarolar há pedaço era o teu amigo.
É o pequeno aqui do lado; é meu amigo porque lhe ofereço bolachas.
— O pequeno gosta de cantarolar. Já o tenho ouvido.
— Pois gosta. E hoje ia fazendo côro com o pae.
...
— Em pequeno eu não gostava de cantar. Quando fui para a escola não sabia cá cantigas. Pareceu-me sempre que cantar era de meninas. Pois na primeira classe a senhora professora, logo nos primeiros dias, decidiu que — «Meninos, agora vamos cantar uma canção!» — Deve ter sido isto ainda no Outono de 1973; não sei se a pedagogia desse tempo mandava pôr os meninos na instrução primária a cantar por causa do esforço das primeiras letras. Calhando era só um meio de a professora ocupar tempo até tocar sineta da saída tendo terminada a lição mais depressa. Seja como seja, tanto faz. A cantiga que a senhora professora nos mandou cantar foi a «Olveirinha da Serra»...
Nisto a senhora interrompe-me com uma gargalhada bem sonora.
— Eu já sei essa história! — e ria.
— Já a contei...?!
— Já. Não é aquela em que tu tiveste vergonha de a não saberes cantar e te puseste a abrir e a fechar a boca como os peixes fingindo que cantavas?! — e ria.
— É. A professora percebeu. Deitou-me cá um daqueles olhares que aprendi logo ali Ó 'liveirinha da serra, o vento leva a flor... ♪ ♫ ♬
O Livro da Primeira Classe, Ministério da Educação Nacional, [Lisboa], [s.d.].
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