Pastel typico da J.F. S.D.B.
(Tradicional desde amanhã)
* * *
Vivemos na era do typico na hora; a tradição agenda-se já para amanhã e pode bem haver de acabar logo... hontem. Imperativos do pugresso e da sapiencia que nos elle traz:
Depois do Concurso de Pastelaria levado a cabo pela J.F.S.D.B., para a creação de um pastel typico de «São Domingos», que teve como principaes objectivos a promoção, a valorização e o desenvolvimento da nossa Freguesia e da sua economia local, em particular do sector da restauração, e cuja victoria coube ao pastel “São Domingos” confeccionado pela Pastelaria Califa, com a alfarroba como ingrediente obrigatório na receita, é chegado o momento de partilhar a receita [...] («Partilha da receita do pastel “São Domingos”», J. F. de S. Domingos de Benfica, 28/1/2016; cacographia da Juncta vertida em orthographia greco-latina por dó; sublinhado dos ingredientes da receita meu.)
A receita.
Alguem a quem commentei este caso pittoresco do typico na hora — meio escamado, eu, porquanto o typico de S. Domingos sei serem umas esquecidas queijadas que Raul Proença refere no conhecido Guia de Portugal (vol. I, Lisboa e Arredores, p. 435) reeditado pela Gulbenkian às carradas e vendido por módicos treuze euros; nem raro de achar ou complicado apprender, portanto... — Pois esse alguem desarmou-me com simplesmente dizer o que me indigna: vulgares conciliabulos entre presidentes de juncta marketeiros e confeiteiros de bairro á cata de augmentar o negocio. A gente adhere, orgulhosa dos novos pergaminhos de plastico, compra e paga.
Bem verdade. Desarmou-me. Mas não tira uma migalha á ignorancia das famosas queijadas:
Mais adiante, na estr. de Benfica [...] deixando à dir. a travessa das Águas Boas entra-se no troço denominado «Cruz da Pedra», onde, à dir. no n.º 216, se vendem as famosas queijadas da região. (Raul Proença, Guia de Portugal, vol. I, reprod. da 1.ª ed. de 1924, p. 434.)
A alfarroba.
A alfarroba é o typico typico de quem fabrica o typico sem noção de typico, atypico ou de nada.
« A antiga e amável povoação de Benfica — escreve Ramalho Ortigão —, ainda que tão decaída hoje da alta importância que teve outrora no conceito, caprichoso e inconstante, da alta sociedade da capital, é, ainda assim, no seu tanto, o recantinho suburbano de Lisboa que mais aproximada ideia nos sugere do que é para Roma o prestígio de Tivoli e de Frascati. Em nenhum outro lugar de Portugal, se exceptuarmos Sintra, se encontrarão reunidas em tão pequeno circuito tão lindas, tão históricas, tão anedóticas, tão saudosas quintas como as que encerra Benfica. Em torno da igreja onde jazem os restos de João das Regras, da bela capela dos Castros, onde repousa a ossada do glorioso governador da Índia biografado por Jacinto Freire, em volta do que ainda resta do convento e da cerca de S. Domingos, imperecíveis na literatura portuguesa pelas imcomparáveis páginas que nas suas crónicas lhes consagrou Frei Luís de Sousa, avizinham-se, quase pegadas umas às outras, num doce rumor de água, chapinhante nas fontes ou corredia e borbulhante na terra pingue dos jardins, dos pomares e das hortas, numa perene verdura de vegetações rurais e vegetações de luxo, num vago e errante perfume bucólico de flores e de frutas, a quinta do marquês de Fronteira, a do conde Farrobo, a dos marqueses de Abrantes, depois da infanta D.ª Isabel Maria, a que foi de Lodi, a do Beau Séjour, do extinto barão da Glória e muitas outras. Já na Crónica de São Domingos o que no século se chamou D. Manuel de Sousa Coutinho escrevia: «Duma e outra parte (do convento), correm quintas que cerram outeiros e vales em roda, algumas de bom edifício, outras mais ao natural; todas ricas de bosques e pomares e cercadas de suas vinhas, com que a mor parte do ano mantém o vale uma frescura e uma verdura perpétua.» (Id. p. 436.)
Bosques, jardins, hortas, pomares, vinhas, verdura e — salvo o conde de Farrobo cuja quinta era das laranjeiras — ninguem se lembrou de nomear farrobeiras?!... Eis o typico pastel «São Domingos».
As queijadas.
As queijadas são o typico cuja memoria esqueceu porque nem o conhecido Guia parece ser lido na freguesia. Paciência!...
Ainda assim não vou sem dizer: as queijadas vendiam-se logo a deante da Tv. das Aguas Boas, ao n.º 216 da estr. de Benfica, não é verdade? — Pois bem, a juncta de São Domingos, mesmo não lendo, escreve. E, confesso, nem sempre se sae mal. Na monographia São Domingos. História, Arte e Património, cuja orhtographia não vem mutilada com o neo-brasileiro do govêrno — pode ler-se, portanto —, á p. 45 refere sobre o convento de Sancto Antonio da Convalescença:
Noutros compartimentos dos dois pisos [do dicto convento] situavam-se a Casa "De Profundis", cela do irmão guardião, rouparia, adega, casa dos moços...
Aos menos informados esclareço que rouparia é regionalismo para queijaria (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, VI, Público/QuidNovi, 2002). E sendo que ainda no tempo de Raul Proença (1924) haviamos as famosas queijadas da região á venda no 216 da estr. de Benfica — a dois passos do antigo convento da Convalescença que tinha a tal rouparia —, cada um associe as idéas e pense livremente como entender. Ao perzidente da juncta do pastel de alfarroba é que peço, por caridade não pense nada.
Antigo convento e igreja de Sancto Antonio da Convalescença, Cruz da Pedra (S. Domingos de Benfica), 194...
Eduardo Portugal, in archivo photographico da C.M.L.
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