Quinta-feira, 20 de Junho de 2024

De quando os verdes deram em laranjas

Autocarro 25A para a Portela (Urb. da), Terreiro do Paço (Museu da Carris,  post 1976
Autocarro 25A para a Portela (Urb. da), Terreiro do Paço, post 1976
Autocarros clássicos [sic], in Carris.


 Em 75 vieram Volvos para a Carris. Dera-se a viradeira em 74 e amigos da situação, agora, em 75, eram os Suecos. Suecos que pouco antes nos combatiam humanitàriamente em África… Mas disperso-me: os Suecos são tão virtuosos que ajudam sempre à paz e à concórdia, mesmo só entre alguns…

 Dera-se a viradeira, pois, e nada podia ficar como antes; era preciso mudar tudo. Nem que fosse só na aparência. Só a lembrança do passado!… Ainda agora…

 Vieram autocarros novos para a Carris e mudou-se a cor do verde oficial para o laranja nacional. Não só na Carris, portanto, mas em tudo o que rolasse ou vogasse como transporte colectivo nacional-izado: os comboios, as camionetas da carreira, até os cacilheiros… Para os autocarros, a Volvo deve feito preço humanitário ou deixado escorrer comissãozinha em boa paz; o Rui Mateus há-de sabê-lo, de tanto que andou ele tratando lá com os Suecos para firmar cá a democracia; ou o socialismo democrático… Mas disperso-me outra vez: isto são memórias dum P.S. desconhecido que não vêm muito agora ao caso dos autocarros laranjas.

 Vieram os Volvos e logo foram eles laranjas (cor de). Os verdes da frota não se iam em todo o caso e apesar de tudo jogar fora logo assim. Não! Talvez fosse vontade, mas naquele tempo eram os eléctricos que estavam mais na calha para liquidar. Bem que era imperativo mudar tudo, sim, mas calma! A seu tempo. Entretanto haviam de verter-se os verdes da frota em laranjas, a cor eleita dos amanhãs que já cantavam.

 

«Fumarada de autocarros; Lisboa em hora de ponta», Campo Grande, [1984]. Cristóvão Leach, in Busworld Photography, 28/IX/08.
Fumarada de autocarros; Lisboa em hora de ponta, Campo Grande, 1984.
Cristóvão Leach, in Busworld Photography, 28/IX/08.

 

 Não deixaram de me fascinar os novos Volvos laranjas quando os vi. Mas gostava mais dos velhos autocarros ingleses da Carris, de dois pisos e também dos pequenos, todos eles tão característicos com aquela cabina onde ia o motorista. E também gostava dos mais modernos dos verdes, pois então: os direitinhos, de que também havia pequenos; fascinavam-me desde que os vi com seu ar já moderno por 70 ou 71, a contrastar com os velhos que ainda tinham radiadores e faróis a fazer lembrar calhambeques. Ao depois então, os Volvos laranjas em 75 também me fascinaram. Mas tão só logo ali, quando foram novidade. Desencantaram-se-me depressa, não sei porquê… Sei: triviais, sensaborões, sem encanto, bem certo: levavam 90 passageiros de pé!…

 Quando começaram a chegar os laranjas, a Carris, entre ir deitando alguns dos velhinhos para a sucata, foi pintando de laranja os talvez menos cansados. Estes foram naturalmente os direitinhos: os Daimlers fleetline e freeline e os A.E.C. Regent V — os de porta à frente…

 

«Três gerações», Rossio (Biblioteca de Wood, 1980)
Três gerações [de autocarros], Rossio, 1980.
Biblioteca de Wood, n.º 1449, in Flickr.

 

  Por 1980 sobrava um punhado de Regents V ainda verdes, os tais de porta à frente, um ou outro direitinho dos mais modernos de dois pisos — uns que houve com duas portas — e alguns dos pequenos de três portas que normalmente faziam o 15, o autocarro das Portas de Benfica. Mas estes seriam uma questão de tempo, como foi, até acabarem laranjas.

 Dos de porta atrás a ficarem laranjas é que, nada.

 

Dois quinzes para as Portas de Benfica, Cais do Sodré (Biblioteca de Wood, 1980)
Dois quinzes para as Portas de Benfica, Cais do Sodré, 1980.
Biblioteca de Wood, n.º 1440, in Flickr.

 

 Por esse tempo, lembra-me de ter pensado: — Hão-de pintá-los talvez no fim dos outros!… — Mas mais que coisa certa, era desejo, muito pouco provável quando reflectia nele. Eu gostava daqueles autocarros Regent III de porta atrás: podíamos saltar deles em andamento… — Espigadote já então por essa época, saltar dos autocarros em andamento era coisa que me calhava bem nas voltas que dava. — Mas no tal caso da pintura laranja, em melhor juízo, não deveria ele de vir a ser; no mais, somava-se que se não ajeitavam os de porta atrás a serem automatizados. Era uma época em que um carreira Automatizada. Cobrança pelo motorista era bem a face do futuro que os Volvos laranjas trouxeram: além de 90 sardinhas em pé, o motorista cobraria também o bilhete. Ainda assim pintaram muitos dos pequenos que andavam nas carreiras do B.º da Serafina e do Castelo e que mais por fietio que por defeito não podiam deixar de manter um pica. E duraram, estes…

 Porém, dos de dois pisos nem um pintaram de laranja…

 

Dois A.E.C. Regent III nas carreiras 13 e 20, B.º da Serafina (M. Rhodes, 1983)
Dois A.E.C. Regent III nas carreiras 13 e 20, B.º da Serafina, 1982.
Miguel Rhodes, in Flickr.

 

 Bem!… Talvez um afinal. Este que, recorda-me agora dumas vezes que passei na Av. da Índia no 43 e o entrevi na cor do futuro a cantar amanhãs por cima dos muros da estação de St.º Amaro.

 

AEC Regent III V-2 — ex-n.º 283 da frota da Carris, St.º Amaro (M. Rhodes, 6/VI/83)
A.E.C. Regent III V-2 — ex-n.º 283 da frota da Carris, St.º Amaro, 1983.
Miguel Rhodes, in Flickr.

 

 No fim o futuro deveio amarelo, se bem que no geral o digam [o queiram, agora] a pender para o verde.

Escrito com Bic Laranja às 20:31
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4 comentários:
De Figueiredo a 21 de Junho de 2024
É pena não ter nenhuma imagem que mostre o interior dos autocarros produzidos até à Década de 80, pois seria interessante para se fazer uma comparação com as sucatas de plástico que hoje circulam nas Cidades de Porto e Lisboa.

Viaturas mal concebidas, muito feias, sem espaço para acomodar os passageiros, com as frentes dos assentos viradas umas para as outras quando deveriam estar viradas para o sentido da marcha.
De Figueiredo a 21 de Junho de 2024
Na mouche!
De Bic Laranja a 21 de Junho de 2024
Ainda me lembro dos bancos estofados de couro verde aos gomos, as molduras das janelas em madeira envernizada, as cortinas de couro ou lona verde, o chão de ripas para se não escorregar, os frisos cromados. O ínico plástico era a fórmica dos painéis de tecto. No meu tempo já não havia chapeleira.
Não tinham ar condicionado, mas tinham quebra-luz ao longo das janelas e no óculo traseiro. Agora falem-me em ecologia, ou salvar o planeta ou lá o que é isso…
As reformas em fins de 60 nestes autocarros de um piso — os primeiros que vieram ainda pelos anos de 1940 — puseram-lhe portas automáticas e alargaram-lhe as plataformas traseiras em metro, metro e meio, retirando-lhe todos os assentos atrás do eixo traseiro para poder ensardinhar melhor os passageiros. Entre eixos, acabaram por ter só bancos de 1 lugar e não dois, para ensardinhar o mais que se podia o pobre passageiro, que assim viajaria «confortàvelmente» de pé nas amplas coxias.
Tem sido um aprimorar de qualidade que só visto. Parece-me que desde que o uso de chapéu caiu em desuso, ele é só barretes, mas ninguém repara. Já crescemos assim e a propaganda pinta a falta de qualidade ao contrário.

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