Fez a jornalistagem um congresso em causa própria mascarado de altruísmo pelo bem comum. É a conta que fazem de si. Pretendem-se jornalistas e não passam de ardinas: distribuidores de notícias. Preocupam-se com «noticias falsas» (do ing. fake news) mas não se ralam de propalar boatos (do port.), se certificados por si; querem alvará exclusivo do noticiário que, só de emanar de si haverá sêlo de verdade. Só um jornalista define, portanto, o que é notícia . O jornalista é um pré-sciente da verdade e um sciente da novidade. Vem-lhe inato da carteira profissional. Calá-lo é censura. Desdizê-lo é heresia.
Os antigos ardinas, agora que penso, também eram assim: distribuíam notícias com a pré-sciente verdade das redacções e a sciência da novidade no colorido do pregão e no arremêsso matutino dos jornais às varandas da gente. Esta jornalistagem assemelha-se-lhe: atira pelo éter vocalizos que ecoam das pré-scientes centrais e arremessa-nos com eles à telefonia da mesa de cabeceira logo de manhã; fica-lhe mal é armar ao fino só porque o apregoa a falar na rádio, que, segundo consta, é chic a valer!
As notícias...?
Esta manhã a emissora nacional jorrou em contínuo: das oito às oito meia, dois noticiários e reportagem de permeio sôbre a trampa da América. Trampa noticiosa, por conseguinte, e de alvará, bem entendido, mas eco (nada mais) da central internacional, até na insinuação da trampa que o novo bama é — ou o fraco bama que a nova trampa não chega a ser. — Só parou de jorrar quando houve de meter noticiário do desporto da bola. O noticiário nacional é, nestes dias, a perigosa trampa da América. E quando assim não é, é o ex-bama da América, esse santo. Em suma, o principal noticiário da emissora nacional é o (o Marcelinho da Gente que se cuide) presidente da América. Com adjectivos, que senão é «notícia falsa». Um monólito de maledicência com chancela de jornalismo. Se a central internacional não fornecer notícias, então notícia, cá, é o frio que costuma fazer no Inverno.
Valha-nos que vamos em 20 de Janeiro e, como diz o povo, em 20 de Janeiro vai uma hora por inteiro e quem bem souber contar, hora e meia lhe há-de achar. Prenúncio de dias maiores, mais soalheiros, o que anima. Mas claro que este prenúncio só não será boato (ou «notícia falsa» como eles elaboram por défice lexical) se forem jornalistas a contá-lo.
Ardinas vendedores de jornaes, Lisboa, c. 1900.
Paulo Guedes, in archivo photographico da C.M.L.
(Revisto às 20 para as 11 da noute. E mais um pedacinho em 21 às 11.)
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