Pela assembleia ex-nacional vai um belo curropio. (Não me enganei nem lhe ponho aspas porque está muito bem assim, pois a coisa vem dum curro onde há muito pio). Um curropio que bem parece o Bigue Bróder (corruptela televisiva de bordel) ou a Casa dos Segredos (dão ambas no mesmo), uma peixeirada dessas tidas agora por coisa fina, onde um escol, os melhores artistas, dão primeiro em directo na televisão e são famosos ao depois por isso, e por virem escarrapachados nas capas das revistas. Um êxito cultural!…
O caso é que lhe não vejo diferença: à peixeirada televisiva pròpriamente dita nem ao curropio de deputedos e deputedas, igualmente televisivo. Tudo coisas chãs (para não dizer rasteiras) para melhor chegar ao povo. A sacrossanta democracia, enfim!…
Pelo meio disto que digo, diz que o Chega insultou uma cega no tal curro do pio. Ora, Chega / cega: a diferença está no agá, letra que se não lê… Uma cegada pegada, por conseguinte.
(Correio da Manhã, 15/II/25.)
Porém, quem de feito chama cega à cega é o Correio da manha. Da manha em geral (o tal Correio), mas que neste caso vem autêntico e sem manha; porque cego é cego e a manha, no caso, é doutros: do Polígrafo do Sapo, p. ex., que chama à cega invisual, eufemismo manhoso e desde logo zarolho para designar cegos; e vesgo para a cegueira de qualquer cego por querer mascarar ou negar uma crua, mas verdadeira, realidade. Um floreado de linguagem que acaba ao cabo e ao resto por ferrar os próprios ceguetas que a usam, e impõem, duma cegueira maior que a dos cegos, além da sua rematada estupidez.
Escusado é, pois, dizer que cego é quem não vê; invisual é mero adjectivo para aquilo que é não visual, qualificativo óbvio do que se pode ver ou avistar e cujo prefixo de negação indica naturalmente o contrário: o que se não pode ver ou avistar. Ou pelo menos assim seria até à invenção cavalgante de eufemismos paternalistas pseudo-caridosos e, sobretudo, patetas, que agora são aos montes…
Ora, enfim, que um cego não vê, há muito todos sabiam. Mas sobejam agora os que não querem ver. E lá dizia o bom povo quando ditava a linguagem: pior cego é…
Dito isto, e indo ao Polígrafo do Sapo… Mas antes ainda um parêntesis.
(Polígrafo [*] é palavra composta do grego polygráphos (escrever muito). Um autor como o jornalista Alberto Pimentel, com vasta e variada obra publicada (e esquecida) é amiúde, ainda hoje, referido como um polígrafo (escritor de muita produção escrita). De Pinheiro Chagas, o mesmo (cf. a wikipædia de ambos). E outros. Ora a América, que é dada às mais sofisticadas invencionices — entre elas a verdade, como se tem visto — inventou, por jeitos, uma máquina de apanhar mentirosos a que chamou polígrafo, que paradoxal e etimològicamente é uma designação… mentirosa. E a ignorância, que por cá sempre brota engalanada com as peneiras do mais modernaço, que só pode vir lá de fora, do estrangeiro — nomeadamente da América, mas ùltimamente também do Bangladesh [de Bengala Oriental ou Bangladexe], do Nepal ou mesmo só de Marrocos —, a ignorância, dizia eu, ganhou por cá foros de excelência nos modernos polígrafos (leia-se jornalistas, esses grandes escrevinhadores a metro, verdade se diga) transliteradores exímios do amaricano, ou que até nem transliteram nada e o tomam tal qual, que dá ainda mais sainete. Com isto, polígrafo, que dantes era um composto puramente grego com semântica a condizer, tornou-se num ingrazéu para elaboradamente dizer do engenho de catar mentirosos e da arte de descobrir mentiras e, por exclusão de partes, decretar a verdade. A verdade que infalìvelmente acaba a chamar invisível a um cego…)
Fechado o parêntesis, o Polígrafo do Sapo, como bom engenho de catar mentiras, desvenda com a arte de também muito escrever (nalguma coisa haveria de fazer jus ao nome) a verdade que se impõe, de que os do Chega mentiram sobre a cega dita invisual por si (pelos do Polígrafo do Sapo). Parece que piaram os do Chega cheios de cegueira ou cegos de chegueira que a senhora deputada cega só falava de deficiência e, pela resenha de factos do Polígrafo do Sapo, a senhora cega nem nunca piou de tal assunto: diz que falou, sim, nove vezes nesta legislatura de, a saber:
Deste respigado do Polígrafo do Sapo (o normando é do original; os pontos da abreviação nas siglas são meus) 6 ou 7 dos 9 casos são, pelo teor e estilo de linguagem, se não de vistas curtas, pelo menos de mono… tonia. E 8 dos 9 são duma clara visão de esquerda. Deficiência, não, não se vê…
[*] José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (4.ª ed., Livros Horizonte, 1987), dá o vocábulo polígrafo (que escreve muito ou sobre muitos assuntos) na língua portuguesa em 1873, no Grande Dicionário Português ou Tesouro da Língua Portuguesa, por Dr. Frei Domingos Vieira, Porto, 1871-1874. Poligrafia (acto de escrever muito ou sobre muitos assuntos), porém, aparece antes, no Dicionário Morais, 2.ª ed., Lisboa, 1813. Já no inglês a semântica é outra: máquina para produzir múltiplas cópias de textos ou desenhos (1794); instrumento para gravar em simultâneo múltiplas pulsações do corpo (1871), usado como máquina de detectar mentiras só em 1921. Cf. polygraph em https://www.etymonline.com/word/polygraph.
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