O archivo photographico da C.M.L. tirou ha dias (*) a marca d' agua das photographias que faculta na rede. É uma boa novidade e um melhor trabalho, porque se lhe somma a maior resolução de muitas photographias publicadas que, d'antes nem se percebiam.
Olho um lote d'ellas de Eduardo Portugal catalogadas como «Campo Grande» e acho piada ás descripções do archivista, n'este estylo.
Panorâmica geral da zona deixando transparecer o carácter profundamente rústico desta zona limítrofe da Cidade antes da fixação dos grandes pólos culturais (Cidade Universitária — anos 50 — e Biblioteca Nacional — anos 60).
Chamar ás quintas arrabaldinas de Lisboa (n'este caso, em Alvalade), retratadas n'uma velha photographia, «zona limítrofe da cidade» cujo «carácter profundamente rústico» «transparece» n'uma «panorâmica geral» (haverá panoramicas photographicas não geraes?) é menos do que um estylo; soa a locução de telejornal inspirando a redacção ao archivista.
É pertinente, porém, a opposição campo/cidade expressa.
Já uma certa idéa de progresso posta na marcha do tempo, insinuada na menção á ulterior edificação por ali da Bibliotheca Nacional e da Universidade (ou «fixação dos grandes pólos culturais») é vício pior: é a mentalidade inculcada ás massas, dos bancos da eschola official á chachada televisiva, que molda o entendimento geral e tolda no prosador contemporaneo qualquer descripção simples. Nem cuido que se o archivista dê conta do que o affecta; a linguagem é um mimetismo tão natural como respirar, e a lavagem ao cérebro dá-se por osmose televisiva. Afóra isto, a menção aos «pólos culturais» ou lá como lhe chama é marginal á panoramica que procurou documentar. Disfarça mal a inepcia em decifrar a imagem (o que de si não seria vergonha; a imagem é difficil), mas baralha o leitor. Assim, melhor fôra estar quieto.
A imagem mostra (mostra realmente, não deixa transparecer) as terras da banda oriental do Campo Grande (a Bibliotheca Nacional ou a Universidade de Lisboa são na banda occidental, não cabem aqui). A chave para percebê-la é o hospital de Julio de Mattos que se avista ao longe, no primeiro terço esquerdo da imagem, mais ou menos sôbre a primeira metade das casas em primeiro plano. O edificio principal do Julio de Mattos identifica-se bem atrás e além d'uma fiada de árvores e, deante de si, para cá, notam-se bem as primeiras terraplenagens da Av. de Roma. A photographia foi, pois, tirada n'um poncto elevado entre a Av. de Roma e o Campo Grande, bem a sul da Av. do Brasil. Calhando, d'onde veio a rasgar-se o trôço da Av. dos Estados Unidos da América entre a Av. de Roma e o Campo Grande. O photographo aponctou d'alli ao Norte.
O casal em primeiro plano é da Quinta da Quintinha. Encoberto por si (sobresahindo além do annexo mais à esquerda do portão) vislumbram-se os telhados da quinta dos Coroxéos, as unicas casas que sobreviveram á completa rasia que a construcção do B.º de Alvalade fez n'estas terras.
O que se avista de casaes, depois, em direcção ao Julio de Mattos, são a quinta dos Auditores ou da Sr.ª de Sant'Anna (eschola primaria de Sancto Antonio e ruas adjacentes) e quinta do Bosque (Pr. de Alvalade e Av. de Roma aprox.). Das azinhagas dos Coroxéos e das Calvanas que eram os caminhos ruraes entre dictas quintas, nada se percebe.
Adivinha-se a Av. Alferes Malheiro (hoje do Brasil) e, seguindo-a com os olhos através da imagem, nota-se bem o casario no logar do Pote d'Agua, a onde levava a estrada do mesmo nome ou das Amoreiras que partia do largo de Arroios; um caminho mal conhecido que serpenteava pelas terras das futuras avenidas de Roma e do Rio de Janeiro para alli chegar. Além da colina que alli recortava o horizonte era a Portella, onde se edificou o aeroporto.
Mais haverá de dizer...
Vista das terras onde se veio a edificar o B.º de Alvalade, Lisboa, 1945 [1930?].
Eduardo Portugal, in Archivo Photographico da C.M.L.
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(*) Publicado originalmente em 5/IV/14 ás três e um da tarde e publicado de novo com photographia legendada em 15/VI/2016.
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