De [s.n.] a 10 de Setembro de 2012
Com o devido respeito, tenho algumas objecções a fazer quanto ao que afirma. Penso não estar errada se fizer as seguintes constatações, que considero plausíveis, tendo em conta que a preposição "desde" já de si marca uma determinada passagem de tempo ou dito doutro modo, tem o valor do tempo decorrido entre uma acção ocorrida algures no passado e o tempo presente:

- "Desde há vinte anos que viajo sempre para o mesmo país"
e não: (havia vinte anos que viajo sempre...);

- "Há várias décadas que pratico hipismo" e não: (havia várias décadas que pratico...);

- "Os nossos vizinhos não visitam o país d'origem (desde) há quarenta anos" ou: "Foi há quarenta anos que eles visitaram a família pela última vez" e não: (Os n/ vizinhos não visitam a família havia...) e também não: ((Foi) havia quarenta anos que eles visitaram...);

Em qualquer dos casos estamos a referir-nos a uma acção praticada no passado mas julgada NO PRESENTE, isto é, uma acção decorrida num dia/ano/mês algures no tempo mas constatada no tempo ACTUAL (daí o HÁ e não o HAVIA).

Penso que estas regras estão correctas, pelo menos foi assim que as aprendi. Lembro ainda que a construção grafológica foi sofrendo ligeiríssimas alterações ao longo dos tempos, designadamente por força do penúltimo e ante-penúltimo AO's e que, decerto por habituação, nós, os do meu tempo - que felizmente não tivemos de nos adaptar a acordos linguísticos elaborados em cima do joelho, muito menos o incongruente e disparatado AO90, que naturalmente não respeito - que estudámos e bem todas as particularidades da língua e gramática portuguesas, consideramo-las perfeitas porque eram as adoptadas nos programas dessa altura e também porque ensinados por professores de muito saber cujo basto conhecimento da nossa língua era baseado no estudo profundo de obras de eminentes sintaxiólogos.

Repito que poderei estar errada caso alterações gramaticais e sintácticas tenham ocorrido em tempo posterior à época em que eu as estudei e memorizei PARA SEMPRE e das quais como é óbvio não abdicarei por muito que os ideólogos do execrável AO90 o aconselhem. Devo acrescentar que todas as normas linguísticas que utilizo são as aprendidas na primária e nos primeiros anos do liceu e jamais esquecidas. De memória, portanto. Na escrita não recorro a gramáticas ou a qualquer outro recurso didáctico similar, primeiro porque já não as possuo e depois porque memorizei de tal modo o que estudei, que sinceramente, modestia à parte, não creio necessitar de o fazer.

Como nota curiosa deixo um exemplo de uma regra de pontuação (entre outras, poucas, linguísticas por ele adoptadas) que Fernando Pessoa utilizava e aquela que bastante mais de meio século depois, de modo diferente eu aprendi como a correcta.
Pessoa (bem como Antero de Quental e mais alguns poetas e escritores desses tempos) utiliza a vírgula antecedendo a conjunção copulativa "e". Eu, contràriamente, aprendi que a vírgula neste caso é desnecessária porque esta conjunção tem valor de vírgula na frase, isto é, por norma ela própria divide uma proposição, tornando-se redundância o acrescento de uma vírgula. Se eu a colocasse antes do "e", num ditado ou redacção, levava com um risco vermelho em cima da dita e apanhava com menos meio ponto na nota da respectiva prova...

Assim, segundo Pessoa:

Quadras e Outros Cantares
(1934)
"...
Quando ao domingo te vestes
Com outro modo de ser
És como és, e são estes
Os modos de entristecer
..."

E:
(26.02.1920)
"...
Vago luar de promessa,
Resto de sombra a morrer
Na antemanhã que começa
Ah, ter-te, e nunca viver.

Nota introdutória desta edição (extracto):

A ortografia do poeta, que ele mesmo descreveu como "ortografia etimológica extrema", era a que se praticava antes da reforma ortográfica de 1911 e que ele modelou, uma vez por outra, com uma etimologia simbólico-sentimental.


------------

Em Antero, a mesma pontuação:
(1860-1862)

Nocturno

"...
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!
..."
E ainda:

Mais Luz!
(1872)

"...
Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os, e torna-os insensíveis,
Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!
..."


*********
Maria



De Bic Laranja a 12 de Setembro de 2012
Peço licença à estimada Maria de usar o seu primeiro exemplo sem o «desde» (já lá vamos) por maior simplicidade:
  1. Há vinte anos que viajo sempre para o mesmo país. -- Narrativa no presente; acção recorrente não concluída (ou em curso).
  2. Havia vinte anos que viajava sempre para o mesmo país. -- Narrativa no imperfeito; acção ocorrida e interrompida no passado.
  3. Houve vinte anos que viajei sempre para o mesmo país. -- Narrativa no pretérito perfeito; acção ocorrida e concluída no passado.
  4. Houvera/tinha havido vinte anos que tinha viajado/viajara sempre para o mesmo país. -- Narrativa no pret.-mais-que-perf. (simples e/ou composto); acção ocorrida e concluída no passado.

a) Experimente conjugar «viajar» nas outras pessoas (sing. e plural) sem mudar o verbo haver tal como lá está.
Alguma se torna errada? -- Não.

b) Experimente agora mudar o verbo «haver» para «há» nos quatro casos e conjugar «viajar» em todas as pessoas do sing. e plural.
Alguma se torna errada ou macarrónica? -- Alguma(s). Nem todas.

Bem me parece que a conjugação com «há» (dez/vinte/trinta dias/meses/anos) tende a sobrepôr-se, invariável, na maioria dos casos, mas (ainda) não em todos. Por conseguinte, incorreremos menos em erro
no caso a) do que no caso b). Basta coordenar o tempo dos verbos nas duas orações.



DESDE:
Diz a Gramática do Lindley Cintra e do Celso Cunha que «desde» é intensivo de «de». Digo eu que dizer-se «de há vinte anos» é intensivo de se dizer «há vinte anos». Logo, «desde há vinte anos» é duplamente intensivo de, simplesmente, «há vinte anos». É uma questão de gradação do discurso. Nalguns casos será virtuoso, noutros mera redundância. Cuido que vivemos tempos de muita prolixidade e de pouca gramática. O resultado está por toda a imprensa, literatura, blogos, textos particulares, o que se queira.
Com o uso crescente do verbo «haver», no sentido de período de tempo, invariàvelmente na terceira pessoa do singular, o idioma empobrece. Ora o uso de «de» e «desde» a acompanhá-lo que se dá apenas nesta flexão «há» (nunca em «houve», «havia» etc.), quanto mais recorrermos às ditas preposições, mais forçamos a forma «há» em detrimento das restantes flexões. Neste sentido, «haver» torna-se defectivo. Se tiver de ser que seja, mas que não seja por mim. Por mim, até digo que aquele 1.º exemplo lá de cima como -- hei (ou tenho) vinte anos que viajo sempre para o mesmo país. Não lhe minto, tenho vinte anos que viajo sempre para o Algarve!
Cumpts.
De [s.n.] a 12 de Setembro de 2012
Está tudo muito certinho e muito explicadinho, sim senhor. Mas continuo a discordar aqui e ali, num ponto ou noutro... Mas quem sou eu para dar lições a um sintaxiólogo do seu calibre? Nobody, really:)
Maria
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