Sexta-feira, 7 de Novembro de 2014

As «lições» de linguagem do analfabetismo com ar de entendido

 Um acordita comentou-me aqui há dias de ser a reforma ortográfica de 1911 uma aproximação descarada e trapalhona à grafia do castelhano. Presume-se que por razões do iberismo...

 Em tempos tropecei num comentador no «Delito de Opinião» convencido justamente disto (calhando era o mesmo). Essoutro até dava «provas»: os sufixos dos gentílicos portuguez, francez, os topónimos Brazil, Mossambique, o exótico assucar, a respeitável egreja e o revolucionário egual, cuja grafia veio a dar no que temos por reles imitação do castelhano.

 Gonçalves Viana levou a vida, é certo, com a mania de «simplificar» a ortografia e dissolveu dúvidas no latim e no castelhano; já se era iberista não sei. Sucedendo que a reforma ortográfica de 1911 se deu pelas razões de ideologia politica que mudaram a bandeira nacional, devo, porém, sem novidade e com mais razão entendê-la quanto às suas opções lexicográficas como corolário do devir histórico do latim vulgar na Hispânia. Nestes termos cuido forçado crê-la como decalque cego e primário do castelhano, de mais a mais por mero propósito de iberismo político. Colhe antes o argumento algo obsessivo de Gonçalves Viana em esconjurar a ortografia do português do jugo dessa tradição postiça e presunçosa de ortografia helenizada e alatinada (Ortografia Nacional, Lisboa, Viuva Tavares Cardoso, 1904, p. 12). As opções lexicográficas, portanto, nos casos apontados e em geral, fundaram-se na história do idioma, mais nas raízes (orais) do português antigo, e menos no português clássico que do séc. XVI ao séc. XIX buscava o Latim.

 A base para a regularização da ortografia portuguesa tem de ser a história da língua no tempo e no espaço; convém saber, o exame detido e científico dos seus monumentos escritos, desde os primeiros tempos, e o conhecimento metódico dos seus vários dialectos actuais. As línguas estranhas, cujo conhecimento se torna necessário para ficsar, e sobretudo para aplicar essa ortografia, são a latina e a castelhana, estas duas mesmas sómente como aussílio para resolver os casos duvidosos; (Op. cit., p. 7)

A terminação dos gentílicos

 É da tradição portuguesa que os gentílicos português, francês &c. se formam com s final: tradição hispânica e românica decorrente da sufixação oriunda do latim -ensis que nos deu -ense por via erudita e -ês por via popular. O caso não tem dúvida e por conseguinte nem estranho a ausência de gentílicos formados com z final no Corpus do Português Medieval.

 No Corpus do Português, que abrange do séc. XIV ao séc. XX, o primeiro caso que achei é dum certo Jsaque francez, mencionado nos livros da  chancelaria de el-rei D. Duarte. O próprio rei D. Duarte, porém, não deixou de escrever -- quiçá de seu punho -- no Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela: Nem tenho que hũu ingres ou frances se bem corregesse em hũu cavallo de sella gyneta de curtas estrebeiras, se antes em ella nom ouvesse custume d’andar (liv. 3-1, cap. 7, f. 103r); -- Pode o ingrês vir ali com desusado (ou popularucho) rotacismo, mas dúvida me não resta em que o sufixo -ês é o que rege em curtas estribeiras os gentílicos que tiveram o costume de andar em -ensis .

 É mais do que basta para assentar este caso.

Os topónimos Brasil e Moçambique

 O topónimo Brasil é grafado assim, com s, por João de Barros na Primeira Década da Ásia (Liv.º 5.º, cap. II); do Brasil disse com certa razão e, talvez ainda, actualidade: 

 Per o qual nome Sancta cruz foy aquella térra nomeáda os primeiros annos: & a cruz aruorada alguũs durou naquelle lugar. Porem como o demonio per o sinal da cruz perdeo o dominio que tinha sobre nós, mediante a paixã de Christo Jesu consumada nella: tanto que daquella térra começou de vir o páo vermelho chamado brasil, trabalhou que com este nome ficasse na boca do pouo, & que se perdesse o de Sancta cruz.

 Pero de Magalhães de Gândavo escreveu sempre Brasil na sua Historia da Prouincia de Sancta Cruz (1575).

 No Corpus acho Brasil mais de noventa vezes em obras do séc. XVI; a grafia Brazil acho-a por sete vezes e três delas são nas Décadas de Diogo do Couto cuja edição que serve de base ao Corpus é do séc. XVIII, quando sei que foi mais acentuado o hábito de grafar com z o s intervocálico do português. Foi com toda a certeza do falar dos portugueses, que não da sua escrita, que os ingleses tomaram o topónimo e daí escreverem-no Brazil. -- Tivera-o o inglês tomado do falar castelhano e haveriam de o talvez acabar por escrever Brasil com s, pois é «Brassil» que soa em castelhano. O nome Brasil, assim, é bom português (*).

( Abro aqui parêntesis enquanto reflicto sobre o vocábulo português Brasil porque me veio à ideia o zurrar recente daquela cavalgadura de nomeada com alvará de sábio e merecido eco nos areópagos histriónicos de Portugal e Brasil, o ilustre doutor Pimentel:

 Comparar o português com o inglês e o francês e o alemão é como comparar formiga com elefante. São culturas muito diferentes. Essas (i.é, estas) línguas têm muito mais História [...] Eu considero a nossa língua em começo de expansão (in I.L.C. contra o Acordo Ortográfico, 5/XI/2014).

 Este doutor Pimentel é besta tal que, tendo nome de baptismo Hernâni, só conseguiu escrevê-lo Ernani -- se fosse Miguel escreveria Migel... -- Há semanas baralhou-se um tudo nada com os primeiros paços da Aritmética; as boas letras são-lhe ingratas, por isto anda para aí aos tombos com o idioma à procura de que se escreva xuva em vez chuva. Um operário da ignorância voluntarioso e trabalhador, hei-de conceder, mas muito estúpido para perceber que Brasil é uma palavra portuguesa, Braziu não...)

 A razão da grafia Moçambique e não Mossambique soube-a também João de Barros (Liv.º 4.º, cap. III); a transliteração do árabe ao português (que tão ignorada é hoje, importando-se tudo do amaricano) tem regra. E o topónimo Moçambique, dizem vir dum nome próprio Muça Al... qualquer coisa, um mercador muçulmano. Foi a grafia portuguesa, com ç, que deu origem ao equivalente castelhano com z; não foi o castelhano que deu origem ao português.

 Não duvido de que ambos os topónimos nasceram no português como hoje os escrevemos; do português passaram além, adaptados a fonéticas estranhas, menos desvairadas umas, mais bárbaras outras... Dizer, pois, que a recuperação e fixação daquelas formas originais portuguesas em 1911 foi imitação do castelhano é estupidez atrevida e ver o Mundo ao contrário. O tal comentador no Delito, um tal Porto, de tão encarniçado contra a assimilação ao castelhano até podia parecer portuguez de velha cepa. Não. É um acordita: dá palpites filológicos pelo cheiro e redige como pateta. O de há dias por aqui, se não é o mesmo cavalheiro, é igual. São ambos a amostra acabada da ignorância atrevida de todos quantos vejo a defender o caco gráfico.


(*) Já depois do que aqui escrevi consultei de fugida o Dicionário Etimológico de J. P. Machado que entronca o étimo do substantivo comum brasil no it. medieval (séc. XII), referido a uma planta tintureira oriental. O seu uso na Itália dever-se-ia ao ar. wars ou warsīī, algo assim. Conto de ao depois escrever uma apostila a este caso, até porque houve já um brasileiro a querer entroncar este vocábulo no fr. -- Tudo serve à renegação brasileira do português....

(Revisto.)

Escrito com Bic Laranja às 07:46
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27 comentários:
De Inspector Jaap a 7 de Novembro de 2014
Para variar, mais uma assombrosa lição de Português no seu estado mais puro…
Pasme-se, pois é crime de «lesa-língua»: fiquei sem palavras e andei uns minutos pelo chão à procura da minha queixada; valeu bem o tempo que perdi a reavê-la.
Obrigado, caro Bic, já que isto é que «eles» não suportam: lógica, sabedoria, cultura e... Lusismo
Calorosos cumprimentos
De Bic Laranja a 7 de Novembro de 2014
Pode parecer, mas são quase lugares-comuns.
Mas obrigado pela sua generosidade!
Cumpts.
De Marcos Pinho de Escobar a 7 de Novembro de 2014
Caro Bic,
Não tenho palavras para agradecer tal lição.
Graças a Deus que o Amigo não esmorece no combate
pela nossa Língua!
Forte abraço.
De Bic Laranja a 8 de Novembro de 2014
Esmoreço, pois. Isto é o estrebuchar dum moribundo. Ninguém me convence que Portugal não acabou. Tudo já não passa de relíquias, arqueologia, olhe!
Cumpts.
De [s.n.] a 9 de Novembro de 2014
Ai esse pessimismo:) Ai esse Balança com ascendente em Leão:) Lembra-se? As características estão todas aí...

Recorda-se de lhe falar no carácter ou personalidade dos virginianos? Repare na alegria e boa disposição da Cristina Ferreira, ela nasceu a 9 de Setembro, dois dias depois..., portanto o mesmo signo, a mesma visão positiva do mundo, a mesma alegria de viver, a mesma competência no trabalho, a mesma capacidade de se exceder até ao limite para que as tarefas que toma em mãos saiam perfeitas, o mesmo profissionalismo, o mesmo perfeccionismo em tudo quanto faz, etc. (Tal e qual..., como se recordará, apesar de todos os contratempos havidos) Este foi só um exemplo, propositado, precisamente por ser alguém que todos conhecem.

Não se pode ser tão derrotista, a vida leva-se melhor se se for um bocadinho mais positivo, apesar de lhe dar toda a razão sobre o destino trágico, não merecido, que estava reservado a Portugal e que nos torna como povo tremendamente infelizes, mesmo se inconscientemente e tentando lutar em sentido contrário com todas as nossas forças. É como se sentíssemos a nossa alma a ser amarfanhada diàriamente mais e mais, como se algo invisível terrìvelmente aziago pairasse contìnuamente sobre a nossa cabeça ameaçando-nos de que qualquer coisa ainda mais grave, se tal é sequer possível, nos possa vir a acontecer de um momento para o outro.
Ainda assim é nosso dever, mais que não seja para ir conservando mìnimamente a sanidade mental, fazermos o possível por tentar ultrapassar os maus pensamentos e reagirmos com pequeninos "nadas" que nos tragam alguma paz espiritual capaz de nos distrair, por breves momentos que sejam, a cada dia, para ir aguentando uma terrível desesperança e nenhuma razão de viver traduzidas numa angústia permanente com que esta geração e sabe Deus quantas mais, irão viver até ao fim dos seus dias.
Maria
De Bic Laranja a 10 de Novembro de 2014
De [s.n.] a 11 de Novembro de 2014
Pois, pois...
Maria
De João Branco a 9 de Novembro de 2014
então, vejamos.

Quando este assunto do AO se debateu nas redes sociais, eu lembro-me de ler vários comentários do P.Porto em vários locais da blogosfera (não aquele que refere), e conheço a fonte de onde eles emanavam, que aqui não menciono, poupo-lhe a trabalheira de uso do lápis azul, bem basta o trabalho que já tem ao reverter a ortografia atual que uso para a ortografia antiga.

O comentário que menciona, do Porto, é perfeito e indiscutível, evidentemente.

Mas podesmos acrescentar outros exemplos da castelhanização de 1911, vários. Mas baste lembrar o portuguessíssmo Luiz, assim escrito e assinado pelo Rei de Portugal desse nome, que com a castelanização de 1911 passou a... Luis. À espanhola.

Quanto à questão do uso de Português em lugar de Português (à espanhola), ou de Brazil em lugar de Brasil, à espanhola, e quando ocorreu.

Todas as gramáricas e dicionários portugueses pós 1640 usam sempre Portuguez e Brazil.
A generalidade dos escritores portugueses e os documentos oficiais portugueses depois dessa data também usam "portuguez" e Brazil.

Nestes escritores incluo o Padre António Vieira que usou essa grafia, João de Deus, na sua "cartilha marternal", também usou. E os nomes maiores da literatura portuguesa dos séculos 18 e 19 (salvo raras exceções) também.

Portanto, usou-se "portuguez", e "Brazil", e (quase sempre "Mossambique" e "Mossâmedes" durante mais de 000 anos na ortografia portuguesa.

Foi apenas por proposta do iberista Gonçalves Viana que as coisas deixaram de ser assim. Isto pode ser constatado nas "Bases da Ortografia", publicada em 1885, em que aparece a, chamemos-lhe, novidade "ortografia portuguesa", em lugar de "orthographia portugueza". Isto ia parcialmente contra o objetivo de simplificar, mas Viana não queria apenas simplificar, queria outra coisa, como eu escrevi antes.

Por fim, é cómico constatar que, aqueles que são contra a simplifcação ortográfica do AO90, procurarem refúgio nas teses do assassino maior do classicismo ortográfico do Português para fundamentar a oposição ao AO90. Ser desacordista só pode ser uma coisa triste e chata.
De Bic Laranja a 9 de Novembro de 2014
Vossemecê escreve de afogadilho, isso tolhe-lhe a redacção. Já os contra-argumentos é que nem com calma ou ponderação lhe haviam de sair de jeito. O problema é outro...
Passar bem!
De Iletrado a 10 de Novembro de 2014
Caru Juan Brancu
000 anos? Porque não "000000000000" anos? Daria, seguramente, mais hênfase. Talvez "zero anos" também servisse, não sei.
Nu +, comcordu comtigu qtà simplificasan ortugrafica. Alias, u teu cumemtáriu peca pur screveres demasiadàmtiga. "000 anus" nan deixaria qq dúvida sobru q se pretemd. Pq u primcipalé qagemte semtemda, né verdad?
Só nan consigatinar nu "podesmos", "portuguessíssmo" i "gramárica". Nan consegi emcomtrar tal coisa nus diciunários, nem damtanho nem damtes damtanho. Probremas da cervaja, qu azede serteza.
tambémmeadmiroporescreverescomespaçosevírgulaseoutrossinaisgráficosquenãoexistemnaoralidadeondediaboestáasimplificaçãográficadeacordocomafonética
Bolas, até o corrector automático ficou azul depois de escrever a frase anterior!
Vai ser um fartote quando a malta do norte, ao abrigo da mixórdia gráfica, exigir que se escreva de acôrdo com a fonética: "ó Basco, bamos até ao bale bacinar o gado bacum, apanhar as bagens, botar no gajo mais balente e menos baidoso e baiar o badio do baláquio que não bulcanizou as bulgares burcas de borracha".
"(...) é cómico constatar que, aqueles que são contra (...)" Basta ler este pedaço de prosa para constatar que a "dificuldade" da aprendizagem do português reside em tudo menos na orthographia.
Boas pedaladas.
De Bic Laranja. a 10 de Novembro de 2014
De [s.n.] a 13 de Novembro de 2014
Este já é o quarto comentário. Os outros esfumaram-se..., os dois primeiros anteontem, o terceiro há menos de uma hora. Costuma dizer-se que à terceira é de vez. Neste caso é à quarta, a ver vamos...

Lá vou eu bater na mesma tecla.
Cada vez maior número de portugueses, incluíndo os ministros, deputados, jornalistas, comentadores, etc., estão a falar 'à brasileira'. É um erro linguístico crasso dizer-se, como se ouve diàriamente: "(há?)à três anos atrás" ; "à uma hora atrás"; "à uma semana atrás".

Os brasileiros não conhecem o verbo HAVER, ou se o conhecem não o empregam para designar o tempo decorrido entre determinado acontecimento havido no passado e o momento presente. De facto a expressão dita pelos brasileiros nem sequer emprega a contracção da preposição "a"com o artigo "a", isto é, eles dizem: "duas semanas atrás"; "três anos atrás", etc., e neste caso lògicamente que está correcto empregarem o advérbio "atrás", caso contrário não se compreenderia a ideia inclusa na oração. (Mas isso é lá no Brasil e lexicalmente aquele povo é seu dono e senhor). E ele, verbo Haver, está lá justamente para designar o tempo decorrido entre o passado e o presente.

Já agora aconselho a todos os que se referem a um acontecimento no PASSADO mencionando-o duas vezes na mesma proposição, que em relação a algo que irá passar-se no futuro, o profiram da seguinte maneira: daqui a um ano prá frente; na próxima década prá frente; no quinto milénio prá frente, etc. Então sim, estarão a ser coerentes com o discurso falado (e escrito) e mostrarão quão progressista e democrática é a sua sematologia. Não foi precisamente este abastardamento contínuo da nossa língua o que o regime, que nos foi imposto sem dizermos água vai, engendrou e decreta? Claro que sim e logo desde a primeira hora.
Maria
De [s.n.] a 14 de Novembro de 2014
Já agora e a talhe de foice (e não "a talho(!!!) de foice", como diz e repete o sr. Goucha...), peço o favor aos senhores jornalistas e quejandos que quando quiserem passar a notícia a um/a colega que se encontra a acompanhar a reportagem no exterior, não repitam constantemente: "Luísa, Mafalda, Luís, Teresa, etc., ... diz-nos qual é o ponto DE situação"! Mas qual 'DE' situação, qual carapuça?!? Se a situação é algo de concreto que se está a passar ou que acabou de acontecer - acidente, manifestação, protestos políticos, distúrbios no futebol, um acontecimento inopinado, etc. - o substantivo definido tem que levar obrigatòriamente a antecedê-lo a preposição+pronome demostrativo "DA". Até chegar a 'democracia' ao País, sem ter sido requisitada, esclareça-se, jamais se havia proferido "DE situação"..., jamé, como dizia o outro.

Lá está, se calhar é assim que é a frase é construída no Brasil e, evidentemente, cá temos logo os macaquinhos de imitação, que da nossa língua cada vez sabem menos, prontos a deturpá-la ainda mais um bocadinho, adoptando todos contentinhos da silva uma grafia inconscientemente ancilosada.
Maria
De Bic Laranja a 14 de Novembro de 2014
Tem razão nos trejeitos onomásticos soluçados pelos jornalistas a cada instante. Bem vê, são muletas que lhes valem à paralisia lexical que os aflige.
Mas, repare, «talho» é o golpe dum gume; «talhe» é a feição do corte. É «a talho de foice», embora quase todos digam talhe, é verdade.
Cumpts.
De [s.n.] a 15 de Novembro de 2014
Olhe, por essa não esperava eu... Tem a certeza absoluta? Hummm... E na literatura não será essa a expressão utilizada? Olhe que estive a fazer uma pesquisazita sobre ambos os termos e relativamente ao primeiro ainda vá que não vá, porém quanto ao segundo não encontrei termo substituto algum. Bem, mas como diz que qualquer deles pode utilizar-se, então... Não obstante, por mim continuarei a dizer "a talhe de", como sempre disse e sempre ouvi dizer... I'm sorry:)

Já agora não me venha dizer que "passo a expressão", como diz o Goucha volta e meia, também é um dizer correcto?! A meu ver se disser "passo a" dá a nítida sensação de que estou a querer ou desejo 'passar a palavra ou o discurso a outrem'. E também, caso o não fizesse, pelo menos a mim, parecer-me-ia estar a conjugar o verbo passar... Cá por mim continuarei a dizer PASSE e não PASSO, como o venho fazendo desde há mais de mil anos:) E também porque caso o não fizesse mais pareceria estar a conjugar o verbo passar.
(Alterei um pouco o parágrafo acima depois de escrever este, mas deixei ficar porque completa a ideia).

Esta história dos termos e expressões pré-Abril e pós Abril (que eu considero propositadamente alterados pelos 'democratas', já que tudo o que se escrevia ou dizia "antes" - termos correntes, fala tradicional, português genuíno - era e estou certa que ainda é, fascista e contra-revolucionário) trás muita água no bico. Resulta daí que 'depois' d'Abril os grandes libertadores do povo oprimido tinham que necessàriamente alterar tudo e mais alguma coisa, como temos bastas provas. O único propósito era/é levar sub-reptìciamente o povo a aclamar o progressismo e enaltecer a democracia (deles).
Maria

Obs.: Por exemplo, no anterior regime "um mandato de captura", era sempre a expressão utilizada para designar uma detenção que o justificasse. Veio este regime e não imediatamente após mas alguns anos depois, o termo era demasiado 'faxista', pois claro, por conseguinte foi alterado (como aliás tudo o que cheirasse a fascismo para o povo se esquecer dele depressa e principalmente para evitar comparações entre aquele que foi um regime honesto, íntegro e patriótico e este que é desonesto, ladrão, corrupto, falso e anti-patriota) para "mandado de..." . Ainda que ambos signifiquem o mesmo, não me recordo de ter ouvido ou lido pronunciar-se "mandado" e não "mandato". Mais que não seja porque soa mal que se farta e além disso parece estarmos a conjugar o verbo "mandar" (ex.: ele foi mandado parar por excesso de velocidade).
Diga-me se acha este último termo o mais correcto relativamente à acção praticada. Eu não.
De Bic Laranja a 17 de Novembro de 2014
O Priberam indica «talho de foice». A 1.ª ed. do Aulete, de 1881 também.

Dizer «passo» a expressão, a indiscrição, &c. é conjugar o verbo «passar» com sentido de omissão, como num jogo de cartas. Dizer «passe», no conjuntivo, tem sentido pois este modo aplica-se bem em subordinadas com ideia de permissão ou expectativa. Não sei dizer se a locução se formou neste último modo; talvez não. Nenhuma maneira é errada.

Há termos pré e pós-Abrilinos (e o José dá muita conta disso na Porta da Loja, como bem sabe), mas «mandato» ou «mandado», calhando não... Cuido, porém, que se prestam a confusão, pois o sentido da primeira como procuração ou delegação de poder se aproxima do da segunda referida a determinação ou ordem judicial. Mandato é o poder conferido a um mandatário (polícia, p. ex.) para proceder a um mandado de prisão dum juiz.

Cumpts.
De Bic Laranja a 17 de Novembro de 2014
Esta resposta que lhe tinha começada, vejo-a agora nalguma medida redundante com uma que acabo de ler em baixo do leitor «Iletrado».

Obrigado a ambos.
De Bic Laranja a 14 de Novembro de 2014
A linguagem é um mimetismo danado. Não há como lhe fugir aos vícios. Solução? Esperar que certos modismos passem...
Cumpts.
De Bic Laranja a 14 de Novembro de 2014
Se não passarem, bom, paciência!
Cumpts.
De Iletrado a 16 de Novembro de 2014
(Antes de mais, agradeço ao Bic Laranja a indicação - preciosa, a meu ver - da fonte que consultei: 1.ª edição do Aulete, de 1881).
Cara Maria
Fazendo fé nas tuas palavras, sou levado a acreditar que o homem de Vimieiro - ou alguém em nome dele - alterou com propósitos obscuros o sentido de tais têrmos: mandato e mandado. Discordo em absoluto do teu pensamento; precisamos ter algum cuidado com afirmações deste calibre, pois de contrário sai-nos o tiro pela culatra. Eu sei que o estado a que isto chegou deixa muita gente enervada, mas não podemos cometer com o regime actual os mesmos erros que este regime comete em relação ao anterior: nem tudo é mau, mesmo que pareça pior.
Relativamente ao assunto em qüestão, transcrevo o que o "Diccionario contemporaneo da lingua portugueza" define para tais têrmos:

Mandado (man-dá-du), s. m. determinação imperativa de superior a inferior: (...) Ordem ou despacho escripto de auctoridade judicial ou administrativa para a execução de alguma diligencia: Mandado de intimação. Mandado de prisão. || Recado, incumbencia.|| Ordem, obediencia: Está aqui ao meu mandado. (...) adj. Bem mandado, diz-se de quem é submisso e obediente. || F. lat. Mandatum. (pag. 1106)

Mandato (man-dá-tu), s.m. procuração, acto pelo qual uma pessoa dá a outra poderes bastantes para em seu nome fazer qualquer coisa: Dá-se o contracto de mandato ou procuradoría quando alguma pessoa se encarrega de prestar ou fazer alguma coisa por mandado e em nome de outrem. O procurador ou o advogado que houver acceitado o mandato de uma das partes não póde procurar ou advogar pela outra na mesma causa, ainda que deixe a anterior procuração. (Cod. civ., art. 1360.°) || Confiança que os eleitores depositam nos deputados que elegem; poder que lhes conferem para os representar. || Preceito, ordem de superior para inferior. (...) Mandato imperativo, a obrigação imposta ao deputado do povo de votar de um certo modo. || F. lat. Mandatant. (pag. 1107)

Resumindo: o polícia recebe um mandato para cumprir o mandado de captura.
Como se constata, em 1881 tais têrmos não significavam o mesmo. A ser verdade que no Estado Novo estes têrmos eram sinónimos ou tinham significados contrários ao daquele tempo, então poderemos afirmar que este regime recuperou os significados originais.
Boas pedaladas.
De Bic Laranja a 17 de Novembro de 2014
Parece claro que a confusão destes parónimos decorre da sua essência, não tem que ver com regimes. «Mandato» e «mandado» soam quase iguais.

Afora isso, soa-me que «mandato» foi tirado tabelionicamente do part. latino «mandātum» (mandō, mandis, -āvī, -ātus, -āre), mas «mandado» se formou já no Português (do v. mandar)... Em última análise o étimo é o mesmo em ambos os casos e foi sòmente isso que achei em dois dicionários.

Cumpts.
De [s.n.] a 17 de Novembro de 2014
Completamente d'acordo. Mais logo tentarei responder ao ilustre comentador Iletrado, que creio ser brasileiro porque me trata por "tu", com breves palavras que vão d'encontro ao que escreveu acima.
Maria
De [s.n.] a 18 de Novembro de 2014
Comentador Iletrado, agradeço a sua gentil explicação mas se reparar bem, embora por outras palavras, vai mais ou menos d'encontro ao que eu escrevi, com uma ou outra nuance.
Aliás o digníssimo Dono desta Casa forneceu a versão - correcta e concisa - do tema em questão, socorrendo-se do vasto conhecimento e rigor que lhe são reconhecidos.

Se no anterior regime se usava preferencialmente o termo "mandato" nos casos em apreço (até o meu saudoso Pai o empregava, mas também ministros, políticos, juristas, jornalistas, etc., tanto oralmente como por escrito) em detrimento de "mandado" e é daquele termo que me recordo e, repito, de nunca ter ouvido ou lido o outro, a motivação do seu uso desconheço, presumo porque fonèticamente soasse melhor e/ou talvez para não ser passível de ser confundido com o tempo verbal "mandado".

Segue-se a informação fornecida pelo belíssimo Dicionário da Porto Editora, 5ª. e 6ª Edições, ao qual recorro quando tenho dúvidas.
Maria

----------

mandato, s.m. autorização ou procuração que alguém confere a outrem para, em seu nome, praticar certos actos; missão; delegação; encargo; sentença; cerimónia do lava-pés; ....... de captura: ordem de prisão. (Lat. mandatu).

mandado, s.m. acto ou efeito de mandar; ordem; recado; determinação escrita emanada de autoridade judicial ou administrativa; adj. que recebeu ordem; bem .......: obediente; dócil; mal .......: desobediente; indócil. (Lat. mandatu).


De Bic Laranja a 19 de Novembro de 2014
Intrigante.
mandato, s.m. autorização [..] missão, delegação, encargo
....... de captura: ordem de prisão.
mandado, s.m. ...; ordem; ...

Entendamo-nos: a polícia tem mandato de captura para cumprir todo e qualquer mandado de prisão.
Confuso?
Vejamos: mandato é poder, mandado é uma ordem.
Confusa é aquela definição dos dicionários em que mandato é uma ordem.

Cumpts.
De Bic Laranja a 20 de Novembro de 2014
Também possuo uma 5.ª ed. como a sua. A ed. de 2004 já desfez a confusão; traz «mandado de captura» e não «mandato...» E assim é que está bem.
Cumpts.
De [s.n.] a 23 de Novembro de 2014
Ouvi há dois ou três dias um jornalista construir a frase do seguinte modo ou próximo disto: "... ele teve um mandado de detenção e mais tarde um mandato de captura". Assim ainda a aceito. Mas continuo a dizer o mesmo, antes do 25/4 jamais ouvira ou lera "mandado de captura" e sim "mandato de...", Aliás nem me recordo de ter ouvido ou lido "mandado de detenção". Quanto muito: "foi detido a mando da Justiça"; ou "há um mandato de captura ao prisioneiro que se evadiu... "; ou "existe um mandato de captura urgente ao crápula que assassinou o polícia", etc.
Teimosa? Nem pouco mais ou menos e nunca pelo que se vai aprendendo por aqui. Apenas baseada no que ouvi, li e aprendi:)
Maria
De Bic Laranja a 25 de Novembro de 2014
:)
Cumpts.

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