23 comentários:
De Bic Laranja a 31 de Outubro de 2014
Afectar, afectou. Adjectivá-lo negativamente é discutível e resulta em muito da ideologia dos nossos dias, mas já lá vamos...

O pendor alatinado da escrita foi, por séculos, o mais natural para o comum dos nossos escribas (agora diz-se para aí «escreventes»...), dada a sua formação clássica humanística. Daqui que na essência eu não aceite as consoantes etimológicas como metidas «a martelo». Casuìsticamente ele há-de haver, pois, casos... Mas o caso é que se escrevia muito naturalmente assim e nada mais. O revisionismo é doutra ordem.

Em concreto, a pronuncia de «corrupto» parece só ter mudado depois de 1945 e tal devêmo-lo sem dúvida à ortografia de então; apesar do «p» etimológico (cujo uso recua pelo menos ao séc. XIV -- e atente que não há mudança ortográfica «em curso», tão-pouco «negativa», no tempo de Camões; há antes um devir classicizante que perdura na Idade Média) a pronúncia portuguesa sem o «p» permaneceu até ao séc. XX e hoje ninguém o sabe; a brasileira dá impressão de haver-se firmado a partir da escrita. Por fim imperou a «corrupção» em Portugal pelo mesmo método. E aqui tem o fulcro do problema: há um retorno da escrita sobre a oralidade especialmente com vocábulos adquiridos pela leitura, tanto mais notório quanto a aprendizagem assenta vastamente na palavra escrita -- palavras que nunca foram ouvidas por quem aprende. As consoantes com valor diacrítico são nisto essenciais à boa leitura dos portugueses e a desde 45 que a economia de acentos deixa dúvidas em muitas palavras (p.ex., diz-se letra de fórma ou letra de fôrma?). Negativo não é dizermos hoje mais alatinadamente o «p» de «corrupto», o «m» de «omnisciente», o «g» de «amígdala» ou o «b» de «subtil», palavras de cunho erudito. O grande mal é andarmos a revolver uma norma ortográfica racional e finalmente estável, com grave risco de adulteração da pronúncia de inúmeras palavras no futuro, por uma ideia tão estúpida como a de uniformizar gràficamente com base na pronúncia um idioma pluricontinental e com vocalizos tão díspares como as de Portugal e do Brasil.

A Idade Comtemporânea renegou o classicismo e revolveu tudo, a ponto de encarar agora a revolução como fim em si mesmo, eu me parece. E a revolução quere ensinar por meio de suportes escritos ao mesmo tempo que não pára quieta com a fixação ortográfica...? Uma esquizofrenia.

Cumpts.
De João Branco a 31 de Outubro de 2014
É claro que a presunção etimológica foi negativa na medida em que as consoantes mudas alteraram a pronúncia e, por essa via, descaracterizaram o Português. Foi ainda negativa porque, no final, eram usados "h" ou "y" que nem sequer eram etimológicos, era apenas fantasia ortográfica de gente bacoca num Portugal bacoco.

Quanto à norma "finalmente estabilizada", parece-me que se trata de um sofisma. O crime ortográfico de 1911 tem vindo a ser sucessivamente corrigido (1931, 1945, 1973, 1990). Ora, isto mostra que a ortografia que vigorou em Portugal até há pouco menos de meia dúzia de anos era tudo menos uma ortografia estabilizada.

Por fim, as consoantes mudas que sobreviveram supressão generalizada de 1911 (e que foram, finalmente, eliminadas em 1990) não tinham valor diacrítico, ao contrário do que os redatores da trapalhada de 1911 pretenderam.
Se tivessem efetivamente valor diacrítico, palavras como "allemanha" ou "alliado" ou "attender" ou "collecção" (e centenas de outras que perderam consoantes mudas) seriam lidas com átonas abertas (porque as mudas, supostamente, abriam átonas). Acontece que os castelhanizadores da ortografia de 1911 decidiram que ficavam as consoantes mudas que procediam átonas abertas e eliminavam-se as outras todas. Portanto, não se pode dizer que existia uma regra quando, afinal, essa regra foi criada artificialmente pelos trapalhões de 1911.

Claro, quando se inventa uma trapalhada, há sempre pontas soltas. Seria interessante que os trapalhões que redigiram a reforma ortográfica unilateral portuguesa de 1911 explicassem porque motivo "actual" ou "exactidão" continuaram a ter uma consoante muda, e como era possível que palavras como "aquecer" ou "inflação" fossem pronunciadas com átona aberta já que não havia uma muda para as abrir.
De Bic Laranja a 31 de Outubro de 2014
Muito bem, muito bem, temos acordita:

A etimologia é presunção. Mmande lá os brasileiros calar o «p» de «corrupto» s.f.f.!

Quase setenta anos sem solavancos ortográficos é sofisma. Apregoar unificação com dupla grafia é o quê, honesto?

Crase histórica de vogais (inflação é um caso à parte, mas não lho vou explicar) e famílias de palavras são fenómenos obscuros. Fica V. desde já brilhantemente habilitado grafar «caráter» no sing. e «caracteres» plural.

A reforma de 1911 foi uma trapalhice que, por unilateral, o envergonha. Pergunte todavia aos brasileiros da sua (deles) reforma de 1907 antes de enfiar a cabeça num saco.
De Comentário de João Branco, corrigido a 31 de Outubro de 2014
A pronúncia é uma herança oral, e é por isso que existem em Portugal tantas pronúncias diferentes apesar de termos tido sempre a mesma ortografia. Não há «consoantes diacríticas». Nunca houve. Houve trapalhões castelhanizadores da ortografia portuguesa no Portugal de 1911 que, em cumprimento do iberismo reinante, repararam que mantendo aquelas consoantes e eliminado as outras deixavam as ortografias mais próximas. E deixavam, de facto. Não houve reforma ortográfica no Brasil em 1907. Essa é uma mentira recorrente na tentativa de fingir que a adopção da etimologia simplificada e a separação ortográfica não ocorrem por iniciativa portuguesa em 1911. O que aconteceu em 1907 no Brasil foi a Academia de Letras ter passado a usar ortografia simplificada nas suas publicações. Ràpidamente desistiram da ideia porque ninguém no Brasil queria a separação ortográfica com Portugal. Infelizmente, em Portugal fez[-se] precisamente o oposto e foi decretada unilateralmente em 1911 a separação ortográfica com o Brasil. A proposta de simplificação da A.B.L. nunca foi adoptada pela imprensa nem pelo Governo do Brasil, como se pode constatar pela consulta de jornais ou legislação brasileira até, pelo menos, 1931. O Brasil só adoptou a ortografia simplificada em 1931, naquilo que foi o primeiro acordo ortográfico luso-brasileiro, que, aliás, foi aproveitado em Portugal para rever algumas das inanidades ortográficas decretadas unilateralmente em 1911. Depois de 1931, o uso da ortografia portuguesa clássica perdurou no Brasil ainda por alguns anos. Como exemplo, vejam-se os títulos deste filme brasileiro de 1936 -- patrocinado pelo governo brasileiro -- todos em ortografia portuguesa clássica:
http://www.youtube.com/watch?v=hKI4miH0lkINele
Podemos encontrar palavras como "intellectual" "producção" "photographia" "direcção" "orchestra" "symphonica" "orpheão" "districto" "choreographia". Por essa altura, há [i.é havia] um quarto de século que em Portugal todas aquelas palavras já eram grafadas de modo simplificado.

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