Como não apprecio o Inverno e me desgostam os dias curtos venho por aqui muito em 20 de Janeiro com o rifão popular. Por elle lembrou-me ha annos o confrade Manuel d'outro -- «por S. Sebastião, laranjinha na mão» -- a proposito da data do calendario.
Se em 20 de Janeiro me inspira a dias maiores, laranjinha na mão em dia de S. Sebastião aviva-me o Algarve (elle até ha agora um annúncio), provincia cá muito dos meus dias estivaes, os mais longos de todo o anno, terra de moiras encantadas, jardim das hesperides...
Rezam as etymologias que as laranjas vieram da Asia á Europa no tempo das Cruzadas. A Historia affirma-o sem azedar, mas ao depois conta d'uma variedade mais doce de laranjas trazida ao velho continente pelos portuguezes, na torna-viagem da India.
Tenho para mim que ha trama dos deuses n'estas voltas de portuguezes com laranjinha na mão.
-- Não são as laranjas, afinal, as «maçãs» d'oiro que Gea (Terra) offereceu a Hera quando esta desposou Zeus?
-- E não era Hesperia (do gr. έσπερος = entardecer) nos mythos antigos um jardim de laranjaes a occidente, velado por nymphas, as hesperides?
Pois o Algarve, o Occidente da moirama, era já o Occidente dos poetas da Antiguidade; o limite terrestre à beira do grande rio Oceano que contornava a Terra, onde o Sol se punha e ainda n’estas tardes tem o seu occaso. E... onde as árvores por encanto davam (e dão) «maçãs» d'oiro.
Chamavam os gregos Magna Hesperia á Italia só porque se lhes quedava immediatamente a occidente. A Ultima Hesperia, porém, o verdadeiro jardim das hesperides -- que Estrabão situou na região de Tartessos --, vem com isto a ser o nosso Algarve. As moiras encantadas só podem descender das nymphas. E os laranjaes de «maçãs» doiradas ainda lá estão, para ninguem no desmentir.
Quanto ao equívoco geographico dos gregos, tractaram os deuses de emmendá-lo: laranja em grego diz-se πορτοκάλι. Certamente para que apprendam.
(Imagem de APSmedia para a Compal.)
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Originalmente publicado no dia de S. Sebastião de 2014.
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