Vai a gente à Wikipaedia pelo «Povo que Lavas no Rio» e que nos sai? — «Uma canção portuguesa, um fado». — Nada mal. Porém, factos, é só. Data da composição (letra e/ou música) nada; quais as várias (se as há) gravações em disco por Amália, zero; menção ao «Fado Victoria», nicles — a Joaquim Campos, sim, mas só de passagem, como autor da música. A Alain Oulman, que aparece às vezes referido ao fado (v.g. «Encontro Amália e Don Byas», Columbia/Valentim de Carvalho, 1974), népia.
Que sobra?
Lavagem do poema com Omo antifascista, pejando-o de descabida dimensão política em alternativa ao «Fado de Peniche». Mas é isto redigido assim, displicentemente e sem fundamento nenhum. Só insinuação, vede a introdução da teoria:
« Talvez devido a esse mesmo facto, as opiniões quanto à interpretação da letra de Pedro Homem de Mello, poeta português de excelência, divergem em absoluto: enquanto alguns críticos crêem que o poema imortalizado por Amália Rodrigues seja um depoimento de amor ao povo português o qual, ainda segundo esta linha de pensamento, enfrentava uma situação de grande pobreza no tempo da ditadura salazarista, considerando o país da época como sendo rural e economicamente pouco desenvolvido face à industrialização europeia [... ]»
Pois é: talvez. Teoria por sugestão para catecúmenos esquerdóides. Factos, como manda o fugurino em qualquer enciclopédia? Que importa.
O caso piora.
Aquele apôsto «de excelência» a Pedro Homem de Mello não é inocente. É, afinal, o novo detergente Homo em acção. O enciclopedista apropria-se do «Povo que Lavas no Rio» e engrossa o disparate logo a meio do 2.º parágrafo em que o guia o seu atormentado espírito: o enlevo de fanchono pelo poeta Homem de Mello que, só dessa condição (não duvideis), não podia ser senão «de excelência». Vai daí o autor mune-se de lixívia gentil na nova lavagem arco-íris:
« [...] outras correntes tendem a ver nas suas estrofes uma lírica de cariz fortemente ligado à homossexualidade masculina, acentuada pelos contornos de incursões às tabernas populares, onde o narrador teria procurado os seus parceiros, e visto recusadas as suas investidas ou, mais ainda, qualquer envolvimento sentimental mais profundo.»
Daqui ao fim, o verbetezinho é um ridículo desconchavo, insinuando a imoralidade da gente das tabernas por não tolerar e ter como indecoroso o comportamento homossexual. — Muito certamente era assim pela «grande pobreza no tempo da ditadura salazarista»!... — E eis como é subvertido num hino à homossexualidade um fado que é elemento da cultura dos portugueses, um poema que muito simplesmente canta a força do povo no seu viver agreste, para lá de «haver quem [no] defenda» ou de «quem compre o [seu] chão sagrado» (quem no ofenda, portanto).
Mais, a comunhão do narrador com aquela condição, que o povo não deixa de reconhecer pois até na morte o cuidará, talhando-lhe a força de braço «as tábuas do [seu] caixão», isto é, dando-lhe sepultura digna. --, pois até essa comunhão do narrador com o povo nos factos da vida é reduzida pelo doutrinador verbete a egoísmo exibicionista de reles larilas nessas sempre tão apregoadas paradas «gay». Grande elogio ao poeta «de excelência», não haja dúvida! Não fôra a carga de sentimento que as guitarras de fado carreiam e o canto sublime de Amália e aquelas estrofes não teriam, como não têm, mais colorido nenhum do aquilo que se nelas lê. Mas a Wikipaedia é isto, enfim: obsessão introdutória antifascista e quatro supositórios de paneleirice pegada.
(Capa do single no Museu do Fado.)
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