Os srs. deputados da intendência ao desatino ortográfico (Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico foi o nome prolixo que arranjaram) lá espremeram o sumarento desconchavo em duas dúzias de páginas. Doze audições a acorditas e seis audiências a gente mais avisada deram nuns parágrafos a retalho atamancados à pressa antes de fecharem a tabanca para férias. Aí temos um relatório assim-assim. De quem vem não houvera de esperar melhor coisa. Vale o relatório desde logo de exemplo da cacografia em vigor por não ser nem deixar de ser em «acordês»; é nisso, pois, retrato fiel do que muitos avisaram mas uns quantos mais modernaços não quiseram saber. Dos 71 erros que lhe contei de português, umas dezenas lhe teria de apontar na mesma se seguisse eu o «acordês». Se falta dela houvesse, aí está a prova do caos ortográfico instalado.
Hei-de ir trocando cá o relatório por miúdos mais adiante. Agora entretenho-me a catar-lhe umas alcagoitas meias salgadas e deveras peremptórias no ponto 5 -- Aplicação do Acordo. Convém salientá-las, justamente por virem preto no branco onde vêm: num relatório oficial dos srs. deputados à Assembleia.
O vocabulário ortográfico comum (V.O.C.) previsto no tratado do Acordo Ortográfico (art. 2.º) é uma miragem. É oficial e agora está escrito: havia de ser elaborado pelas Academias Portuguesa e Brasileira com a colaboração de instituições doutros países, mas tal nunca aconteceu (p. 19). Ainda assim, sucede que perante tão assertiva expressão do descaso do clausulado essencial do próprio Acordo vêm a diante os srs. deputados dizer irracionalmente, após um sintomático enunciado de vocabulários extravagantes, que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrou internacionalmente em vigor em Janeiro de 2007 (p. 21) !...
Os extravagantes vocabulários e dicionários foram sendo publicados avulsos por este e aquele a despeito da letra do Acordo. É assim que achamos todos à uma, à procura de abocanhar o maior quinhão do negócio dos dicionários e dos livros da escola. Se os deixam, trincam-se uns aos outros como canibais.
É como a coisa vai. Os srs. deputados dizem-no, mas dar-se-ão conta da gravidade?
Uma miríade de instrumentos de trabalho, ou vocabulários sem nada em comum senão que todos juntos não fazem um de jeito, pelas incoerências do postulado acordita, por erros ou disparidades na sua interpretação, por desgarradas soluções ad-hoc em que cada um e todos são génios a inventar a roda. De repente há uma série de filólogos saídos de debaixo das pedras andando para aí à toa, é o que é.
A jusante de tudo, o famigerado Lince decepa a esmo e a eito o português e divorcia, com aval do Estado, qualquer autor dos seus próprios textos. E os srs. deputados fazem-lhe a (in)devida publicidade, não sei se se deram conta: o Lince é uma ferramenta de apoio à aplicação do A.O. que permite uma rápida adaptação às novas regras. Regras que lhes é indiferente serem boas ou nefastas, nem tão pouco que alguém as aprenda ou não. Importa é encomendarmo-nos todos ao grande timoneiro Lince financiado pelo Fundo da Língua Portuguesa e disponibilizado gratuitamente para todo o país, e fazermos colectivamente a revolução cultural. -- Como pode todavia sair gratuita ao país uma coisa financiada por quem é não entendo eu.
Entretanto (ou finalmente) o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (I.I.L.P.) está a elaborar o V.O.C., com uma previsibilidade [i.é, uma possibilidade de previsão] para finalização do trabalho em 2014. Porém, já houve atrasos, o que pode indiciar que não esteja pronto nessa data. -- Não disse eu que a previsibilidade era uma possibilidade de previsão? Cá está. -- Soma-se que o financiamento do I.I.L.P. secou por calotes vários e consta que o maior é o do Brasil. Isto os srs. deputados omitem. O que preferem dizer é que Angola acabou de financiar os recursos [financiar os recursos?!...] para finalizar o Vocabulário Ortográfico Comum.
Quer a final dizer que será em 2014 que vamos ter cuanzas kwanzas a valer no português?... -- Foi desta profecia que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrou internacionalmente em vigor em Janeiro de 2007 ?!...
(Carta devolvida hoje.)
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