Aspecto do Pateo dos Geraldes (ou Giraldes) tomado da Rotunda, do espólio de Eduardo Portugal no archivo photographico da C.M.L. (cota B096636). O fio de casas baixas, à esquerda, são do quartel do Valle Pereiro. O casarão contra o horizonte em segundo plano, à direita, há-de ser o palácio Abrançalha, actual collegio das Dorotheias. Um esparso olival (?) era quanto havia entre aqui e lá, que é como quem diz, da Rotunda ao alto das Amoreiras de hoje. Não seriam, contudo, senão terras de semadura como é bom de ver das ceifeiras...
Passada dezena e meia ou duas dezenas, quasi, de annos, o panorama tirado da mesma Rotunda era já outro. E as terras de semeadura eram uma convulsão de atêrros. Vêde o Pateo dos Geraldes à esq., detrás dos primeiros palacetes da Rotunda!
Bom, mas não era isto que eu vinha contar.
Quando me há dias referi ao Pateo do (ou dos) Geraldes (ou Giraldes) disse pouco saber da sua origem, além do que dizia: que ficou à condessa da Foz de Arouce por herança do 2.º marquês da Graciosa. Continuo não sabendo muito mais, apesar de já hoje ter catado numa notícia antiga no Público de que pertenceu desde o início do séc. XVIII à família dos Andrades da Idanha, mais tarde marquêses da Graciosa.
Mas, bem, continuo a divagar e quero passar ao que queria dizer. É uma daquelas coincidências.
Dias, apenas, depois de publicado o verbete sôbre o que falo e de que pouco ou nada sabia e sei ainda, lia eu madrugada adentro as últimas páginas de In Illo Tempore de Trindade Coelho quando topei com uma engraçada história dos tempos de Coimbra do... 2.º marquês da Graciosa e que, por elle, se liga ao Pateo dos Geraldes. Treslado-a para aqui nas próprias palavras do auctor d' Os Meus Amores:
Quando o commentador do Codigo Civil, o sr. Dias Ferreira, andava no 6.° anno para se doutorar, era veterano do sr. Fernando de Mello Geraldes, que foi depois marquez da Graciosa, e morreu ha pouco [Outubro de 1900 (*)].
Este typo do veterano vae hoje desapparecendo lá de Coimbra; porque ao presente, sahe-se da Universidade quasi sem bigode, e d'antes ia-se para lá já de barba na cara, e o Veterano era uma entidade veneranda — um como representante, para todos os effeitos, do patrio poder!
O pae mandava a mezada e os conselhos; e o veterano fiscalisava a mezada, e dava contas ao pae, de quando em quando, do aproveitamento do caloiro, nome que ainda no 1.° anno, mesmo hoje, os novatos não perderam de todo.
Explicava-lhe a lição, quando era preciso, e acompanhava-o de noite ás vésperas de feriado — para que lhe não cortassem o cabello, ou, como se diz em Coimbra, para que o não esmonassem...
Ora o Sr. Dias Ferreira, como disse, era o veterano do Fernando Geraldes — que tinha p'los modos o bom gosto de ser um grande cábula, e um verdadeiro insubmisso ás leis de Minerva !
Diz-lhe uma vez o sr. Dias Ferreira:
— Prepare-se, olhe que é chamado ámanhã. « Viu bem? »
E o Geraldes:
— Muito bem.
Mas á noite, em vez de accender o candieiro de três bicos, de latão amarello, o novato tira-se de cuidados e péga da moca — e vae com os outros à caça dos gatos!
No meu tempo ainda era tambem costume ir a gente á caça dos gatos — e aqui está (digo-o agora!) quem ajudou a dar cabo d'aquelle bichano maltez da poetisa D. Amélia Janny, e que a poetisa, diz-se, estimava muito!
O crime... — prescreveu !
Andou, pois, toda a noie aos gatos, o bom do Geraldes; e quando recolheu quasi de manhã, não quiz saber da sebenta, e foi para a aula sem vêr palavra!
Fez o lente a prelecção do costume, que era a lição para o dia seguinte; e no fim, já se vê, poz-se a folhear a caderneta, a vêr quem havia-de chamar...
Pânico p'las bancadas! Á esquerda do sr. Geraldes ficava o seu condiscipulo Beirão — o sr. Francisco Antonio da Veiga Beirão, que tem sido ministro, — e que era um urso.
... Até que diz o lente lá da cadeira:
— « O Sr. Fernando de Mello Geraldes. »
E o Mello Geraldes acotovella com furia o visinho da esquerda, e diz-lhe baixinho:
— Beirão ! ó Beirão ! Olha que foste chamado!
Levanta-se rápido o sr. Beirão, e prega, como era de esperar, uma lição formidável! A verdadeira lição de urso!
Diz-lhe o lente ao dar a hora:
— Estou satisfeitissimo ! Tem dito muitissimo bem!
E assenta uma lição optima... — ao Fernando de Mello Geraldes!
Vae para casa o Fernando Geraldes, e conta a historia ao sr. Dias Ferreira.
— Oh, diabo! — diz-lhe de rábula o futuro causidico, — fez bem em me prevenir! «Vê bem?»
— Não vejo...
— Pois você verá.
E faz-se encontrado com o lente, e com a confiança de meios-collegas e pergunta-lhe logo:
— Então o rapaz? que tal andou?
O lente, pasmado:
— Optimamente! Você faz lá uma ideia?! Vou chamál-o ainda outra vez, e hei-de ferrar-lhe um premio no fim do anno!
O sr. José Dias, prudente:
— Homem, isso não ! Chamál-o outra vez, isso não! (Prudentissimo!) Não vá o rapaz estragar o que fez!Trindade Coelho, In Illo Tempore, Aillaud, Porto, 1902, pp. 375-379.
(*) As genealogias da Internete dão o 2.º marquês da Graciosa, Sr. Fernando de Mello Geraldes Sampaio de Bourbon, como falecido em 1943. Deve haver engano. Consultando a Nobreza de Portugal e do Brasil (v. II, p. 645) leio: Foi 2.º Conde e 2.º Marquês Fernando de Melo Geraldes Sampaio de Bourbon, que nasceu em 29-VI-1839 e morreu solteiro e s.g. [sem geração] em Outubro de 1900, filho segundogénito (o primogénito morreu novo e s.g.) dos I.ºs Marqueses. Era bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra e grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa. Foi-lhe renovado o título de Marquês por Decreto de 26-V-1886 (D. Luis). — Parece-me isto mais em accôrdo da verdade e corroborado pelo que nos conta Trindade Coelho.
Photographias do espólio de Eduardo Portugal (s.d.), José Arthur Leitão Barcia (c. 1900) e Joshua Benoliel (1917), in archivo photographico da C.M.L..
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