O adjectivo 'vistoso' é comum ser usado por elegante ou garrido, mas significa primeiramente dar nas vistas, isto é, que se vê ou avista distintamente. A fotografia acima (1) foi tirada aquando da construção do Instituto Superior Técnico. Cuido que o benévolo leitor não achará difícil ver um casarão que se recorta contra o horizonte encimando uma colina. Fica na direcção do Areeiro. É o Casal (lá está!) Vistoso.
A designação Quinta das Ameias, por que também era conhecido, ela advém-lhe do que se notava vendo mais ao pé, quando se percebia a casa cujos muros eram recortados em ameias.
Há algo mais a dizer sobre...
Casal Vistoso tomado da Av. Gago Coutinho, Areeiro, 1974.
O Casal Vistoso é do séc. XVII. Os Abreu e Castro, a quem talvez tenha pertencido nesse século (ou no seguinte), não soube eu agora descobrir quem foram. Não sei se a quinta coincidiria então com os limites que conhecemos da Planta Topográfica de Lisboa de 1908 (2) mas julgo que sim. Tinha esta quinta rudemente a forma duma meia lua em fase de minguante. De Sul para Norte, ia desde os terrenos próximos da Rua do Garrido até ao planalto onde hoje ficam as ruínas do Casal e, para lá dele, até umas terras sobranceiras à linha de cintura, no troço entre o Areeiro e Chelas. Confinava a Leste com o Casal dos Arciprestes (3), a NO com a quinta dos Peixinhos (4) e a SO e S com a quinta do Bacalhau. Entre esta e ela, corria a Azinhaga do Areeiro.
Planta Topográfica de Lisboa: 12 M [correspondência actual: Areeiro, Casal Vistoso, Av. Afonso Costa, Olaias], Lisboa, 1908.
O casal propriamente dito situava-se no ponto mais alto da quinta. Tinha (e ainda tem) portão de entrada pelo Norte, que antigamente ficava no fim dum caminho em cotovelo que subia desde o velho lugar do Arieiro (Estrada de Sacavém). Formavam o Casal duas filas de casas alinhadas de Poente para Nascente com um pátio entre elas. Um jardim de buxo nas traseiras das casas no lado Sul deixa presumir que estas eram as principais. Tinha o jardim um muro de cercadura com ameias e sacadas de arco quebrado.
Todas as casas eram térreas excepto a do topo oriental da fileira Sul, que tinha um sobrado com telhado de quatro águas. As da fileira Norte, mais pequenas, destinar-se-iam porventura ao serviço da quinta ou a habitação de criados.
Há testemunho (5) que teve o Casal Vistoso interiores decorados com azulejos de Delft e que serviu o lugar de retiro do príncipe D. Luiz Filipe. Este facto leva-me a admitir que o Casal passou ao património da Coroa depois de ter pertencido à condessa d' Edla, à semelhança do palácio da Pena que el-rei D. Carlos [Luiz] tomou para a Coroa mediante indemnização. [A proposta veio de D. Luiz, mas efectivamente foi já no reinado de D. Carlos, no fim 1889, que se concretizou a compra]. Neste caso do Casal Vistoso é uma mera conjectura, porém.
Casal Vistoso tomado da Rua Sarmento Beires, Areeiro, 1974.
Sem mais trabalho de arquivo (6) é difícil adiantar aqui mais. É uma pesquisa que caberia à D.G.E.M.N. que, por motivo dalgum interesse tardio lançou a quinta no seu inventário em 2002 (7); então as casas eram já um pardieiro inqualificável. O caso deve obedecer a uma dessas formalidades de registo (descargo de consciência?); o mais difícil não se fez...
Os projectos de urbanização do Casal Vistoso no Arquivo da Câmara levam a crer que esta propriedade pertença ou haja pertencido à C.M.L., mas não posso garantir (8). O Inventário Municipal de Património (9) regista-a, mas tal também não significa nada em termos da conservação do património. A história desta quinta, tudo parece, há-de contar-se pelo número de mamarrachos que nela se conseguirem construir.
Portão do Casal Vistoso, Areeiro, 1974.
(1) Recorte destacado dum original do Estúdio de Mário de Novaes (1933-1983), in Biblioteca de Arte da F.C.G..
(2) J.A.V. da Silva Pinto, A. de Sá Correia, Levantamento da Planta de Lisboa: 1904-1911: planta 12 M (des. por Abel Santos), Lisboa, 1908.
(3) Há referências a este casal como sendo dos Aciprestes ou Ciprestes.
(4) Uma visão do estado actual desta quinta dos Peixinhos em Que cidade é esta, Lisboa S.O.S., 19/12/2009.
(5) Dr. Quintanilha Mantas. Cf. Dom Gastom, in Quinta das Ameias ou Casal Vistoso, Ruinarte, 20/12/2009.
(6) O Arquivo Municipal refere o Casal Vistoso sobretudo a propósito dos planos de urbanização dos anos 60 para cá. Outras referências marginais prendem-se com o alargamento da Estrada de Sacavém c. 1890.
(7) Cf. D.G.E.M.N., Nº IPA PT031106030236.
(8) Arquivo da C.M.L., Projectos de construção de arruamentos do Casal Vistoso.
(9) C.M.L., Plano Director Municipal, anexo I (Inventário Municipal de Património), 03.02.
Fotografias do Casal Vistoso em 1974: Armando Serôdio, in Arquivo Fotográfico da C.M.L..
(Publicado de novo à meia-noite e um de 26 de Abril de 2016 e tornado à primeira forma no primeiro dia de Verão de 22.)
Adamastor (O)
Apartado 53
Bic Cristal
Blog[o] de Cheiros
Carmo e a Trindade (O)
Chove
Cidade Surpreendente (A)
Corta-Fitas(pub)
Delito de Opinião
Dragoscópio
Eléctricos
Espectador Portuguez (O)
Estado Sentido
Eternas Saudades do Futuro
Fadocravo
Firefox contra o Acordo Ortográfico
Fugas do meu tinteiro
H Gasolim Ultramarino
Ilustração Portuguesa
Lisboa
Lisboa Actual
Lisboa de Antigamente (pub)
Lisboa Desaparecida
Menina Marota
Meu Bazar de Ideias
Paixão por Lisboa
Pena e Espada(pub)
Perspectivas(pub)
Planeta dos Macacos (O)
Pombalinho
Porta da Loja
Porto e não só (Do)
Portugal em Postais Antigos(pub)
Retalhos de Bem-Fica
Restos de Colecção
Rio das Maçãs(pub)
Ruas de Lisboa com Alguma História
Ruinarte(pub)
Santa Nostalgia
Terra das Vacas (Na)
Tradicionalista (O)
Ultramar
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.