Quando os senhores do mundo passaram a ditar às trombetas da imprensa, rádio e TV que na moderna invasão da Cristandade só havia migrantes fiquei bem a ver o sofisma. O prefixo nos emigrantes ainda servirá para o portuguesinho, seja para denegrir a longa noite pela opressão e pelas malas de cartão, seja para dizer os emigrados atávicos dos amanhãs que cantam que, anafados já de liberdade ou carregados com canudos, mais não fazem a final do que o nosso Manel e a nossa Alzira que andavam lá fora a lutar pra vida, como o punha a castiça da Hermínia.
Macieiras à parte — que isto nem já é de saudades de velhos tempos, é antes de charanga de novos trampolineiros metidos a semideuses —, a omissão dos prefixos na transumância dirigida à Cristandade (e só a ela) obedece a um bem orquestrado catecismo. Imigrantes e emigrantes são de quando era natural ver o mundo daqui para lá, lá fora, e dizê-lo com a mesma naturalidade. Mesmo que fosse isso de falar e ver e pensar o mundo e tudo o mais, proibido pela odiosa censura. Como ao depois já não há censura, pelo menos da odiosa, não nos querem cá agora com distinções mundanas como daqui ou lá de fora. Há-de ser tudo inclusivo e global. E ai Deus se não for, que nos cai um ferrete de pecaminosa xenofobia nos lombos!… Valha-nos Deus, pois, porque será só ao aborígene da velha Europa…
Vai daí que nos cancelem imperativamente o prefixo às hordas que há anos são trazidas a invadir as nações da Cristandade com metódico empenho dos senhores do mundo inteiro e laborioso afã dos trombeteiros da linguagem: imigrantes e emigrantes são conceitos imorais de quando era permitido haver nações, povos. Já não é, mas, que os comuns não dêem por isso é o melhor para si. Assim, soframos a grosseira subtileza de nos seringarem com migrantes numa espécie de lavagem ao cérebro de matadouro, cultural. E adormeçamos serenamente da gente que somos. Ou fomos.
Enquanto não durmo aguardo com expectativa que os auto-eleitos deuses dêsse olimpo de pechisbeque que parece reger o mundo nos invadam a seguir de extra-terrestres. A ver se lhe também vão tirar o prefixo enquanto nos convencem que a invasão procede de Marte.
Sandokans e mobília dum indígena no carrinho das mudanças, ex-Lisboa — © 2023
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