
O confrade José Leite retomou hoje o Quebra Bilhas que foi despejado há 11 anos pelo senhorio e se acha devoluto desde então, à espera não sei de que destino. Na altura, em 2006, falei no caso aqui e torno-lhe agora, graças à achega do sr. José Leite nos seus Restos de Colecção, que recomendo ao benévolo leitor que se interesse por estas novidades antigas.
No que escrevi em 2006, citei Tinop (Pinto de Carvalho) na Historia do Fado a partir dos textos do Jornal da Praceta. Lidas no dito Jornal, algumas citações parecem pôr a Severa, o conde de Vimioso e a fidalguia da época rigorosamente no Quebra Bilhas, em noitadas de estúrdia e esperas de toiros. Pode bem ter acontecido, não digo que não: o retiro do Quebra Bilhas existia no tempo da Severa e gado havia por ali. Porém, lendo ao depois as páginas da Historia do Fado donde foram transcritas as citações pelo Jornal da Praceta não há tanta certeza.
Tinop começa por referir as pândegas dos alvores do séc. XIX onde a «guitarra [i.é, o fado] não tinha logar» ainda; segue-lhe as frescatas no tempo do Senhor D. Miguel em se já guitarreavam umas modinhas — até no-las situa na famosa Perna de Pau [p. 27], entre outros; e sucede-lhe realmente o fado por 1846, arrolando-nos o autor a esmo todos os retiros dos arrabaldes alfacinhas [p. 28], entre eles não faltando, claro, o Quebra Bilhas. Mas onde no passo seguinte nos conta que «ahi por 1847 ou 1848 — a Severa lá cantarolava o seu reportorio decotado com impudor feliz» [p. 29], aquele «lá» não é nota de fado necessàriamente destinado ao Quebra Bilhas como se depreende na leitura do Jornal da Praceta. É antes advérbio modalizador dum discurso vago — a Severa lá cantarolava, i.é, por aí; tanto o faria no Quebra Bilhas como noutro retiro qualquer, bem entenderá o benévolo leitor.
Isto tudo para dizer o quê?
Pois que o Jornal da Praceta puxou a brasa da Severa, do Vimioso, do Castelo Melhor, dos Avilezes &c. à sardinha do Quebra Bilhas. E que fui assim eu levado numa certeza incerta. E o benévolo leitor por mim...
Mas tornando ao retiro do Quebra Bilhas, diz que remonta a 1793. Ora aqui vai a história mais certa dos retiros alfacinhas em geral desde 1792:



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Pinto de Carvalho (Tinop), A Historia do Fado, Lisboa, Empreza da Historia de Portugal, 1903.
Campo Grande – lado oriental, Lisboa, 1941. Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L. (O retiro do Quebra Bilhas é aquela casa que se alinha com o transeunte a meio da imagem.)
De dh a 5 de Novembro de 2017
caro bic
deixo-lhe aqui mais uns links do google (que imagino ja possa conhecer)
https://books.google.pt/books?id=SVEoAQAAMAAJ&pg=PA9-IA98&dq=quebra+bilhas&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwi3jaSwl6jXAhUMXhoKHZG5D9E4ZBDoAQg3MAQ#v=onepage&q=quebra%20bilhas&f=false
https://books.google.pt/books?id=-RoTAQAAMAAJ&q=quebra+bilhas+retiro&dq=quebra+bilhas+retiro&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwiAsZafmKjXAhXKChoKHdMlCc04FBDoAQg5MAU
a ver se lhe consigo arranjar aqui outra coisa.
cmpts
A segunda ainda a achei no Archivo.
Formidável!
Obrigado!
De dh a 5 de Novembro de 2017
https://archive.org/details/estroinaseestroi00noro?q=quebra++bilhas
https://archive.org/details/lisboadoutrostem02carv_0?q=quebra++bilhas
neste pdf ha um artigo sobre o quebra bilhas
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Olisipo/1986/N149/N149_master/Olisipo_N149_1986.PDF
achara interessante pois menciona o tinop e contradi-lo)
Parece haver um artigo de André Brun de 1912 sobre o Quebra Bilhas
quebra bilhas André Brun. In -- A Capital. - A. 2 (672) 12 Jun. 1912.
(aparece citado aqui
http://purl.pt/25030/4/b-9144-v_PDF/b-9144-v_PDF_24-C-R0150/b-9144-v_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf)
(vejo agora que parte do que esta acima coincide com algumas das coisas que aparecem em http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2017/11/antigo-retiro-quebra-bilhas.html aproveito e deixo o link para o tinop https://archive.org/stream/historiadofado00carvgoog#page/n38/mode/2up/search/quebra++bilhas)
bom foi o que pude arranjar nestes breves minutos e lendo de viés
cmpts
E já não é pouco. Dá-me para uma adenda bibliográfica.
Muito obrigado!
Melhor. Deu-me para um verbete novo.
Cumpts. :)
De Valdemar Silva a 5 de Novembro de 2017
Como curiosidade, parece que o facínora Diogo Alves teria sido finalmente preso, numa casa de comes e bebes prós lados do Campo Grande ou Campo Pequeno, para, depois, ser condenado à morte por enforcamento no Caís do Tojo, em Lisboa.
Seria interessante, que alguém do blogue soubesse de que a casa de comes e bebes se tratava.
Valdemar Silva
De dh a 10 de Novembro de 2017
Caro Valdemar
as respostas que dei a SN era para si.
o livro que indico diz de facto, na pag 128, que Diogo Alves foi preso no Campo Grande.
cmpts
De [s.n.] a 8 de Novembro de 2017
Olhe, só agora estive a ler estas inúmeras historietas sobre os Antigos Retiros das Hortas, o Quebra Bilhas e a Severa. E são uma verdadeira delícia.
Depois de ver as fotos do edifício onde se situava o "Quebra Bilhas", fiquei com a impressão de que ele talvez ainda existisse lá pelos fins dos cinquenta. Era ainda muito pequenina, mas tenho uma vaga ideia de quando ía com os meus irmãos e Mãe assitir à Missa na Igreja do Campo Grande (como já aqui referi, nós morávamos nessa altura num dos últimos edifícios da Av. da Igreja, quase pegado com o Campo Grande e portando muito perto da Igreja) passarmos junto de uma espécie de taberna(?) ou loja, onde se podia ver perfeitamente quase junto entrada uma ou duas pipas de vinho e umas ou duas sacas de carvão.
Isto para dizer que muito provàvelmete esta taberna ou loja seria ainda o tal Quebra Bilhas. Ou não...
Maria
Nota: Parabéns pela excelente descrição, tão extensa quão informativa, sobre os curiosos Antigos Retiros das Hortas existentes em Lisboa e arredores. E já agora e também os nomes das Quintas (que eram imensas!) e de seus proprietários. Extraodinário.
De dh a 9 de Novembro de 2017
Caro SN
deixo-lhe aqui algumas coisas que encontrei
https://books.google.pt/books?id=WSwuAAAAYAAJ&pg=PA7227&dq=diogo+alves+preso&hl=fr&sa=X&ved=0ahUKEwj-mpj557HXAhVMWBoKHcIeBO8Q6AEIPTAD#v=onepage&q=diogo%20alves&f=false
https://books.google.pt/books?id=tLhCAAAAYAAJ&pg=RA1-PA166&dq=diogo+alves+preso&hl=fr&sa=X&ved=0ahUKEwj-mpj557HXAhVMWBoKHcIeBO8Q6AEIRDAE#v=onepage&q=diogo%20alves%20preso&f=false
Ha um livro do Moita Flores com uma historia, que não sei se fidedigna, que diz Alves tinha uma amante de nome Parreirinha que tinha uma taberna na estrada de Palhavã
https://books.google.pt/books?id=24G4AwAAQBAJ&pg=PT34&dq=diogo+alves+preso&hl=fr&sa=X&ved=0ahUKEwj-mpj557HXAhVMWBoKHcIeBO8Q6AEILjAB#v=onepage&q=diogo%20alves%20preso&f=false
O seguinte livro tem um capitulo inteiro sobre o Diogo Alves e confirma a historia da tal Parreirinha
https://archive.org/stream/DoCrimeEDaLoucuraMachado/Do%20crime%20e%20da%20loucura%20Machado#page/n47/mode/2up/search/Diogo+Alves+
lendo na diagonal nao consegui perceber onde e como o apanharam, mas parece-me que esta sera a referência a ler.
cmpts
ps: perdoe-me o azerty que não me simplifica a escrita de certos acentos...
De dh a 9 de Novembro de 2017
Repare que pode fazer o download do ultimo livro que refiro (e tb do primeiro e do segundo).
cmpts
Obrigado das remissões.
Resumindo, a primeira remete para O Ecco: jornal critico, litterario e politico, n.ºs 421-488. No n.º 423, de 12 de Novembro de 1839, pode ler-se a pp. 7 164:Continua a dar-se caça aos Ladrões ; no dia 28 foi preso em Arroios o Sr. Diogo Alves, Gallego, que tinha sido o Hoffman dos Cossacos rapinantes que assasinárão a familia Andrade [i.é, Mourão] ; este immortal Cidadão tinha tambem roubado ha pouco tempo a D. Carlos de Mascarenhas juncto a Campolide, além d'outras proezas mais.
Parecem os n.ºs seguintes dar notícia pormenorizada do que foi dito no julgamento.
A segunda remete para a entrada «Alves (Diogo)» do Diccionario Popular de Pinheiro Chagas. Conta a história de Diogo Alves, preso em Arroios, numas casas que alugara por 67$200 rs. ao Conde de Mesquitela (i.é de S. Miguel) para se esconder com a quadrilha. Não bate certa com a anterior, porém, a data de sua captura: 8 de Novembro.
A última é uma remissão para A. Victor Machado, Do crime e da Loucura, Lisboa, Henrique Torres, [1933], com um capítulo sobre o Diogo Alves, onde se diz que foi preso no... Campo Grande, sem referir a data da captura. Mostra todavia uma imagem da locanda da Parreirinha, a mulher de má vida que segundo a história (e aqui todos estão de acordo) levou o Diogo Alves ao crime e à perdição. Era nada mais nada menos que no antigo convento e igreja de Santo António da Convalescença, a S. Domingos de Benfica, na Estr. de Benfica. A um passinho do aqueduto.
Em resposta ao sr. Valdemar Silva, creio, no fim deste arrazoado, que o facínora Diogo Alves, que despenhava as vítimas do cimo do arco grande do aqueducto das Agoas Livres depois de as assaltar, foi mesmo caçado em Arroios, no palácio dos Mesquitellas.
Errata: onde digo «Mesquitela (i.é de S. Miguel)», é só Mesquitela. O que vai dentre parêntesis está errado.
De ft a 10 de Novembro de 2017
Sobre Vimioso e Castelo Melhor - e quase todos os que são citados - nas corridas do Campo do Campo de Sant'Ana é que apenas depois da derrota de D. Miguel: o Conde de Vimioso exilou-se e desembarcou com as tropas de D. Pedro IV, no Mindelo.
De [s.n.] a 10 de Novembro de 2017
E conhecer o que foi a vida da Severa, outra delícia de se ler. Foi o Conde do Vimioso/Marialva que, segundo a lenda, se apaixonou por ela, não é verdade?
E o Marquês de Angeja tinha uma enorme Quinta para os lados de Loures ou Odivelas, segundo me pareceu ler (li o texto à pressa). Outra coisa extraordinária. Lembra-se do que lhe disse há uns tempos largos sobre o Visconde de Sanches Frias?
Maria
É verdade. Tinop é daqueles olisipógrafos de estilo vivo a descrever tipos populares. Tão longe duns croniqueiros miserentos que enchem a prosa de povo com pior tristeza que o neo-realismo.
Do Sanches Frias não me recorda, já, agora...
Desculpe!
De [s.n.] a 11 de Novembro de 2017
Não se recorda?! Já agora ele era "de Sanches de Frias", assim é que está correcto o Título.
Então essa memória está pior do que a minha? Não acredito! Lembra-se de certeza de lhe ter falado na Maria Antonieta e no Manel Sanches?
:)Maria
Está péssima...
Achei a nossa conversa, mas não descortinei a ligação aqui.
Cumpts.
De [s.n.] a 14 de Novembro de 2017
O outro Senhor (o Tutor) de que lhe falei, pertence ao lado paterno e este último Senhor citado, é/era do lado materno. Aliás é apenas um deles, porque há muitos outros, mas reproduzir todos os nomes seria por demais fastidioso.
Talvez um dia (se tiver interesse nisso) lhe envie a fotocópia d'algumas páginas do livro. Só algumas, porque os nomes nunca mais acabam:) Alguns deles são bem conhecidos e andam por aí. Os descendentes, claro.
Maria
De [s.n.] a 15 de Novembro de 2017
Acabei por não lhe perguntar uma coisa, depois de ver as fotos nos textos do Quebra-Bilhas. Numa das fotos em que se vê a Igreja do Campo Grande, será que ela ainda existe? Pergunto, porque os que têm estado à frente da Câmara e isto desde há décadas, têm mandado derrubar tudo o que eles achem que está a mais, se calhar até Igrejas, desde que satisfaçam os interesses dos empresários da construção civil, todos eles seus amigos... para receberem o retorno em milhares ou milhões, como se sabe.
Não me recordo da fachada, era muito pequenina na altura e nós entrávamos sempre pela porta lateral à direita que não é possível ver-se, claro, mas esta Igrejinha é um mimo pela sua pequena dimensão e pela simplicidade da arquitectura.
Maria
A igreja do Campo Grande, sim, existe. É a paroquial dos Santos Reis Magos. Parece-me é que se avergonham da invocação, porquanto as paredes dos anexos modernaços do centro paroquial exibem, impante e duplamente, o nome profano da paróquia. A própria página da paróquia remete a invocação dos Santos Reis para dentro dum parêntesis, dando primazia à designação profana. Já nem os santos velem à Igreja, pelo visto...
Mas atenção! A igrejinha que vemos na fotografia deste verbete não é a paroquial. É antes uma mais adiante, no sentido do Lumiar, perto duma universidade de relvosa fama que há por ali numas casas onde foram a fábrica de lanifícios do Campo Grande e, ao depois, o Batalhão do Serviço de Transportes do Exército português, e é da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco.
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