O relatório dos intendentes parlamentares ao caco gráfico gasta uma página A4 a expor a agenda da passagem da cacografia do governo aos livros da escola (pp. 21-22). A burrice vai a meio do curso; iniciou-se em 2011/12 para ter cabo em 2014/15 e os srs. deputados não há maneira de a atalharem. O desatino só tende para o absurdo...
Em o querendo, podem ater-se ao que escreveram em 5.2 — A Intervenção no Sistema Educativo: […] Nas audições/audiências realizadas surgiram opiniões contraditórias (p. 22) — e reflectir no que somaram ao relatório a título de opiniões e no que são, na realidade, os factos.
Os manuais publicados com as regras do Acordo [que] apresentam grafias diferentes (p. 22) são factos, verificados por professores e sem contradição de acorditas. É mais um reflexo do caos ortográfico criado e sobejamente corroborado na redacção cacográfica do Diário da República e do próprio relatório da intendência ao desatino ortográfico. É só mais um reflexo, mas muito grave, pois sucede onde é mais devastador: em livros de estudo.
Outro facto é o desagrado geral de alunos, pais e professores com a insciente reforma ortográfica (que ninguém pediu), veementemente manifestado em tempo oportuno por queixas ao Ministério, recebidas com menoscabo pelo Ministro.
O desagrado não é capricho, é o sentir geral da nação, sustentado em pareceres e comentários técnico-científicos sobre Acordo Ortográfico, laboriosamente esquecidos nas secretarias do Estado… Entre eles acha-se um da Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário, do próprio Ministério da Educação. Tal é o descaso.
Esse desagrado foi sempre escamoteado pelo Ministério e pelos acorditas de plantão, como ainda agora se vê no relatório, no opinar inculpando pais por interferirem junto dos educandos, o que acaba por prejudicar a aprendizagem (p. 22). Ora só num Estado totalitário se há-de negar aos pais acção própria no orientar da educação dos filhos. Só a burocracia kafkiana dum Estado totalitário, enfim, para subjugar professores no ensino, não ao que seja cientificamente correcto, mas àquilo que o dito Estado quer impor como doutrina.
Daqui que uma frasezinha ali metida no relatório — a transição tem sido feita sem dificuldades de maior, na opinião do Ministério (p. 22) — haja necessariamente de ter de ser sopesada por inteiro. Porém, à míngua de estudo sério cabula-se a opinião do Ministério!
Do mesmo modo, a parte que se lhe segue, — dos editores foi avançada a informação de que o processo está a desenrolar-se na normalidade, e que voltar atrás seria um desastre político e económico — também é imperativo pô-la em contexto. Quem, dos editores, foi ouvido pelos srs. deputados e se referiu em termos de desastre à anulação agora do desatino ortográfico foi somente o sr. eng.º Vasco Teixeira, administrador da Porto Editora. Que se saiba não fala por todos os editores, pois há vários que declararam não seguir o Acordo Ortográfico. Mas ouçamo-lo. Ainda assim merece a pena. O seu depoimento foi gravado e acha-se transcrito nas páginas da I.L.C. e nele ficamos a saber ipsis verbis que
[…] o Ministério da Educação teve o bom senso [algum lhe havia de sobrar] de articular com os editores um plano relativamente alargado e faseado que permitiu que não se destruíssem stocks — e quando digo stocks, são stocks dos editores, stocks das livrarias, stocks que estão em casa dos pais e que se aproveitam e que por isso houve um plano - que ainda está em curso, acaba só em [2014/15].
(Vasco Teixeira, administrador da Porto Editora, em audição pelos Deputados do Grupo de Trabalho de Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, Assembleia da República, 14/III/2013, p. 2, apud I.L.C., 26/II/2013.)
Pela estimativa deste senhor foram 2-4 milhões de euros despendidos neste trabalho. Mas atenção: os manuais são revistos de x em x anos (li não sei onde ainda ontem que o estão a ser em cada ano por razões doutra esp€cie…) pelo que o dispêndio pouco mais parece ser do que o custo rotineiro deste processo.
E diz mais:
Portugal cometeu o erro estratégico tremendo de avançar com a votação do acordo sem garantir que Angola e Moçambique avançavam ao mesmo tempo. Isso faz com que neste momento os editores portugueses tenham que escrever os livros que estão a fazer para Angola e Moçambique e há vários editores: nós, a Texto Editora e outros a trabalhar em livros para Angola e Moçambique, livros escolares mas não só — os tenham de fazer em duas versões. (Id., p. 1, ibid.)
Ora bem, o erro estratégico tremendo da cisão ortográfica com Angola e Moçambique não é dado nem achado como desastre político e económico? Isto surpreende! Tanto mais que não é indiferente nos custos, porque se eu — disse Vasco Teixeira — tiver que fazer duas versões diferentes, para Portugal e para Angola ou Moçambique […] vai afectar os custos e a gestão dos stocks!
Pois pasme-se: sendo isto dito assim, ressalva o relatório unicamente que — voltar atrás, isso sim, é que seria desastre económico!
Mas não é só. Pasme-se de novo: o tal desastre económico é, afinal, perfeitamente sofrível:
Quando eu referi o desastre, uma incapacidade de retroceder, como é óbvio eu… não queria dizer que era uma impossibilidade. O que eu acho é que para além dos custos — e diria os custos dos editores não é o que me preocupa muito, devo‑lhes dizer, porque a gente já assumiu esses custos neste trabalho e assumi‑lo‑íamos sem problema ou assumi-lo-emos se for considerado isso conveniente — a reverter o acordo… o que eu acho é que se dariam vários passos atrás num processo que já se iniciou em 1990 […] (Id., p. 1, ibid.)
E além dos custos pouco preocupantes, reverter o acordo é simplesmente… darem-se passos atrás. Darem-se passos atrás, ponto. Num processo que... andava a aboborar desde 1990, é só. Passos tanto mais certos porquanto é evidente que o que se iniciou em 1990 foi um desastre político, materializado na leviandade quase criminosa com que o assunto foi tocado diante de 2008 para cá [1].
Pois para um processo que no relatório dos srs. deputados se diz estar a desenrolar-se na normalidade, nada mais anormal do que a absurda normalidade duma teimosa anormalidade.
Eis o Acordo Ortográfico.
(Imagem da R.T.P., programa «Arte & Emoção».)
[1] Em detalhe, na ratificação apressada e seu humilhante anúncio («Quando fui ao Brasil em 2008, face à pressão que então se fazia sentir no Brasil, o Governo português disse-me que podia e devia anunciar a ratificação do acordo [ortográfico], o que fiz.» Cavaco Silva sobre o seu papel na ratificação do Acordo Ortográfico («Cavaco elogia Acordo Ortográfico mas confessa que em casa ainda escreve à moda antiga», Público, 22/V/2012); na cega aprovação da Resolução n.º 35/2008 na Assembleia; já para não falar do perfeito descaso jurídico da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 contrariando dois decretos-lei (Decr. 35:228, de 8 de Dezembro de 1945 e D.L. 32/73, de 6 de Fevereiro) pretensamente a cavalo dum tratado internacional não ratificado pelas oito partes signatárias, nulo, portanto (cf. J. Faria Costa e F. Ferreira de Almeida, «O chamado ‘novo acordo ortográfico’: um descaso político e jurídico», D.N., 13/2/12), ou do errático Aviso n.º 255/2010 do M.N.E., de 17/9, dando o Acordo Ortográfico como estando em vigor desde 13/5/2009, um ano e quatro meses antes de publicado o seu anúncio no Diário da República.
(Revisto à 1h00 da tarde.)
«[...] fomos contra o acordo até ao momento em que o acordo foi oficial, digamos assim, a partir do momento em que ele passa a ser validado pelas entidades do nosso país, nós entendemos que o nosso papel é cumprir aquilo que os políticos e que os legisladores decidiram [...]»
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