Terça-feira, 30 de Abril de 2013
Ando às vezes com Salazar debaixo do braço. Ontem vinha com o primeiro volume dos Discursos porque queria passar a forma electrónica as páginas do prefácio à 4.ª edição. O que nele pude ler em escassas 40 páginas assombrou-me pela clareza da exposição de todo um pensamento político e pela capacidade de o sintetizar sem perda em tão pouco papel. Admira-me tamanha simplicidade tanto mais que sei o penoso que me é redigir coerentemente a partir duma meada de ideias que me amiúde assalta e a que tanta vez não acho o fio.
A admiração por Salazar, nem que seja por um mero prefácio, não se deve verbalizar, nem muito nem pouco (é exactamente isto a censura) pois o papaguear de chavões e ideias feitas (o ruído -- a censura de hoje) que se ouve em reposta é quase pavloviano. Mesmo que comece por uma admiração formal -- Ah! era ele duma inteligência muito superior. Entendia muito bem os problemas. E acho que era sério. Só fez uma coisa mal: o analfabetismo...
O anlfabetismo?! A que propósito agora esta...?
Parece que para dizer que com intuito de manter o povo dócil pela ignorância.
Como consegue alguém concluir isto doutrem quando lhe acaba de afirmar uma inteligência superior e uma índole séria espanta-me. Mas não vou estar (como não estive, no caso) a perder-me em grande retórica para rebater estes ditos que se dizem. Basta-me um quadrinho com o número dos indígenas cá no reino pelo séc. XX e a porção deles que eram analfabetos, com o bocejo de ver o progresso de 2 milhões e 700 mil que sabiam as letras em algo menos de 7 milhões de portugueses (1930), e compará-lo com 6 milhões e 400 mil alfabetizados numa população de oito milhões e 600 mil (1970); eis aí o trabalho feito do começo ao fim do Estado Novo.
Cada um perceba os factos consoante seja mais ou menos analfabeto ou deixe-se meramente andar na crença em vive.
Evolução da população e regressão
do analfabetismo em Portugal
(1900-2001)
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Anos
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total
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analfabetismo*
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alfabetos
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1900 …………
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73%
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1911 …………
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5 049 729
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69%
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1 567 941
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1920 …………
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6 032 991
|
65%
|
2 099 481
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1930 …………
|
6 825 883
|
60%
|
2 709 193
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1940 …………
|
7 722 152
|
52%
|
3 694 278
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1950 …………
|
8 510 240
|
42%
|
4 955 513
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1960 …………
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8 851 289
|
33%
|
5 930 364
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1970 …………
|
8 648 369
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26%
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6 399 793
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1981 …………
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9 833 041
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21%
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7 768 102
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1991 …………
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11%
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2001 …………
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9%
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Fontes:
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Censo da População, I.N.E. - Lisboa;
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* António Candeias et al., Alfabetização e Escola em Portugal nos Séculos XIX e XX. Os Censos e as Estatísticas, Fund. C. Gulbenkian, 2007.
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(Revisto às 5h30 da tarde.)
De
MCV a 30 de Abril de 2013
Tabela esta que significa termos saído, por maioria, da Pré-História na década de 40 do séc.XX.
É um tema a que ando para dedicar umas linhas há tempo, linhas essas que andam elas também enleadas na construção de edifícios escolares.
O bichinho do Pavlov (para mim não é quase, é mesmo ele) anda a salivar por muito lado.
Abraço
De Bic Laranja a 4 de Maio de 2013
Saímos da pré-história mas com Salazar foi sempre a piorar.
Os edifícios escolares, esses, já começam a levar sumiço, se não por isto, por aquilo. É preciso apagar a memória à gente para daí sacar o homem novo.
Cumpts.
Meu Caro Bic,
aliás, tomo a liberdade de Lhe chamar a atenção para a denúncia dessa falcatrua difamadora ecoada pelo inefável casal Sartre/Beauvoir, em boa hora publicada por Alan Bloom no livro «A CULTURA INCULTA».
Abraço
Não li o livro, mas o prezado Paulo suscitou-me o interesse.
Grato!
De Marcos Pinho de Escobar a 3 de Maio de 2013
Os democratas são numerólatras, menos quando os números não lhes são favoráveis. Mas uma coisa é certa: os alfabetos do Estado Novo não eram estatística - escreviam o que desejavam dizer e compreendiam o que liam. Da "fornalha" abrileira já não se pode dizer o mesmo.
Abraço, Caro Bic.
De Inspector Jaap a 4 de Maio de 2013
Muito bem dito! interessante seria este estatística considerar os analfabetos funcionais (chique, não?) que estão no grupos do alfabetos.
Cumpts
Analfabetos funcionais são ditos os que modernamente padecem duma novidade chamada iliteracia (do amaricano 'illiteracy', que quer dizer -- pasme-se -- analfabeto, sem mais).
Também gostava que me explicassem qual a diferença funcional entre um analfabeto e um dito cujo funcional. Será a caligrafia? Ou será o funcional um analfabeto que funciona, enquanto que o analfabeto só anlfabeto não funciona...
São tudo questões de analfabetos, bem sei...
Cumpts.
Numerólatras ou não, só o que lhes serve é a ideologia: a verdade é a ideologia e vice-versa; dantes pagavam viagens a Moscovo (ou à Sibéria) a quem a queria (devia) aprender. Agora pagamos nós a TV por cabo para no-la porem na mesa à hora de jantar. Ou a qualquer outra hora. Se quisermos só verdade sem ideologia não vendem. É o mercado...
Cumpts.
De Vítor a 3 de Maio de 2013
Porque me presumo pertencente à "fornalha abrileira", não posso deixar de concordar com o post e discordar do último comentário.
Sustento-me nos mais de 20 anos que levo de contacto diário com os que fizeram a "quarta classe antiga" e com os que deambularam pelos ciclos do ensino básico. Concluo tratar-se de realidades diversas e, cuja comparação, deve ser cuidadosamente ponderada.
Assumir a vantagem dos primeiros é, a meu ver, errado.
Mas, enfim, o monóculo muda de vista mas não de graduação.
De Inspector Jaap a 4 de Maio de 2013
Então mude também a graduação e veja se descobre o que fez ao c.
Eu não me presumo da fornalha abrileira, sou-o necessàriamente. De Outubro de 73 às férias da Páscoa de 74 só por engano havia de dar em «fachista».
Por ledo engano também, de certo, nutri durante e depois do 25 de Abril um certo fascínio pelos livros de leitura da primeira e da segunda classe, livros únicos do oficalão Ensino Ofical -- fachista, claro. Guardei-os logo desde criança e sem motivação de adultos, vá lá entender-se... enquanto a democrática liberdade não teve tempo de substituí-los com ou até sem proveito antes de 76. Pois logo nesse ano que era o da minha terceira classe primeira fase do segundo ano, o livrinho de leitura lembra-me bem o seu nome: «Vento Novo»; uma baforada ideológica logo no título bufado às ventas de criancinhas de 8 anos, que era o que a livre domocracia gastava (hoje começa mais cedo). Nunca tive pulsão de o conservar como aos outros, não sei dizer porquê. Talvez da liberdade de o poder deitar fora... Do livro da 4.ª classe, esse nem o nome me ficou, muito por efeito da tal fornalha que começava a derreter as criancinhas, já não na 4.ª classe, mas na segunda fase do segundo ano.
Dou-lhe razão, porém, em que devemos ponderar sèriamente as comparações com realidades tão derretidamente diversas. Um homem é ele mesmo e as suas circunstâncias. Logo, um menino com a quarta classe em 1970 ou um menino com o quarto ano em 2013 não se hão nunca de comparar sem muita ponderação. Podia lá não ser!... O de 2013, além de 4 anos de meios dias na escola carrega outro tanto de outros meios dias em actividades na escola (muito doutrinadamente orientadas, nada de jogatana de bola ou correr o bairro a tocar às campainhas), a que somaremos a bem da liberdade e da democracia mais três anos inteirinhos de jardim-escola ou «escolinha» com, não esquecendo, todas as respectivas actividades orientadas por educadeiras certificadas e viagens de finalistas. Havemos de admitir: dois democratíssimos ciclos de ensino assim como se praticam em 2013, e em plena liberdade, equivalem no mínimo ao antigo sétimo ano dos liceus e talvez mais o propedêutico. Que pode alguém com a 4.ª classe de 1970 ser ao pé disto senão um mono que aprendeu a ler, escrever e contar?!...
Que espécie de gente anda o estado a criar agora é que eu não sei.
Cumpts. :)
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