Sábado, 19 de Janeiro de 2013

De pregar

 Os vocábulos pregar e pregar são homógrafos. Sucintamente pregar pode ser uma de duas: pregar pregos ou pregar noutra freguesia. Graficamente não se distinguem, mas deviam; são coisas distintas e soam diferentes; na oralidade, por conseguinte, não se confundem… excepto – lembra-me agora – no caso do raspanete. Oiço pregar raspanetes mas pode bem melhor ser pregar raspanetes, como quem prega sermões...

 Pregar vem do latim plicare (= dobrar, enrolar, enroscar); não sei quando se deu o rotacismo passando o «l» a «r»; o «i» breve do latim clássico cuido que já era «e» no latim vulgar e o «c» também há-de ter abrandado em «g» no latim vulgar, mas não curei de o confirmar.
 Ignoro quando foi que o substantivo «prego» tomou o sentido de «cravo» (do lat. clavus, haste pontiaguda de metal com cabeça); no séc. XV aparece «prego» atestado com esse valor na Contemplação de São Bernardo (& deitaromno sobre a cruz & pregarom lhe a mãao direita com hũu prego muy forte) e o mais que sei é que em falando de «espetar pregos» Tito Lívio diria clauos pangere.

Prègar

 Pregar, porém, tem as seguintes etimologias: preegar <  b. lat. predegar < predigar < lat. praedicare (= dizer publicamente, proclamar, exaltar, celebrar); o ditongo ae do latim clássico deu simplesmente «e» no latim vulgar e veio a fundir-se com a vogal seguinte pela síncope do «d». A síncope do «d», cuido, sucedeu na fase do romanço anterior à formação do nosso idioma do mesmo modo que videre > veer > ver (*) ou  ex-cadescere > escaecer > esqueecer > esquècer. — A propósito de «esquecer» é interessante aprender o que nos ensina o Dr. José Leite de Vasconcellos nas Lições de Philologia Portuguesa (p. 149):

« Excadescere, verbo inchoativo, deriva de cadere «cahir», porque esquècer é como que cahirem da memória as ideias pouco a pouco; o prefixo ex- denota procedencia. O vb. excadescere tinha pois, no latim vulgar da Lusitania acepção metaphorica muito material. Este verbo parece que não se encontra noutras lingoas romanicas. A passagem da ideia de «cahir» para a de «esquècer» é um caso de Sesmasiologia ou Semantica.»

 Nos três casos apontados e em inúmeros outros (cf. Lições de Philologia, pp. 146 e ss.) de crase de vogais houve como consequência o reforço do timbre da vogal resultante. Esta é a razão de pregar manter há séculos o «e» aberto. O fenómeno da crase de vogais sobrevive no português e é bê-á-bá de filólogos. E é ele tanto mais notório ao comum indígena (de Portugal) quanto contrasta com a metafonia do português, esse fenómeno do nosso idioma que de padre faz padrinho, elevando a primeira sílaba de pá- a pâ- só do avanço da tónica. Dele, como entendereis, se tira a falsidade e má fé pregadas (pregadas ou pregadas?...) na nota explicativa do acordo ortográfico pelos seus autores. Eles não podiam ignorar que a supressão de consoantes etimológicas com valor diacrítico nos casos de acção, adoptar, objectivo &c. se não pode justificar com exemplos resultantes de crase em vogais átonas. — Como aduzem então como justificação corar (< coorare < colorare), padeiro (< paadeiro < pãadeiro < panadeiro < lat. panatariu) e pregar?!... (**) — Naqueles casos de acção, adoptar, objectivo &c. foi justamente de não haver nem crase nem nada que valesse às vogais átonas que logo na reforma de 1911 foi entendida a necessidade das consoantes etimológicas para marcar o timbre aberto da vogal átona precedente. Com vantagem de não desfigurar excessivamente o português em relação às demais línguas românicas. Pois os autores do «Acordo» de 90 desdizem esses ensinamentos e socorrem-se cavilosamente de exemplos doutra estirpe para virarem o bico ao prego às lições de sábios bem maiores do que eles.
 Se dúvida houvera, mais prova dessa má fé se lhes podia achar no arremesso dos exemplos franceses object e project contra as atendíveis razões de similaridade do português escrito com os outros idiomas românicos. Daqueles object e project apresentados por não conservaram o «c» latino no seu devir morfológico, a realidade que escamoteiam é que as formas derivadas objectif, projection &c o exibem garbosamente. O mesmo no cotejo com o castelhano, cuja Real Academia Española legitima objecto na 22.ª ed. do Diccionario de la Lengua Española; apesar de o tachar de arcaico face ao moderno objecto a verdade é que o não suprimiu. Tudo isto os embusteiros autores do dito acordo ortográfico omitiram conscientemente porque lhes não servia o óbvio propósito de submeter o português de 7 países, estável de mais de 60 anos, ao particular capricho brasileiro (cf. «Conservação ou supressão das consoantes...», Nota Explicativa ao Acordo Ortográfico de 1990).

 Tornando a pregar, apesar de a crase estar viva no idioma em casos que decorrem directamente do latim, como pregar e pregador (< lat. praedicator = proclamador público, arauto, elogiador, evangelizador), o certo é que os derivados castiços pregão, pregoeiro ou apregoar se não estribam o suficiente para lhes soar aberto o «e». Já na 1.ª ed. do Aulete (1881) a pronúncia indicada não dava o «e» aberto, o que é sintomático do forte pendor de emudecimento de vogais átonas no português. Tanto assim que já no manuscrito medieval da Coronica do Condestabre de Purtugall comprovamos a pronúncia de «o» átono por «u». É certo que mais cedo do que tarde, sem as consoantes etimológicas, palavras como actor, director e adopção hão-de soar como âtor, dirtor e adução. Esta última, escrita no Brasil sem o devido «p» há mais de meio século, soa muito por lá como à-dô-ção. Sem «o» verdadeiramente aberto, portanto.


(*) Em veedor / veador > vedor a crase é mais notória e deu-se já no português antigo, não no romanço.
(**) Nem o último exemplo que aduzem, oblação, lhes serve ao descaso. Oblação e todas palavras começadas por «o» seguidas de consoante são pronunciadas com ó aberto ou, se tanto, soam com ô. Os da reforma de 1911 não no deviam ignorar, tanto que obliteraram as consoantes duplas nas grafias de occidente, official, opposição &c. sem o pejo que puseram em casos como adopção ou nocturno. De toda a maneira sucede-me ouvir a transmontanos pronunciar como «u» o «o» inicial destes casos. -- Se porém queriam exemplificar que era o a de oblação que era aberto, ledo engano; é tão fechado como o primeiro a de relação. Consulte-se o Priberam.

(Publicado novamente em em 19/V/20 às 8h00 da noute porque podia haver gente nova a chegar.)

Escrito com Bic Laranja às 22:00
Verbete | comentar
22 comentários:
De [s.n.] a 20 de Janeiro de 2013
Magnífico texto explicativo. Eu que sou uma apaixonada pela língua portuguesa, não posso senão agradecer-lhe.

A propósito d'alguns vocábulos que colocou, três ou quatro deles são óptimos exemplos para eu deixar aqui uma pequenina achega, mas fica para amanhã se Deus quiser.

Tenho aqui quatro livros recebidos há pouco (cujo autor é o Visconde de que lhe falei) editados e escritos no princípio do séc. XX, antes do Acordo de 1911. A grafia é uma pequena maravilha o que torna a leitura uma verdadeira delícia.
Maria
De Bic Laranja a 20 de Janeiro de 2013
É, não é! Uma desgraça, o que fizeram em 1911.
Cumpts.
De Inspector Jaap a 20 de Janeiro de 2013
Pois, decerto!
Esses republicanos da treta, têm sempre o condão de estragar tudo o que tocam, e normalmente de forma sanguinária e a idiossincrasia de ter que mudar tudo, e sempre para pior; foi o caso!
cumpts

De Bic Laranja a 20 de Janeiro de 2013
Chama-se apropriação da memória. Esses particaram-no com modos carbonários. Ricas prendas!
Cumpts.
De Inspector Jaap a 20 de Janeiro de 2013
Subscrevo entusiàsticamente , como se vê pela escrita, o que diz a Maria, permitindo-me chamar à colação a minha primeira frase neste admirável blogo:
«Estes textos, são uma maravilha para os olhos e um bálsamo para a alma.»
É consolador verificar que, tanto tempo depois, ela se mantém perfeitamente actual e, num país de «tudólogos» ignaros que de tudo falam e de nada sabem, é reconfortante poder gozar da felicidade de ver textos escritos com o nível de erudição do deste verbete, e nem me refiro só à forma, como é bom de ver.
Obrigado, pois, por isso, caro Bic!
Cumpts
De Bic Laranja a 20 de Janeiro de 2013
Que é lá isso! Obrigado sou eu.
Cumpts. :)
De [s.n.] a 24 de Janeiro de 2013
Afinal Deus não quis:)) Just kidding. Consultas et tal, impediram-me de escrever sobre o que havia prometido com anterioridade.

Tem razão de ser a alteração de certos vocábulos com duplas vogais pré-Acordo1945, nos quais a respectiva aglutinação deu lugar a sílabas tónicas mas não acentuadas. Aproveitando os seus exemplos e abreviando:

- escaer = esquecer, a aglutinação das duas vogais abriu tònicamente a segunda sílaba mas sem acento.

- O mesmo acontece com praedicator = pregador sem acento tónico mas com o "e" também aberto e pelo mesmo motivo. E não como os 'modernos' dizem erradamente, com o "e" quase mudo...

- coorare e paadeiro = corar e padeiro, acontece exactamente o mesmo e novamente sem sinais gráficos nas sílabas tónicas.

Fez bem em assinalar o vocábulo sequestro. Pronuncia-se 'sequéstro' com o "u" audível e o "é" bem aberto e não fechado (como anteontem Jaime Nogueira Pinto o fez na SIC-N e muitos outros também o fazem), dado que antecede três consoantes.

Eu, que fiz a primária muito tempo depois do Acordo-45 ter entrado em vigor, é claro que não me estaria a ver a empregar uma semântica igual à pré-AO45 (isto só porque aprendi diferentemente, caso contrário em nada me afligiría fazê-lo), mas encontro lógica na aglutinação de duas consoantes em vocábulos que as possuíam, para, respeitando a fonética anterior, darem lugar a palavras agudas, graves e esdrúxulas acentuadas tònicamente.

Eu não sei se na oralidade do português pré-AO45, as duplas vogais serviam para abrir a sílaba que as continha, mas é de crer que sim caso contrário não teriam razão d'existir.

A propósito de fonética, lembro o pessoal que fala nas televisões, que no francês e no inglês existem alterações fonéticas exactamente pelas mesmas razões ou parecidas, daquelas que acontecem na nossa língua e é natural, porque o francês tem a mesma origem e até o inglês, com raízes linguísticas diversas, adoptou imensos vocábulos latinos e as regras fonéticas, com a excepção dos sinais gráficos, andam muito próximas das nossas. Em francês os acentos agudo, grave e circunflexo, contràriamente ao que acontece na nossa língua com a mesma finalidade, servem respectivamente para fechar, abrir e novamente abrir a sílaba tónica e NÃO para pronunciar tudo ao contrário, ou seja com a fonética portuguesa, como o fazem quase todos os jornalistas das televisões e outros mais.
Ex.: "débouché" pronuncia-se 'dêbouchê'; "débilité" lê-se 'dêbilitê'; "démantèlement" lê-se 'dêmantélement'; "Lancôme" lê-se 'Lancóme' com o "o" bem aberto e não 'Lancôme' com o "o" fechado, como as meninas das perfumarias, mas não só, o fazem.

Em inglês, idem aspas. Aqui já não são os sinais gráficos mas as duplas (ou uma) consoantes no final dos vocábulos que alteram a fonética, salvo as excepções inerentes a todas as línguas.
Ex.: Bush lê-se o "u" como o 'u' português (assim, 'buche' e não 'bache') porque antecede dupla consoante (menos na Irlanda e Escócia que pronunciam o "u" em "u", como o fazemos em português; Mille ='míle' e não 'Maile' pelo mesmo motivo; Zucker ='zúquer' e não 'zâcar', pelo mesmo motivo; o vocábulo inglês "golf" pronuncia-se 'gólfe', naturalmente, mas em português não se pronuncia do mesmo modo (como o faz uma quantidade de gente incluíndo golfistas!...) já que o vocábulo tem tradução, mas sim 'gôlfe' com o "o" semi-fechado (mais uma excepção à regra) e sem acento, claro;

Ontem apanhei um taxi e o taxista, já com alguma idade, a propósito das árvores derrubadas por causa do temporal, mencionou que os eucaliptos e outras árvores da mesma espécie, foram fàcilmente derrubadas pelo vento, ao contrário dos pinheiros e dos cedros que difìcilmente são derrubados por terem raízes muito fortes. E para minha agradável surpresa ele pronunciou impecàvelmente o vocábulo "cedros" com o "e" bem aberto (ao contrário do que se ouve frequentemente por aí...)! Pensei cá comigo, este homem obteve a muita ou pouca instrução, no anterior regime de certeza absoluta.
Maria

De [s.n.] a 24 de Janeiro de 2013
Algures mais acima (oitavo parágrafo) em "... a aglutinação das duas consoantes...", é claro que queria dizer "a aglutinação das duas vogais...", como é deducional.

Nos exemplos que dei, da alteração fonética nos vocábulos ingleses, um deles - Zucker (açúcar) - é um substantivo de raíz alemã. No entanto os ingleses e principalmente os norte-americanos, adoptaram-no como apelido, derivando em Zuckerberg, sendo o "u" lido em u como em zucker, claro.

Falei que há alteração fonética na língua inglesa quando num vocábulo monossilábico (no caso citado) a vogal precede dupla consoante, mas não acrescentei que o mesmo acontece quando a vogal antecede duas (ou três) consoantes estejam estas na segunda ou terceira sílabas, sejam eles dissílabos, trissílabos ou polissílabos. Ex.: gipsy, electrometer, expectancy, ginning, gist, etc.
Maria

De Bic Laranja a 27 de Janeiro de 2013
O inglês dessas araras das TV nem inglês de praia chega a ser. O francês é melhor esquecer; há uns trinta anos que foi votado ao desprezo (sacrificado ao tal inglês de praia).

Julgo peceber nas suas palavras que antes do Acordo Ortográfico de 45 se acentuavam «esquècer», «prègador», «còrar» e «pàdeiro». Não sei se se acentuavam graficamente, creio que não (também não se escreviam com vogais dobradas; isso é medieval). Não cuido também que a reforma de 1911 dissesse algo especialmente sobre estes vocábulos onde sobrevive a crase de vogais. -- Mas atenção: não era por não serem acentuadas graficamente que se deixavam de pronunciar como hoje as dizemos. E dizemo-las assim há mais de 500 anos apesar da força da metafonia que muda em português o timbre das vogais átonas (ex.: -za > câ-zar; -mo > cu-mêr, &c.); não dizemos nestes casos de crase duas vogais como na Idade Média mas dizemos uma só vogal com o som bem aberto (deiro e não deiro).

Julgo, por outro lado, que aquela reforma de 1911 propunha acento grave (e não trema, que é sinal bárbaro a que só se recorreu em 31, se não me engano) para marcar o «u» dos grafemas «gu» e «qu» em que o «u» era seguido de «e» ou de «i» e era pronunciado (ex. seqùência, seqùestro, tranqùilo &c.). -- Se tal reforma é omissa sobre isto, li-o eu então Gonçalves Viana, seu redactor, em textos seus anteriores (1885 ou 1904). -- Não sei se era a isto do «u» audível que se referia com o caso da má prosódia de «seqùestro». Notemos todavia que pela 1.ª ed. do «Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza» (vulgo Aulete) de 1881, na pronúncia de «sequestrar» e derivados (sequestração, sequestrador, sequestrável) nunca se diz o «u», exceptuando o caso de «sequestro», que já vimos, embora muitas daquelas inscientes araras da televisão nem neste caso o já pronunciem.

Uma curiosidade adocicada: «açúcar» não é palavra germânica na origem; é persa (shakar) ou sânscrita (sharkara) e passou pelos árabes à Itália (zucchero), às Hespanhas (açúcar / azucar) e ao alto-alemão (zucker); deste ao francês (provavelmente no séc. XII) e daqui ao inglês (séc. XIII).

Cumpts. :)
De [s.n.] a 28 de Janeiro de 2013
Certíssimo.
Folheando estes livros escritos e editados pelo Visconde, no ano de 1899, há inúmeros exemplos de palavras acentuadas tònicamente de um modo peculiar, a que achei graça (ver mais abaixo).

E para minha surpresa a ortografia não se distanciava tanto assim daquela que nós hoje usamos. Não sei se os sucessivos Acordos Ortográficos não vieram piorar a nossa ortografia em vez de a melhorar.
Nas anotações iniciais, em três páginas, entre as várias frases em cada uma delas e todas como nós as escrevemos hoje em dia, está esta: Memória Histórica e Discriptiva" e a continuação em português actual.

Não obstante noutros vocábulos, sim, há dissemelhanças: sympathia, hespanhola, affirmada, collecção, heroes, christã, litterario, escriptores, transcripções, assumpto, bella, estylo, philosophico, intellecto, differente, etc.

Mas onde eu encontro pouca diferença é nos acentos tónicos. Por exemplo, em pronomes, verbos, substantivos, preposições, conjunções, etc. e que hoje não existem. Terão sido abolidos pelo Acordo de 33 ou de 45, calculo eu.
Vêz, sôbre, talvêz, pâra, justêza, êste, devêsse, tôda, cêdo, bôa, dôis, nôite, côisas, cavallo, fôi, senhôr, têr, autôr, etc. (edição 1894)

Se quer que lhe diga, pessoalmente acho que muitos destes acentos não ficaríam nada mal no português actual. Afinal fecham a vogal o suficiente para não se alterar inconscientemente a fonética, assim: véz, sóbre, cóisas, nóite, bóa, fói, senhór, devésse, etc. (se bem que - e justamente por isso - nalguns regionalismos se verifique esta pronúncia ou aproximada).
Mas isso talvez seja eu que vejo as coisas doutro modo e sou conservadora por natureza até nestes pormenores da língua portuguesa:))

Num dos exemplares que adquiri, o Visconde debruça-se sobre a vida e obra de Candido (é assim, sem acento, que vem escrito) de Figueiredo e um dos volumes sobre a língua portuguesa a que se dedicou este ilustre léxicógrafo e filólogo, ("... são alto monumento levantado á nossa língua os oito volumes..." - palavras do autor) há pelo menos um, "Os estrangeirismos, 1902, resenha e comentário de centenas de vocábulos e locuções estranhas á língua portuguêsa", que gostava bem de possuir.
Pelo visto já naquela altura o abastardamento da nossa língua-pátria ia avançando a passos de gigante.
Maria

De Bic Laranja a 2 de Fevereiro de 2013
A orthographia variava mais ou menos da d' hoje, dependendo do vocabulario usado. N' aquella epocha o flagello eram os gallicismos , como hoje o são os anglicismos. Tudo barbarismos fructos , ao cabo e ao resto, da ignorancia peneirenta. O que lhe digo é que tropéço mais n'esta escripta dos atrasados mentaes d'agora do que na do tempo de Eça ou de Camillo . Aliás, n'essa antiga, que ninguem se nunca preoccupou ideologicamente em systematizar (e bem), vou por ella bem ligeiro, tal o gôzo que me dá lê-la. Sôbre a velha orthographia , as grammaticas do tempo sómente remettiam para os exemplos dos melhores auctores ; sôbre regras de accentuação simplesmente mandavam que se marcassem com elles as palavras cuja escripta se confundisse com homographos -- «tres», p. ex., não carecia de accento. -- Quere regra de accentuação mais simples?
O Dr. José Leite de Vasconcellos sabia muito mais do que Candido de Figueiredo mas não publicou nenhum diccionario de português. Nas Lições de Linguagem do Sr. Candido de Figueiredo (Porto, Magalhães & Moniz, 1898) o Dr. José Leite critica-o valentemente. Grandes tempos em que alguém da craveira d' um Candido de Figueiredo recebia lições de sabio ainda maior, como o Dr. José leite.
Uma curiosidade: foram ambos estes homens convidados pelos republicanos para a commissão da reforma orthographica de 1911. O Dr. José Leite escusou-se; Candido de Figueiredo não. Succede no em tanto que sendo a dicta reforma officialmente decretada em 1911, Candido de Figueiredo fez tanto caso d ella que em 1913 sahia-se com isto na nova edição do seu Diccionário:

NOVO DICCIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Redigido em harmonia com os modernos princípios da sciência da linguagem, e em que se contém quási o dôbro dos vocábulos até agora registados em todos os diccionários portugueses, além de satisfazer a todas as graphias legítimas, especialmente a que tem sido mais usual e aquella que foi prescrita officialmente em 1911.


Todas as graphias legitimas, especialmente a mais usual....
Parece-me que coméço a ter aqui matéria para um verbete...
Grato pelo mote e boas leituras.
Cumpts.
De [s.n.] a 3 de Fevereiro de 2013
Excelente resenha e preciosos ensinamentos/esclarecimentos linguísticos, que bem merecem ser lidos e relidos especialmente pelos analfabetos funcionais situacionistas, particularmente os 'linguístas' feitos à pressa (e vendidos sabe-se lá por que contrapartidas e benesses) que tentam à viva força amputar a nossa língua, descaracterizando-a vilmente, à revelia dos portugueses de bem.

Tenho tentado adquirir em várias livrarias do país o Dicionário da Língua Portuguesa - Porto Editora. Este exemplar que possuo em 5ª. Edição, por estranho que pareça não trás a data d'impressão, quando todas as edições antigas e literatura em geral, a traziam quase sem excepção. Mas porque será que as editoras não reeditam estas e outras obras que se encontram esgotadíssimas, sabendo d'antemão que elas têm basto público-comprador?!? Mistério.
Este meu exemplar, adquirido p'los meus pais nos anos cinquenta, creio eu, está demasiado deteriorado e a culpa é minha e dos meus irmãos que muito o consultaram. Eu queria um igual a este, mas estou a ver que só resolvo o assunto percorrendo os alfarrabistas. Mas onde é que eu vou arranjar paciência para tal?! Uma amiga minha diz que me cede o dela, editado pela mesma altura. Porém, não sendo da Porto Edª. deixa-me de pé atrás. Se calhar lá terá que ser.
Maria
De da Maia a 24 de Janeiro de 2013
Caí aqui por via de delito de opinião (blog).
Muito bom este seu apontamento.

A passagem de "L" em "R" tem uma razão estranha, dada por Duarte Nunes de Lião, na "Orthographia" de 1576. Conta ele que teria sido por uma questão de "masculinidade"... o "R" dava um tom mais áspero, face ao "L".
Houve algumas que caíram - por exemplo "craro" voltou a ser "claro", e o "condestabre" - que citou - passou assim a "condestável".
Quando isso ocorreu, isso ele não diz. Provavelmente durante a 1ª dinastia. Os galegos continuam a usar alguns "L" que nós transformámos em "R".

Já agora, como "frecha" também voltou a "flecha" e, vendo o rifão de 20 de Janeiro, dia de S. Sebastião, pergunto-lhe se sabe qual é a associação à "hora e meia".
Obrigado,
da Maia
De Bic Laranja a 27 de Janeiro de 2013
O rotacismo deve ser tão antigo como a linguagem humana. Está documentado do latim arcaico ao latim clássico com a mudança de «s» em «r» (honos > honor).
O caso do «l» ao «r» em português dá-se por via popular, e o retorno fez-se por via erudita. A hipótese de Duarte Nunes de Lião tem pano para mangas se quisermos ver na erudição pendor de brandura...
---
Da hora e meia não sei. A menos que seja inculca do povo para render melhor o dia de trablaho; notemos que é rifão velho, dum tempo em que o pôr-do-sol matava a uma jornada.
Cumpts.
De muja a 19 de Maio de 2020
« Excadescere, verbo inchoativo, deriva de cadere «cahir», porque esquècer é como que cahirem da memória as ideias pouco a pouco; o prefixo ex- denota procedencia.»

Portanto, ex-cadere, de-cair.

Justamente, esquecimentos são como que decadências da memória.

Que interessante!

Obrigado também eu!

Cumprimentos.

De Bic Laranja a 20 de Maio de 2020
Mérito ao Dr. José Leite, cuja lição é.
:)
Cumpts.
De [s.n.] a 20 de Maio de 2020
Dizem alguns, que o português, a língua portuguesa, nasceu com a síncope do 'n' e do 'l' e, assim se fez, a separação ao latim e ao galego.
Ex: corona---corona--- coroa
tenere---tener---- ter
molere---moler---- moer
filu-----hilo----- fio
e muito mais.
De Bic Laranja a 20 de Maio de 2020
Sim, tem essas marcas. É um fenómeno anterior à nacionalidade.
Cumpts.
De Mandarinia a 21 de Maio de 2020
Texto e comentários de excepção.
De Bic Laranja a 21 de Maio de 2020
Generosidade sua. Muito obrigado!
De [s.n.] a 21 de Maio de 2020
Olhe, estive a reler tudo o que foi escrito e comentado e isto já no longínquo 2013!! Que prazer toda a leitura e em particular os seus doutos ensinamentos. Adorei.
Maria
De Bic Laranja a 21 de Maio de 2020
Éramos mais novos.
:)
Obrigado!

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