Quinta da Imagem, Arroios, 1858-1910.
Cartas: Filipe Folque, Atlas da Carta Topográfica de Lisboa, 1858 (excerto da pl. 13); Levantamento da Planta de Lisboa: 1904-1911 (excerto da planta 11 J). Arquivo do Arco do Cego da C.M.L..
« Em 1889, quando Mestre Castilho escrevia a sua Lisboa Antiga, a quinta da Imagem ainda ensombrava o sítio: « Há — diz ele — na esquina sul desta travessa (Caracol da Penha) para a rua de Arroios uma pequena casa, de mesquinha aparência, em cujo cunhal se vê um nicho, hoje tapado, mas que antigamente tinha por habitante não sei que santo ou santa, com o indispensável pingente da sua lanterninha. Chamava-se por causa dele, ao sítio, o Nicho da Imagem.» (Bairros Orientais, 2ª ed., vol. IX, p. 165).
A propriedade rústica foi primeiro classificada como horta, depois como quinta, e por fim misturou-se o rústico com o urbano e passaram a chamar-lhe Vila Imagem, segundo vimos num registo da 1.ª Conservatória Predial. Em 1879 era «uma horta situada na travessa do Caracol da Penha n.os 1 e 3, da freguesia de S. Jorge (de Arroios). O n.º 3 era uma rua de parreiras[1] sobre pilares de pedra em direcção à casa de habitação[2] que constava de lojas com sobrados, e contíguo um telheiro[3] e uma casa separada ao sul da horta[4] com um assento de barracas que servem de oficinas, tudo em mau estado». Tinha poço[5] com engenho real, tanque, almácega[6], algumas ruas de parreiras sobre esteios de madeira, chão de semeadura, um pequeno olival e em redor da horta, que era toda murada, um renque de oliveiras[7]. Na frente da casa, da tal casa que nos fala Castilho, havia um pequeno jardim[8] (Liv. B 17, f. 193v. – 1.ª Conservatória).
A quem pertencia ela então? Não sabemos; mas em 1887 pertencia a Júlio Dolbeth [ou Dolbelth] que lá morava e que nesse ano deliberou vender a propriedade. É então que por escritura de 24 de Agosto a quinta da Imagem passa para a posse de João Marques da Silva pelo preço de 13 000$000 réis (Liv. G7, f. 116v. – idem). Este comerciante e proprietário, deu assim o primeiro passo para que o seu nome ficasse gravado, através dos tempos, nos cunhais duma artéria da capital...
Hoje, claro está, nem a casinha com o nicho nem a quinta, lá estão. Tudo isso foi engulido pela rua António Pedro e pelos edifícios que por ali, desde a rua de Arroios até à avenida Almirante Reis, se fizeram. De resto, o aspecto rústico da íngreme serventia desapareceu quási por completo. Só lá ao cimo [da Rua Marques da Silva], num dos cotovelos que forma, existe um desmantelado portão com ar de fora de portas que dá ingresso a uma quinta, ou talvez melhor, a uns terrenos que foram quinta. Tem esse portão as letras G. J. e a propriedade chamou-se — o leitor desculpe — Quinta do Cagaçal, nome por que aqueles terrenos ainda são conhecidos.
*
Há pouco tempo, no dia 22 de Fevereiro de 1937, faleceu na casa n.º 81, onde morava, o antigo governador Civil de Lisboa, António Miguel de Sousa Fernandes.»
Luiz Pastor de Macedo, Lisboa de Lés-a-Lés, vol. IV, Pub. Culturais da C.M.L., Lisboa, 1968, pp. 58-59.
O pormenor da descrição acerta-se com o levantamento topográfico de Filipe Folque em 1858. Importa aqui completar a legenda; os caminhos existentes em 1858 na área representada nos mapas decifram-se: A) Rua de Arroios; B) Caracol da Penha, no eixo da actual Av. Almirante Reis e; C) Caminho da Cruz do Tabuado ou Rua Aquiles Monteverde, que parte da esquina SO do Largo de Arroios.
A quinta da Imagem tinha uma planta em L invertido, cuja base acompanhava pelo norte o Caracol da Penha, estendendo-se da Rua de Arroios até altura daquilo que é hoje a Rua Francisco Sanches; no seu talhão mais oriental (a haste do L) prolongava-se até quase ao início da Rua Pascoal de Melo, abarcando todo o quarteirão da actual Av. Almirante Reis oposto à Portugália. Passando o cursor do rato sobre as cartas pode o benévolo leitor perceber o como se sobrepuseram os arruamentos modernos aos terrenos da quinta.
No arquivo do Arco do Cego existe um Prospecto do muro que Júlio Dolbelth pretende reedificar e embelezar na quinta da Imagem, sita na travessa do Caracol da Penha de França nº 1 e 3, fazendo frente para a rua Direita de Arroios, freguesia de S. Jorge em Arroios. O documento, que seria curioso consultar, é de 1875 e indica que o muro da quinta estaria por essa altura em ruínas, se é que existia — admitamos que os melhoramentos autorizados em 1859 no Caracol da Penha podem ter sacrificado o muro da quinta. Desconheço agora se Júlio Dolbelth (ou Dolbeth) chegou a reedificar o muro. Se o fez foi em vão. A intenção da Câmara de urbanizar as quintas de Arroios pode tê-lo motivado antes à venda da quinta em 1887. Marques da Silva, que lha comprou como já vimos por 13 contos de réis, era um comerciante sem apego à propriedade.
O sacrifício dum bom talhão da quinta em favor do troço inferior do Caracol da Penha é notório ao compararmos o mapa de 1858 com o de 1910 - foi quase até à rua de parreiras. Pouco se terá importado Marques da Silva; recebeu em troca o nome na rua como benemérito e pôde, conjecturo eu, lotear a quinta: um quarteirão inteiro a nascente da nova avenida mais uns lotes na rua que recebeu o seu nome, com espaço suficiente para um chalet no lugar exacto onde estivera o tanque da velha quinta (na esquina SE do quarteirão da Portugália). De certo — convém que o diga aqui ao benévolo leitor — sobre o que acabei de afirmar só sei que a quinta pertencia a Marques da Silva em 1891 quando a Câmara mandou mudar o nome ao Caracol da Penha. Se foi ao depois ele que a loteou não curei de saber. Mas a não ser certo é pelo menos verosímil. Já deitar-me a adivinhar o santo ou santa cuja imagem deu nome à quinta o seria menos.
Rua Marques da Silva, 3-5, Arroios, 1898-1908.
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