Vista aérea do B.ª da Madre de Deus a Alvalade (adaptação), Lisboa, c. 1955.
Mário de Oliveira. Arquivo Fotográfico da C.M.L., A24574.
Legenda:
A – Quinta dos Machados ou do Dr. Villaça (em sombreado); B – Quinta dos Machados (casal da mesma quinta, além do caminho de ferro, onde se vendiam ovos).
1 – Casa do Dr. Villaça (o «convento»); 2 – Caminho da casa (actual R. Faria de Vasconcelos) desde a Calçada da Picheleira; 3 – Convento de Chelas; 4 – Horta da Maruja (onde o Metropolitano passa em viaduto sobre o vale e sai de/enfia debaixo do chão da Quinta do Armador); 5 – Quinta do Armador; 6 – Quinta das Olaias; 7 – Casal do Monte do Coxo; 8 – Areeiro; 9 – Bairro da Picheleira (antiga quinta do/da Porciúncula ou Casal dos Ladrões); 10 – Bairro da Madre de Deus.
Pois é! Quando o estudo é apressado, a lição vem mal sabida.
Quando me apressei a publicar «O convento» há dias, entusiasmado com uma fotografia de meia casa do Dr. Villaça, estudei mal os mapas do Levantamento da Planta de Lisboa (1904-1911) e saiu-me a afirmação descuidada de que para trás (Norte) confrontava esta quinta do Villaça com a dos Machados e esta por sua vez com a das Olaias...
Errado!
A Quinta do Villaça era a dos Machados. Já o lá emendei -- os mapas 12L, 13L e 13M são claros; em todos eles vem escrito Quinta dos Machados ou Quinta do [Dr.] Villaça.
Bom! Pegando na vista aérea dos anos 50 que mostra esta quinta e muito mais, a quinta dos Machados era mais ou menos como se tira da imagem adaptada. Mas, e quem foi o Dr. Villaça?...
No arquivo da C.M.L. acha-se um processo com sugestiva descrição -- Planta de alargamento e rectificação da calçada da Picheleira até à calçada do Teixeira, aprovado em sessão de Câmara de 11 de Fevereiro de 1904. A planta indica o terreno pertencente a Teodolinda Amélia Cristina Leça da Veiga Vilaça que cedeu gratuitamente para a via pública e a que se refere o seu requerimento designado pelo n.º 8510, que se encontra em anexo (PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/09/02841). Mesmo sem consulta aos documentos, a pista é óbvia.
Theodolinda Amelia Christina Leça da Veiga Villaça (ant. 1840 - ?) filha do comendador José Manoel da Veiga (*) (1794 - 1859) e de D.ª Maria Dorotheia da Veiga. Casou em 1860 na igreja de S. Bartolomeu do Beato com António Augusto de Sousa Azevedo Villaça (1830 - ? ) e era viva em 1904, a depreender do que consta no arquivo municipal. Teve uma filha, Joana Augusta Christina da Veiga Villaça (1862 - ?) que casou em 1886 com Augusto Cesar de Sousa. Viveu D. Theodolinda com seu marido na R. da Boa Vista 91, 2.º, freguesia de São Paulo, onde baptizaram a filha. Mudaram-se para a quinta dos Machados em data incerta («Genealogia de Reis de Lima Chaves», in My Heritage). Especulando eu, talvez entre a data do falecimento do pai (1859) e o nascimento de sua filha (1862).
É verosímil que Quinta dos Machados fosse propriedade do pai de D.ª Theodolinda, o comendador José Manoel da Veiga, deduzindo de que se casou ele, tal como a filha veio a casar-se, na igreja do Beato, por ventura a paroquial mais chegada ao lugar da quinta. Não excluais porém a hipótese de a quinta vir à mão do Dr. Villaça sem ser pelo casamento com D.ª Theodolinda. Certo, certo, de toda a maneira, é que o nome de Villaça veio à quinta dos Machados por via do marido de D.ª Theodolinda, o bacharel de Direito António Augusto de Sousa Azevedo Villaça, dos Villaças da Rua do Terreiro em Barcelos (que é hoje a residência do D. Prior de Barcelos). Comendador, fidalgo da Casa Real, juiz de 1.ª Instância e advogado em Lisboa, o Dr. Villaça foi administrador do 2.º Bairro (**) da cidade de Lisboa (cf. António Júlio Limpo Trigueiros, «Família Leal Gonsalves e Barroso da Veiga», Geneall.net, 10/3/2003).
D.ª Theodolinda publicou em Lisboa, em 1857, os Elementos de instrucção moral para uzo da Mocidade Portugueza. Dedicados a sua Alteza, a Senhora Infanta D. Maria Anna (Lisboa, F.X. Sousa, 1857). Innocencio faz-lhe menção no Diccionario Bibliographico Portuguez, bem assim como às obras de seu pai, Dr. José Manoel da Veiga. Deduzo que sr.ª D.ª Theodolinda tenha servido na Casa Real...
Nada achei sobre a origem do nome dos Machados. Imagino se haverá alguma ligação ao visconde de Benagazil, da família dos Machados, e abastado proprietário e negociante grossista com quinta na Portela...
Apesar da menção ao Dr. Villaça nos mapas do Levantamento da Planta de Lisboa (1904-1911), o nome da quinta dos Machados foi mais perene. Mas até ele se perdeu. Há tempos o sr. do café dizia-me com raro acerto que o nome da Encosta das Olaias era um engano; que as Olaias assentavam em chão doutra quinta: a dos Machados. É só meia verdade, mas é extraordinário que ele o soubesse. O centro comercial das Olaias e o clube estão, de feito, nas terras da Quinta das Olaias. Todavia o bloco do lado par da Rua Arantes de Oliveira, a Escola das Olaias e os prédios novos dos anos 70 nas franjas ao norte da Calçada da Picheleira estão no perímetro da esquecida quinta dos Machados. E mais verdade é ser o próprio arquivo municipal a encarregar-se de baralhar a memória. Uma entrada nos seus índices reza assim:
Urbanização das Olaias: quinta dos Machados (1966)
— Seabra, António Francisco Cruz Carmona Saragga
— Gonçalves, Eurico Ferreira. 1916-2005, engenheiro civil.
Âmbito e conteúdo: Projecto de urbanização das Olaias, na quinta dos Machados, situado na chamada zona marginal à calçada da Picheleira. Inclui a memória descritiva, anuncio [sic] do concurso, programa, caderno de encargos, prescricções especiais, características, cálculo de colectores, de volumes, medições, mapa de trabalhos e orçamento, planta de pavimentos, de esgotos e bacias hidrográficas, perfis longitudinais, caixas de inspecção e queda para cano de manilhas, planta de sargeta [sic] de boca com sifão, caixa com cifão [sic] interceptor, perfis transversais, perfis tipo e planta da sargeta de grade com sifão.
(PT/AMLSB/CMLSB/UROB-PU/10/293, sublinhado meu.)
Dizer projecto de urbanização das Olaias na quinta dos Machados é o mesmo que dizer projecto de urbanização do Rossio na Praça da Figueira. A memória é curta, confunde-se na bruma do tempo e cristaliza nas peneiras. O resultado não ficou famoso, como atesta o célebre caso da jovem que, morando na Picheleira, deu em crer que morava nas Olaias sul depois de edificada a chique Encosta das ditas à margem do velho bairro. O corolário é a osmose da Picheleira nas Olaias e/ou vice-versa num conceito geral, hoje... Salvou-se da fama a quinta dos Machados, valha-lhe o esquecimento.
Pois tornando a ela e para acabar.
A única filha de D.ª Theodolinda e do Dr. Villaça, a D.ª Joana Augusta Villaça de Sousa casou em 1886 com Augusto Cesar de Sousa (n. 1858). Sei que estava viúva em Agosto de 1900. Dos netos do Dr. Villaça e de D.ª Theodolinda -- D.ª Maria Victoria Villaça de Sousa, D.ª Luzia Villaça de Sousa Freire de Meneses, José Villaça de Sousa e Augusto Villaça de Sousa -- não sei se herdaram, venderam ou lhes foi expropriada a quinta dos Machados. Dela (da quinta), como contei, só conheci a ruína a que a rapaziada chamava «convento» e o casal além do caminho de ferro (que cuidei fosse doutra quinta), onde ia com a minha mãe aos ovos.
(*) Jurisconsulto. Recebeu ordenação sacerdotal mas alcançou dispensa da Santa Sé para poder casar. Dedicou-se à advocacia em Lisboa e redigiu o Código Penal publicado em 1837 por Passos Manuel (M.ª de Fátima Bonifácio (ed.), Memórias do Duque de Palmela, 1.ª ed. Alfragide, Dom Quixote, 2011, p. 333).
(**) Em 1890 incluía a Conceição Nova, Encarnação, Madalena, Mártires, Pena, Sacramento, Santa Justa, S. Jorge de Arroios, S. José, S. Julião e S. Nicolau (Augusto Vieira da Silva, Dispersos, vol. II., 2.ª ed., Lisboa, C.M.L., 1985, p. 75.
(Revisto ao meio dia e vinte de 16.)
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