Ninguém se convence da bondade do «Acordo Ortográfico». Só por brutalidade institucional ele tem ido, contra os indivíduos, contra a gente. A comprová-lo, com elementar evidência, o número de colunistas em jornais que se não rebaixam ao ditame institucional. O recente livro de Pedro Correia enumera-os:
« Segue a lista – por ordem alfabética e necessariamente incompleta – dos colunistas e colaboradores regulares da imprensa portuguesa, de todas as tendências políticas […]
Abel Barros Baptista (Ler), Alberto Gonçalves (D.N.), Ana Bacalhau (Notícias Magazine), Anselmo Borges (D.N.), António Lobo Antunes (Visão), António Sousa Homem (Domingo, revista dominical do Correio da Manhã), Bagão Félix (A Bola), Baptista-Bastos (D.N.), Celeste Cardona (D.N.) Cruz dos Santos (A Bola), Eduardo Cintra Torres (Correio da Manhã), Fernando Sobral (Correio da Manhã), Francisco Belard (Ler), João César das Neves (D.N.), João Pereira Coutinho (Correio da Manhã), José Cutileiro (Expresso), Luciano Amaral (Correio da Manhã), Manuel Falcão (Correio da Manhã), Manuel Martins de Sá (A Bola), Manuel S. Fonseca (Expresso), Maria Filomena Mónica (Expresso), Marques Mendes (Correio da Manhã), Miguel Sousa Tavares (Expresso), Paulo Baldaia (D.N.), Paulo Pereira de Almeida (D.N.), Pedro Marques Lopes (D.N.), Pedro Mexia (Expresso e Ler), Ricardo Araújo Pereira (Visão), Rui Moreira (A Bola), Rui Santos (Record), Sidónio Serpa (A Bola), Sílvio Servan (A Bola), Tiago Rebelo (Domingo), Vasco Graça Moura (D.N.) e Victor Bandarra (Domingo) »
(Vogais e Consoantes Politicamente Incorrectas, pp. 120-121.)
Gente de carne e osso, e espinha direita, contra o despotismo institucional. Honra lhes seja feita sem desprimor doutros mais.
Só pela brutalidade institucional, pois, o dito Acordo tem ido e – bom! – nem assim sempre.
Quando há poucos meses tive notícia da rejeição do caco gráfico pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha soube que apesar dessa decisão esta se achava subjugada ainda assim ao ditame do governo por via da Imprensa Nacional, que lhe recusava os textos para publicação no diário do governo que não fossem em acordês. Já antes se dera o caso de os ovinos funcionários da Imprensa Nacional mutilarem a ortografia portuguesa por correctagem do Lince aos textos do Tribunal de Viana do Castelo antes de os publicarem no Diário da República; não se livraram então da reprimenda do meritíssimo juiz Rui Estrela de Oliveira por adulterarem textos emanados dum órgão de soberania, com sentença lida de que o designado «Acordo Ortográfico» não vigora como lei nem vincula os tribunais. (Muito menos vinculará privados particulares, individuais ou colectivos, que por irreflexão ou por moda se apressaram no trilho da asneira, mas isso é bem a face da estupidez dos humanos...)
Ontem [anteontem] houvemos notícia de que o juiz Rui Teixeira do Tribunal de Torres Vedras advertiu a Direcção Geral de Reinserção Social de «que deverá apresentar as peças em Língua Portuguesa e sem erros ortográficos decorrentes da aplicação da Resolução do Conselho de Ministros 8/2011 (...) a qual apenas vincula o Governo e não os tribunais (1)». Fê-lo até com certo espírito (embora o Diário de Notícias hoje [ontem] o enfatizasse meio a despropósito no próprio título da notícia e com gralhas):
Magistrado alega que as «actsa (sic) (2) não são uma foram (sic) do verbo atar» e «os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso».
A conclusão parece-me óbvia. Tapemos o nariz.
Onde o Português imperava plácida e serenamente em Portugal mais seis estados independentes e uma região administrativa especial, sucedeu-nos a fatalidade de virem uns tais a tirar os chispes do chiqueiro em que os tinham e meterem-nos (aos chispes) a endireitar o que estava direito. Obraram o bom em óptimo (velhos inimigos) sem curar de optimizar o novo óptimo a condizer. No fundo obraram um cágado sem acento. Ou uma fémea disso (3), para não haver aqui machismo (que modernamente é designado discriminação de género para que os mais modernaços entendam).
Como nestas coisas escatológicas nos não devemos admirar de achar o fim último, que será a Democracia Universal pluripartidária, para onde necessariamente deriva a humanidade (ou pelo menos o Ocidente dela mai-la sua Primavera Árabe), não nos espantemos, pois, da recente irrupção dum monte de partidos ortográficos gerados do tal cágado sem acento. Caso semelhante, pela quantidade, só me lembra o romper de partidos de índole marxista de baixo das pedras tombadas do fascismo nos dias a seguir ao 25 de Abril de 1974, ainda as verdadeiras ervas daninhas não germinavam por ali. Dos escombros do idioma pátrio, agora, adianto alguns novíssimos de que sei – o benévolo leitor há-os já de ter achado por aí:
Já lá não vamos com desodorizante. O cheiro do cágado sem acento é Portugal em decomposição.
Em frente pelo Socialismo! (cartazes de propaganda eleitoral), Cais do Sodré, 1976.
F. Gonçalves, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
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(1) Maiúscula no «governo» e minúscula em «tribunais» decorrerá do Acordo Ortográfico ou é só do chispe do escriba?
(2) Provavelmente o escriba do D.N. não deve ter achado outro meio de pôr o «c» em «actas» senão baralhando as letras; doutra maneira o Lince comia-lhe a consoante.
(3) cf. base XI, 3.º do tal bicho sem acento, o único sítio onde oficialmente se conhecem fémeas na língua portuguesa.
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